sábado, 3 de julho de 2010

Perigo à mesa



Exigência de informações na propaganda de alimentos deve esbarrar em problemas legais;
brasileiro precisa de mais educação nutricional

Não há dúvida de que maus hábitos alimentares estão associados a uma série de doenças como obesidade, hipertensão arterial e dislipidemias, que se traduzem em milhares de mortes precoces a cada ano e gastos da ordem de bilhões de reais. Diante disso, a educação nutricional precisa figurar no topo das prioridades das autoridades sanitárias do país.

Mais polêmica é a iniciativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de estipular um prazo de seis meses para que as peças publicitárias de alimentos com altos teores de açúcar, sódio e gorduras trans e saturada tragam alertas sobre problemas de saúde que o consumo dessas substâncias pode causar.

Em princípio, ninguém deveria ser contra a inclusão de informações verdadeiras e relevantes sobre a natureza dos produtos anunciados. Mas a indústria e o mercado publicitário devem contestar judicialmente a medida.

E eles têm um bom caso. A Constituição (art. 220) prevê restrições legais apenas à propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. Indica, mais genericamente, que cabe à lei federal criar mecanismos para defender consumidores da propaganda de produtos nocivos à saúde. Sim, o sal pode fazer mal ao organismo se ingerido em excesso, mas também é um nutriente necessário à vida. Difícil, portanto, qualificá-lo como "produto nocivo à saúde".

O mesmo vale para açúcares e gorduras. De toda maneira, ainda que se interprete de forma laxa a Constituição, teria de haver uma lei federal autorizando as novas regras -e ela não existe.

A Anvisa, é claro, apresenta uma justificativa. Ela no entanto envolve raciocínios tortuosos e princípios genéricos -como o dever de "veracidade" dos anunciantes. A aplicação a ferro e fogo desse tipo de norma levaria à extinção da publicidade.

Vale observar que existe uma sabedoria por trás do mandamento constitucional. Ela tem menos a ver com o problema sanitário e mais com a questão dos freios e contrapesos. É sempre uma má ideia concentrar muito poder numa única caneta, mesmo quando seu portador está imbuído das melhores intenções.

Faria mais sentido se as autoridades sanitárias apostassem na educação nutricional e criassem programas para levá-la às escolas. Exigir uma rotulagem completa e informativa dos produtos é outro passo importante -e que está dentro das atribuições da Anvisa.

Quanto à questão específica das doenças relacionadas à alimentação, é preciso uma certa humildade. Trata-se de um problema contra o qual pouco podemos fazer.

Devido às adversidades enfrentadas pela humanidade na maior parte de sua história, o organismo humano desenvolveu uma espécie de "tara" por alimentos muito calóricos. E também eficiência na hora de armazenar energia na forma de tecido adiposo.

As condições de vida mudaram, mas o organismo não. Ele segue programado para poupar o máximo, porém num contexto de farta oferta de calorias e ritmo de vida mais sedentário. O resultado é a epidemia de obesidade.

Quase sempre é difícil para os circuitos da razão reescrever centenas de milhares de anos de programação biológica.
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Fonte: Folha online, - editorial - 03/07/2010

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