sexta-feira, 9 de julho de 2010

Aborto: o luto proibido e a necessidade da reconciliação

Entrevista com Mokina Rodman,
 coordenadora na Itália do programa O vinhedo de Raquel

BOLONHA, quinta-feira, 8 de julho de 2010 (ZENIT.org) - “Não se deixem vencer pelo desânimo e não abandonem a esperança”. Essas são as palavras do Papa João Paulo II dirigidas na encíclica Evangelium Vitae às mulheres que abordaram.

Com o objetivo de reconciliar um luto que muitas vezes permanece escondido durante anos, nasceu nos Estados Unidos um programa de reconciliação chamado Rachel’s Vineyard (O vinhedo de Raquel, em português), que busca por meio de reuniões, acompanhamento e retiros espirituais que as mulheres que abortaram, e as pessoas que se envolveram neste fato (casais, médicos ou pais de família) façam esse luto e reconciliem a ferida deixada por essa decisão equivocada.

O nome O vinhedo de Raquel deriva da citação Jeremias 31, 15-17, que fala sobre o lamento de Raquel e o luto que faz logo que seus filhos morrem na guerra. Faz alusão à necessidade de elaborar este luto. Hoje está presente em mais de 20 países. Entre eles, Espanha, Equador, Uruguai, Porto Rico e Argentina.

Sobre este apostolado de reconciliação, ZENIT entrevistou a teóloga Monika Rodman Montanaro, que trabalhou nesta iniciativa na Califórnia, e agora é a coordenadora deste projeto na Itália. Durante anos serviu como voluntária na pastoral da família e especialmente com os traumas pós-aborto.

ZENIT: Como nasceu essa iniciativa?
Monika Rodman: Nasceu nos Estados Unidos em 1984. Desde 1975 os bispos americanos começaram um programa pastoral a favor da vida, logo que o aborto foi legalizado (janeiro de 1983). Então disseram: “queremos desenvolver iniciativas para acompanhar as mulheres católicas, casais, dado que agora o aborto é legal e que as pessoas acham que estão bem”. Eles entenderam que estas mulheres tinham necessidade de um convite visível e concreto para se reconciliar. A fundadora se chama Vicki Thorn e veio da arquidiocese de Milwaukee em Wisconsin, Estados Unidos.

ZENIT: Como descobriram que era necessário um retiro de reconciliação?
Monika Rodman: A criadora destes retiros se chama Theresa Burke, é psicoterapeuta e quando começou a exercer sua profissão não buscava a problemática pós-aborto; mas começou a tratar um grupo de mulheres com transtornos alimentares.
Estas mulheres falaram de tudo: abusos, companheiros equivocados, lesbianismo, álcool. Em uma reunião uma delas falou do aborto. Cada uma teve uma reação fortíssima. Sete de oito mulheres haviam abortado e nenhuma tinha falado disso antes.

ZENIT: Por isso se fala de um luto proibido...
Monika Rodman: Claro! É um verdadeiro luto que estas mulheres viveram. Desde o começo é visto como um luto proibido. Nem sequer em sua profissão elas têm permissão de falar disso. Por isso nasceu o grupo semanal no qual começa a elaboração do luto. É necessário chorar, permitir que se derramem estas lágrimas porque a depressão e muitos comportamentos autodestrutivos têm origem naquela dor que carregam dentro de si.
É uma experiência de morte sob a ameaça do companheiro, a rejeição dos pais. Há muitos medos que levam a uma decisão desesperada. Com isso nos damos conta que não é uma escolha livre como vemos o mundo. É mais um testemunho de falta de liberdade. Aprendemos tudo isso e entendemos escutando as histórias das mesmas mulheres e dos casais.

