sábado, 10 de julho de 2010

Tom Rob Smith flagra a queda de Stalin em novo romance


RIO - Stalin está morto. O regime de genocídio legado pelo ditador às nações socialistas começa a naufragar. É neste cenário que Liev Demidov, herói de guerra e ex-agente de segurança do terror, se move no romance O discurso secreto – título que é uma referência ao famoso discurso de Nikita Kruschov que expôs as fissuras do sistema. “Naquele momento, a tradicional ordem da sociedade estava invertida. Aqueles que estavam nos gulags eram inocentes, e as pessoas fora deles eram os criminosos”, explica o escritor Tom Rob Smith nesta entrevista. Obcecado pelo período e pelo tema da culpa, Smith também é autor de Criança 44 – em que surge o personagem Liev – que está sendo adaptado ao cinema por Ridley Scott.

Você escreveu um romance em que os vilões se tornam mocinhos e vice-versa. É impossível não simpatizar com Liev, o personagem principal, que já foi um cruel agente do governo de Stalin. Foi essa a intenção?
– Exatamente. Na sociedade stalinista, muitas pessoas denunciaram amigos, vizinhos e colegas para provar que eram cidadãos leais. Isso significou que muitas pessoas inocentes foram mandadas para os gulags. Portanto, a tradicional ordem da sociedade estava invertida – aqueles que estavam nos gulags eram inocentes, e as pessoas fora deles eram os criminosos. Mais particularmente, a polícia era vista, pelos padrões tradicionais da moralidade, como uma organização criminosa do governo.

E por que Liev desperta tanta simpatia?
– É uma pergunta complicada. Não há dúvida de que ele cometeu erros. Mas o fez acreditando que estava construindo uma sociedade melhor. A sua crença era boa. Mas, no fim, ele percebe não pode perdoar a si mesmo pelas coisas que fez, a ideia de redenção é muito difícil. Não há uma resposta simples para a pergunta. O que gosto a respeito de Liev é que ele nunca desanima, continua tentando, mesmo quando os desafios parecem impossíveis. Talvez seja por isso que as pessoas simpatizam com ele. Por causa da sua determinação.

Os conflitos armados e os cenários estão bem detalhados no livro. Como foi seu processo de pesquisa?
– Eu li muitos livros de história, biografias, artigos de jornal e revista. Pesquisei documentos. Viajei para muitos lugares, falei com as pessoas de lá, visitei museus, cemitérios, qualquer lugar que tivesse uma conexão com o cenário. Mas reconheço que a parte mais importante da pesquisa foram as minhas leituras.

O que o atrai no período?
– Me interesso pelas questões morais que o regime suscita. Como eu me comportaria num regime desses? Tentaria subir, obedecendo às regras do Estado, mesmo sabendo que estão erradas? Ou me oporia e arriscaria minha vida? É uma pergunta que me fascina. Regimes totalitários têm a capacidade de nos fazer acreditar que preto é branco, e branco é preto.

A personagem Zoya tem uma súbita mudança de comportamento. Foi um recurso para encontrar um final feliz?
– Não vejo dessa maneira. Ela fez coisas terríveis: abandonou a própria irmã. No fim, ela compreende como as pessoas podem cometer erros terríveis, porque também os cometeu. Na verdade, é um final bem sombrio.

O Liev de 'Criança 44' é o mesmo de 'O discurso secreto'. Ele vai continuar em outros romances?
– Há um terceiro, intitulado Agente 6, que é a última história de Liev. Os livros compõem uma trilogia. Meu quarto romance será completamente diferente.
Leitores e críticos veem semelhança entre seu trabalho e o de Martin Cruz Smith, autor de Parque Gorki.
– Ele é um grande romancista. Eu o admiro, e a comparação me deixa lisonjeado.
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Reportagem: Luisa Bustamante, Jornal do Brasil
Fonte: JB online - 10/07/2010

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