domingo, 4 de julho de 2010

O apocalipse segundo Maffesoli


 O Apocalipse de Michel Maffesoli não é o do fim do mundo, e sim o do sentido etimológico, ou seja, o apocalipse que revela o que está oculto. Em seu novo livro, recém-lançado no Brasil pela editora Sulina, o pesquisador francês aponta, nos céus da nossa civilização, sinais irrefutáveis de que há mudanças no ar. Separadas em tribos pós-modernas, as novas gerações cansaram dos valores prometeicos, como racionalismo, progresso e projeto. Querem viver apegadas ao presente, ao mundo sensível da estética e da emoção, reencontrando na predominância do instante a vitalidade desgastada pelos ideais progressistas do século 18. Esse novo estar junto, contudo, continua sendo ignorado pela intelligentsia atual, ainda apegada aos ideais modernas.

Em entrevista por telefone ao Caderno B, Maffesoli ataca o comodismo da mídia, das universidades e dos políticos. E diz que só com as revelações do apocalipse contemporâneo será possível deixar para trás as nostalgias de “um paraíso perdido” e as melancolias de um “paraíso futuro”.

Ao longo do livro, o senhor está sempre buscando o sentido etimológico de certas palavras, como “mundano”, “apocalipse”, “consenso”, e verificando a que ponto elas foram corrompidas pelos ideais modernos. Por quê?
Gosto de pegar o exemplo da obra de Michel Foucault.

O seu As palavras e as coisas é um modelo de análise.
Retomo a ideia sobre a especificidade de ter palavras, de como elas contam a história de um país.
Outra questão é que, atualmente, as palavras estão cansadas. Elas se gastam, como uma nota de dinheiro. As palavras modernas não são mais pertinentes, estão desconectadas da realidade.

As palavras atuais não conseguem mais explicar o mundo?
 – NaFrança, palavrascomo “cidadão” ou “democracia” não dizem mais nada às novas gerações. Mesmo assim, continuamos a utilizálas de forma encantatória, ainda que estejam esgotadas.
É preciso, portanto, encontrar palavras que digam o que vivemos, que deem nova energia à vida social. O trabalho de um pensador é justamente este: não inventar as palavras, mas dar um sentido mais puro a elas.

O senhor escreveu que, quando uma sociedade “não tem mais consciência do que as une, perde a confiança nos valores que asseguram o vínculo social”. Existe uma defasagem entre a realidade e as instituições?
– Acho que cada sociedade precisa que uma certa elite lhe diga o que ela vive. Mas, em certos momentos, esta elite se torna cada vez mais desconectada. A intelligentsia atual usa as mesmas definições, as grandes palavras de sempre: razão, trabalho, progresso... São palavras que moldaram os valores modernos, e que permanecem, mesmo sem corresponder à nova vida social. Oficialmente, ainda estamos nos valores antigos.
A intelligentsia não se deu conta de que não é mais o racional que está no ar, mas sim o emocional.
Não é mais o trabalho,mas a criação. Fazer da nossa vida uma obra de arte.

Enquanto outros pensadores criticam o comunitarismo, o senhor vê na fragmentação um novo espaço de sensibilidade e afeição, um estar junto mais complexo, que aceita o surreal, o virtual, a luxação...
– Minha hipótese é de um alargamento da realidade.
Não podemos negar a importância do sonho e do sensível. O real não pode ser reduzido a uma realidade estreita e mesquinha.
Isso seria uma maneira muito negativa de julgar o que é vivido: dizer que o copo está metade vazio, quando pode estar cheio pela metade.

Qual a importância da internet nesse processo?
– Ainternet é um paradoxo: coloca o desenvolvimento tecnológico a serviço do surreal e das fantasmagorias.
A técnica tinha uma função essencialmente de tirar o encanto do mundo, mas com a internet é o contrário.
Os sites de relacionamento retomam a velha ideia de comunidade, de tribo, as pessoas se encontram por nichos. Não adianta dizer de forma pejorativa que se trata de comunitarismo.

A técnica se torna o cimento de uma ligação social, e não se pode reduzir a ligação social ao racional. É preciso ver sua dimensão emocional.

A fragmentação e as novas mídias como a internet estariam produzindo uma sociedade cada vez menos dependente de intermediários?
 – Não estamos mais numa sociedade vertical moderna.
O que na França chamamos a Lei do Pai, do adulto racional como modelo, está dando lugar ao “eu imponho minha lei”.
Desenvolve-se uma horizontalidade, que pode ser vista como uma “Lei do Irmão”. E, repito, é paradoxal que a tecnologia facilite isso.

O senhor foi um dos primeiros pesquisadores a legitimar as novas tribos urbanas e ver em suas manifestações visuais um aspecto cultural a estuda. Já enfrentou resistências por isso?
– Não me importo que me acusem disso ou daquilo.
Mas creio que hoje está claro que não há mais que negar estas microtribos.
Na época em que começamos a pesquisá-las não era tão evidente. Eu tento em primeiro lugar descrevêlas. Não adianta nada fechar os olhos para ela.
Eu, por exemplo, não gosto de música tecno, gosto de Bach, mas não vejo por que não estudar fenômenos urbanos como os encontros em raves. O que eu disse na época é que não se podia negar que há uma cultura juvenil.
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Reportagem: Bolívar Torres
Fonte: JB online - Domingo, 4 de Julho de 2010

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