domingo, 4 de julho de 2010

Uma pedagogia da emancipação




A partir de um enfoque marxista, Peter McLaren critica o presente da Universidade norte-americana, onde observa cortes orçamentários e o avanço de “uma privatização encoberta”. Promove uma “pedagogia da crítica” que transforme a relação professor-aluno.
“O complexo educacional, o complexo militar e o legal-industrial se relacionam entre si e todos estão conectados, formando uma combinação muito perigosa”. A descrição da atualidade universitária nos Estados Unidos pertence ao professor Peter McLaren, reconhecido teórico marxista da educação, impulsionador de uma “pedagogia da crítica” em contraposição à “pedagogia do desejo”.
Na conversa com Página/12, McLaren – de origem canadense, mas com uma extensa carreira nos Estados Unidos – explica sua experiência no sistema educacional norte-americano e fala sobre a sua ideia sobre a relação professor-aluno como “um dos eixos para a emancipação”.

Qual é o estado da educação superior nos Estados Unidos no contexto da crise do capitalismo?
Em teoria existe um sistema de Universidades públicas e privadas, mas as públicas se encontram sob uma operação encoberta de privatização. Por exemplo, a Universidade da Califórnia (UCLA), onde trabalho, é uma Universidade pública, mas recebe muitas contribuições de instituições privadas que influem na direção acadêmica. Apesar dos ingressos serem provenientes do setor privado, cortaram os salários em 8% e estão fechando as bibliotecas aos sábados: imagine uma Universidade como a UCLA dizer que não tem fundos para abrir uma biblioteca, mas obviamente tem dinheiro para reformar o ginásio de basquete. Na Califórnia, os projetos eleitorais e políticos prometem uma educação melhor para todas as classes sociais e não fizeram mais que traí-las constantemente. Por outro lado, há outras Universidades que se consideram exitosas, como a de Harvard, que são sustentadas com dinheiro privado. São tomadas como exemplo no sistema público e, por isso, há um processo de privatização.

Esta influência entre o sistema público e o privado se irradia sobre o regime trabalhista dos professores?
O complexo educacional, o complexo militar-industrial e o legal-industrial se relacionam entre si, todos estão conectados nos Estados Unidos formando uma combinação muito perigosa. A direita impulsionou uma lei em vários Estados que proíbe os professores de falarem do ponto de vista político com uma opinião diferente da maioria... São leis que não prosperaram, mas vemos que estão sendo empunhadas pela direita. É preocupante, também, que as faculdades de formação em educação vão desaparecer nos Estados Unidos. É uma ideia que se pode escutar da parte de alguns governadores, que em seus Estados estão tratando de tirar a formação docente das Universidades e que seja transferida para o setor privado. O argumento que se utiliza é que as Faculdades de Educação não melhoraram o setor educativo.

Você se especializou na pedagogia crítica. Quais são seus principais conceitos?
A pedagogia da crítica trata de ultrapassar o conceito da necessidade, diferentemente da pedagogia do desejo, que se centra no bem-estar, no prazer, e tem uma relação mais íntima com as estruturas capitalistas. Por exemplo: numa aula estaríamos falando da transferência do desejo do professor ao recusar as estruturas neoliberais, mas trata-se somente do nível afetivo, o sentido afetivo de alguém que se rebela contra as normas da vida diária. Ao contrário, a pedagogia crítica trata de desenvolver nosso conhecimento de maneira que se possa entender as condições materiais da experiência. Basicamente, a pedagogia crítica trata da libertação, libertar-se da necessidade, e é fundamentalmente uma crítica materialista. Então, a consciência crítica existe fora dessa pedagogia do desejo, para a qual o mais significativo é o que o professor sente. É uma pedagogia que poderíamos chamar pós-clássica. A aula dominante evita enfrentar a realidade, a realidade do outro, porque a miséria do outro é a causa da prosperidade daquele que está praticando a pedagogia do desejo, é a condição que lhe dá a possibilidade de ter prosperidade na pedagogia do desejo.

Na pedagogia do desejo qual é o enfoque da relação professor-aluno?
Principalmente, não há uma tentativa de libertar os alunos da situação econômica em que se encontram. O que se tenta é libertar o estudante do estresse que sente a nível emocional. O propósito da pedagogia do desejo não é entender o que está acontecendo na vida diária, mas que se trata de uma sedução. É uma inversão emocional no ensino para poder afirmar o poder. A pedagogia crítica, ao contrário, trata do conhecimento social e sobre o que não se fala. Também investiga o que não se vê, para poder trazer à luz os detalhes concretos e as representações significativas de nossas vidas. Isto revela a maneira como o objeto abstrato da representação da divisão internacional do trabalho informa todas as práticas da cultura na sociedade.

"A pedagogia da crítica trata de ultrapassar o conceito da necessidade,
diferentemente da pedagogia do desejo, que se centra no bem-estar, no prazer,
e tem uma relação mais íntima com as estruturas capitalistas."

E de que forma a pedagogia crítica estabelece a relação professor-aluno?
O ponto é que a pedagogia crítica não está posta no desejo, mas no amor revolucionário. O amor só pode existir entre os seres que são iguais, que compartilham certos ideais e um compromisso com os pobres. E é esta afinidade moral – onde o professor e o aluno aprendem mutuamente – que constitui as condições de possibilidade do amor nos lugares da experiência diária no capitalismo, nas relações sociais do capitalismo, nas relações institucionais e nas estruturas, que não são espaços livres e não promovem a equidade, mas o contrário. O amor revolucionário só pode existir na luta para poder transformar esta relação. Ao contrário, a pedagogia do desejo trabalha contra a construção de um amor revolucionário porque não pode celebrar o que não pode conhecer. Creio que estas são as diferenças. A pedagogia crítica nos explica no espaço do ser ou no espaço da libertação, mas se encontra no lugar da coletividade e no lugar da emancipação. Não podemos nos aproximar da pergunta pela emancipação sem desligar-nos da lógica da modernidade.
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A entrevista é de Julián Bruschtein e está publicada no jornal argentino Página/12, 29-06-2010.
A tradução é do Cepat.Fonte: IHU online, 04/07/2010

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