ZENIT: Quais são os traumas pós-aborto que aparecem anos ou talvez décadas depois deste fato pelo “luto proibido”?
Monika Rodman: Quando se escuta a história de uma mulher que está grávida e deve decidir o que fazer, escutando sua situação, se entende que está sob muitas pressões e medo. Diria que o aborto é uma escolha que se toma sob um medo tremendo. Sob este medo nunca tomamos decisões corretas. Transforma-se numa decisão desesperada: não estar mais grávida.
A mulher que aborta deve suprimir o instinto materno que sente dentro de seu corpo e sua alma só pelo fato de aderir esta decisão desesperada. Ela pensa que se continuar sua gravidez, esse medo não terminará. Suprime tudo o que sente, acredita e sabe que leva dentro dela uma criança, que Deus a estará formando em seu ventre. Mas acaba com seus valores ao seguir um programa proposto pelas pessoas e pela cultura de hoje. Ela sabe que é uma gravidez não desejada. Há um grande conflito dentro do próprio coração. Então acaba se abandonando no aborto. Não é uma escolha livire, é como se render numa situação de abandono e de pressão. Ela sabe que matará uma criança, sua criança, mas não deve negar porque a realidade é muito dolorosa ainda que seja aceito socialmente em muitos países.
Se qualquer outro familiar morre, a cultura entende que é necessário fazer um luto, porém o aborto é um luto proibido. Contudo, se manifesta, e de outros modos: o sentido de culpa, a raiva contra as pessoas que pressionaram a abortar. Manifesta-se em vícios como o abuso de álcool ou outras substâncias e ainda comportamentos destrutivos. Há transtornos alimentares e uma forte repressão, assim como reviver o fato de que havia algo dentro de si. Por exemplo, a comida pode representar a criança que foi violentamente forçada a sair.

ZENIT: O aborto leva à ruptura de muitas relações de casais?
Monika Rodman: Com certeza sim. Tenho uma amiga que trabalha para um Tribunal da Califórnia e me dizia: “Monika, não posso lhe dar detalhes mas posso dizer que em quase todas as petições de anulação matrimonial o aborto está envolvido”. O aborto está muito ligado aos fenômenos sociais negativos.
Queremos ajudar os casais a que não se separem, a que honrem seu próprio corpo, sua sexualidade. O aborto é como uma bomba, como uma mina. Nem sempre explode imediatamente, mas se acontece, pode vir 10 ou 20 anos depois. Quando as mulheres já não podem mais negar esse fato.

ZENIT: Como é o trabalho de acompanhamento que sua entidade realiza?
Monika Rodman: Por meio da escuta. Talvez são praticantes, talvez não, porque o aborto é visto como um pecado imperdoável. Se há um coração arrependido o Senhor perdoará, mas elas vivem no início esta experiência de pecado imperdoável.
Muitas vezes atuam sob pressão. Às vezes são as mães que as levam para as clínicas. Uma vez veio uma mulher que sua mãe queria que abortasse e ela fugiu.
Duas semanas depois retornou. A mãe estava decidida pelo aborto e a obrigou a praticar, então a filha cedeu... Hoje ela ainda vive com sua mãe e ambas têm uma relação difícil. Nós convidamos não só a mulher que abortou mas também quem aconselhou ou ainda obrigou a abortar. Buscamos tratar as feridas na alma individual.
O retiro é elaborado por uma equipe, com a presença de uma psicóloga, de um sacerdote (que o bispo deu a potestade de absolver o pecado do aborto) e de outros membros leigos. Muitas vezes os outros membros da equipe são mulheres ou homens que passaram pela experiência do aborto e fizeram um discernimento para poder chegar às outras pessoas que têm essas feridas.

ZENIT: Poderia nos falar dos frutos desse apostolado?
Monika Rodman: Estas mulheres, uma vez que se reconciliam, se convertem em apóstolas de outras mulheres, apóstolas a favor da vida, porque dizem: “nunca tomem este caminho, para mim isso custou muito, faça essa criança nascer, você será capaz, eu estou com você”. Convertem-se em apóstolos da Divina Misericórdia. É algo belíssimo, e um campo muito fértil.

ZENIT: Há alguma história em particular que a impressionou?
Monika Rodman: Uma mulher de 43 anos havia abortado havia 10 anos. Depois disso, outra filha nasceu, e ela me disse: “a realidade de minha filha me fez entender o que fiz”. Ela foi diagnosticada e foi encontrada uma depressão pós-parto, mas ninguém havia perguntado se fez o aborto. Agora quer fazer o retiro com seu marido.
Nós convidamos as mulheres casadas para irem em casal, ainda que o marido não seja o pai da criança abortada. Esta é uma ilustração de como ela havia sepultado a memória e que logo retorna como uma espécie de “vulcão de luto”.

ZENIT: Como uma mulher que abortou e que se afasta da Igreja busca a reconciliação nos valores do Evangelho?
Monika Rodman: Buscamos facilitar o encontro com Cristo misericordioso. Com aquele Jesus que talvez lhe parecia distante. Com a Divina Misericórdia. Queremos facilitar um encontro com o coração misericordioso da Igreja e o fazemos em equipe. Não só o sacerdote mas também a psicóloga, e a mulher que abortou no passado. O Divino Médico atua por meio de cada um. Uma psicóloga católica que entende que é o coração que deve ser curado. Ao final, é Cristo que cura.

Por Carmen Elena Villa
Na internet

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