sábado, 10 de julho de 2010

Regras para um novo mercado

Cláudio Ribeiro de Lucinda*
Assegurar a competição é o grande desafio na era das superoperadoras.
Em um ambiente com a velocidade de mudanças como o de telecomunicações,
a demora na avaliação de práticas anticompetitivas é especialmente nociva



O embate entre Telefónica de España e Portugal Telecom (PT) pela Vivo dá pistas claras sobre a nova dinâmica do setor de telecomunicações. Em todo o mundo, a concentração e a formação de empresas com larga escala e variedade na oferta (combinando pacotes com telefonia fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura) trazem mudanças significativas no ambiente competitivo dos serviços.

Isolada no mercado paulista, a Telefônica precisa agregar seus serviços de banda larga, telefonia fixa e de TV por assinatura - que fornece por meio da TVA - a uma rede móvel para cravar melhor posição no mercado. O avanço dos mexicanos, que controlam Claro, Embratel e Net, e a posição privilegiada da Oi, com oferta convergente em todo o território nacional, apressam os planos da operadora espanhola.

Em seu último lance chegou a oferecer € 7,15 bilhões pela participação da PT na Vivo, quantia quase três vezes maior que o atual valor de mercado da participação. O problema é que a operadora móvel líder no mercado brasileiro é um ótimo negócio também para os portugueses e responde por 50% do faturamento mundial da PT. Tanto que o governo português lançou mão de seu direito ao veto da operação.

Ainda é cedo para saber o destino da Vivo. A única certeza que a ofensiva dos espanhóis traz é a visão do consumidor sobre o mercado. A demanda mundial cresce em torno das ofertas sofisticadas e combinadas, telefonia (fixa ou móvel) faz parte de um pacote e perde cada vez mais valor na venda isolada.

A mudança na oferta e os anseios do consumidor digital impactam o setor e causam questionamentos sobre regras necessárias para manter a competição em um segmento cada vez mais consolidado. A nova fase dos serviços de telecomunicações exige maior agilidade dos órgãos reguladores (no Brasil o setor está sob os olhos da Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel) e de defesa da concorrência para garantir qualidade nos serviços, preços compatíveis e universalização de serviços. O avanço da internet marca a entrada do acesso na categoria dos serviços básicos, aqueles que devem estar disponíveis a toda a população. Esse argumento foi utilizado pelo governo para a reativação da Telebras.

A literatura econômica aponta caminhos para a atuação dos órgãos reguladores. A primeira linha está na garantia da compatibilidade tecnológica, uma vez que os padrões técnicos são significativos para a competição em telecomunicações. O papel do regulador é equilibrar as necessidades e fomentar a adoção de diversas soluções, impedindo o domínio de tecnologias por parte dos operadores e a consequente criação de barreiras para a entrada de novos competidores. Na pauta da Anatel pendem decisões importantes entre tecnologias de redes sem fio de alta velocidade. A escolha de um padrão - ou a falta dela - será especialmente importante para moldar a competição.

Os padrões tecnológicos são apenas uma parte da equação. O segundo ponto, tão ou mais importante que o primeiro, diz respeito à necessidade de uma gestão mais moderna de ativos escassos como o espectro radioelétrico (utilizado na telefonia móvel), bem como dos ativos de infraestrutura não facilmente duplicáveis, como a rede de telefonia fixa. Diante da escassez, a saída está na reavaliação completa da normatização de acesso à rede, incluindo a espinhosa questão do compartilhamento de infraestrutura.

Em telecomunicações, a regulação bem desenhada é ponto de partida para uma competição saudável, mas não é tudo. Fornecer as "regras do jogo" é importante, mas, sem um árbitro que possa coibir as práticas potencialmente anticompetitivas, as melhores regras podem acabar sufocando a competição. O terceiro desafio do setor público é acelerar o processo pelo qual práticas potencialmente anticompetitivas são analisadas e coibidas. Questão que envolve integração entre Anatel e Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Em um ambiente com a velocidade de mudanças que o setor de telecomunicações se caracteriza, a demora na avaliação de atos de concentração ou de práticas anticompetitivas é especialmente nociva.

As regras devem garantir a universalização de serviços essenciais e motivar investimentos do setor privado, reduzindo a necessidade de intervenção ou de gastos diretos do setor público em infraestrutura. Um desenho cuidadoso de metas de universalização foi um dos motores do avanço da telefonia móvel no Brasil. Com mais de 180 milhões de acessos, o segmento está acessível para quase 100% da população.

Outra possibilidade interessante pode surgir com a liberalização do processo de outorgas de concessões de TV a cabo. A regulação pode trazer novas empresas para o segmento. O problema está em desenhar um modelo que dissemine geograficamente os serviços, promovendo a competitividade também nos municípios que não são atendidos. Historicamente, a TV por assinatura tem respondido às demandas das classes A e B, incluindo boa infraestrutura para serviço de banda larga e telefonia.

Uma alternativa interessante, que poderia ao mesmo tempo reduzir a carga de investimentos do setor público e conseguir atender ao objetivo de aumentar a dispersão geográfica do serviço, seria o de construir "pacotes de licenças". O grupo que adquirisse as licenças neste caso teria de fornecer o serviço de TV a cabo em todos os municípios correspondentes ao pacote, que envolveria cidades com forte interesse econômico por parte das operadoras e também municípios menos atraentes.

A ação dos reguladores deve concentrar-se no novo momento das telecomunicações, no qual a reavaliação da essencialidade dos serviços deve gerar novas metas de universalização e fomentar a criação de uma sociedade digital e conectada.
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*Cláudio Ribeiro de Lucinda é professor da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto/USP. Especialista em regulação de mercados e defesa da concorrência.
Fonte: Valor Econômico online, 09/07/2010

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