Michel Aires de Souza*
Há
nas plantas e animais uma predestinação, uma força cósmica, um sentido
interno. Esses seres não precisam se esforçar para descobrirem suas
teleologias, são como são, seguem naturalmente suas próprias leis.
Somente eles podem viver seu próprio destino inteiramente sem mudanças
bruscas, somente eles possuem em potência o ato de sua própria
realização. Algumas árvores florescem em apenas algumas semanas, outras
como o carvalho demoram 40 anos para florescer, algumas vivem apenas
alguns meses, já outras como sequóia vivem mais de 3000 anos. Apesar
das enchentes, geadas, secas e inundações as árvores cumprem seu sentido
interno, nascem, crescem, florescem e se reproduzem. São seres
completos em si mesmos. A maioria dos homens, ao contrário, são seres
gregários, não realizam seu destino, seu sentido interno. São seres
determinados e não determinantes, são constituídos e não constituintes,
são resignados e não obstinados.
O homem gregário é um ser que vive ao sabor dos ventos, apenas quer se
satisfazer de prazeres imediatos, está sempre agitado e em busca de
divertimentos. O filósofo Pascal (2001), que viveu no século XVII,
compreendeu muito bem a psicologia desse tipo de indivíduo. Compreendeu
as razões que levam os seres humanos a se exporem a tantas paixões,
contendas e perigos em seus empreendimentos. Depois de muito meditar ele
descobriu que os homens são incapazes de ficar em silêncio pensando em
suas misérias. Eles fogem de si mesmos. Nada pode consolá-los de sua
infelicidade natural, nada pode consolá-los de sua condição fraca,
miserável e mortal. Por isso procuram cargos, dinheiro, mulheres, jogos e
divertimentos. O mal de tudo isso, segundo ele, é que os seres humanos
procuram o tumulto não como um simples divertimento, mas como se a posse
das coisas que buscam devesse torná-los verdadeiramente felizes. O
problema é que não os tornam. Os homens nunca estão satisfeitos com
nada. Pensam que se obtivessem um cargo, certa quantia em dinheiro ou
uma bela propriedade repousariam em seguida com prazer, mas isso não
acontece, são insaciáveis, possuem um desejo excessivo por agitação.
Assim passam toda vida, buscam satisfazer um desejo procurando o
repouso, mas logo que satisfazem o desejo e alcançam o repouso, não
agüentam ficar quietos em casa, o tédio torna-se insuportável. Voltam a
mendigar o tumulto e a agitação.
Além de buscar a diversão como uma necessidade psicológica para fugir
de si mesmo, o homem gregário busca seu amor próprio no mundo externo,
busca se tornar conspícuo adquirindo propriedades, dinheiro e títulos.
Ele quer ser notório e desejável pelos bens e títulos que adquiriu.
Contudo, seu interior permanece vazio e sua vida é uma escravidão. A
grande maioria vive para trabalhar e o parco tempo que lhe resta é gasto
no consumo e nos entretenimentos. Esse desperdício de vidas não é uma
característica de nossa época. O escritor e político romano Lucio Anneo
Sêneca, contemporâneo de Cristo, já naquela época notava que os homens
desperdiçavam suas vidas no luxo e na indiferença. Ele dizia com certa
tristeza que os indivíduos permanecem imersos, presos as paixões, “não
favorecendo um voltar-se para si próprios”, isso porque “a insaciável
ganância domina um, outro, desperdiça sua energia em trabalhos
supérfluos, um encharca-se de vinho, outro fica entorpecido pela
inércia, um está sempre preocupado com a opinião alheia, outro, por um
irreprimido desejo de comerciar, é levado a explorar terras e mares na
esperança de obter lucro. O desejo de guerrear tortura alguns, que não
se mostram apreensivos em relação aos perigos alheios ou ansiosos aos
seus próprios; há aqueles que, voluntariamente, se sujeitam à ingrata
adulação dos superiores. Também há os que se ocupam invejando o destino
alheio e desprezando o seu próprio. A grande maioria, sem nenhum
objetivo, lança-se a novos propósitos levianamente, encontrando apenas
desgosto”. (Sêneca, 2007, p.27). Como podemos notar os homens desde os
tempos antigos nunca se preocuparam em gastar seu tempo consigo mesmos,
nunca buscaram um objetivo mais perene e espiritual, nunca buscaram a
serenidade interior e a não perturbação da alma. Muito pelo contrário,
sempre agiram cegos, em busca da fama, das propriedades, do dinheiro e
dos divertimentos. É notório que dos mais simples aos mais poderosos
existe uma cegueira no espírito humano. Alguns são subjugados pelo
dinheiro, outros por seus superiores, uns por seus negócios, outros por
sua sexualidade, um grande número pelos vícios, outros pela vaidade.
Para esses homens a liberdade é uma paixão inútil.
"A vida não tem um sentido ou uma finalidade,
ela nos é dada vazia,
somos nós que
devemos norteá-la, somos nós
que devemos dar um sentido e
uma finalidade a ela.
A nossa existência como pessoa
depende de nossas
ações. Mas essas ações
dependem de nossas escolhas."
Mas a natureza não criou somente homens gregários, ela criou também
seres especiais, homens obstinados, capazes de procurarem a realização
dentro de si mesmos. Esses homens foram capazes de seguir sua própria
natureza, de realizar sua própria essência, seu sentido interno. São
homens que possuem um sexto sentido, um sentido interior, possuem uma
voz dentro de si, um “Daimon” como chamava os gregos. São homens que
procuraram em sua interioridade a verdade. Eles desaprenderam a serem
gregários, a serem iguais entre iguais, a não serem nada. Souberam
reconhecer seu destino e viver sua própria vida. Eles deixaram de
rastejar, aprenderam a voar. Todos os homens possuem um sexto sentido,
mas só alguns são capazes de realizá-lo. O sexto sentido é uma vocação,
um chamado, uma busca que deve ser realizada, uma essência que deve ser
cumprida. O sexto sentido é como uma semente que nasce, se desenvolve e
amadurece dentro de nós. É ele que vai nortear a busca da nossa
felicidade. Por isso é preciso cultivá-lo.
O filósofo espanhol Ortega Y Gasset (2002) em sua obra “Rebelião
das Massas” diferencia o homem especial do homem gregário, para ele o
homem especial não é o petulante, que se julga superior aos outros, mas o
que exige mais de si mesmo, ainda que não consiga atingir essas
exigências superiores. Já o homem gregário não atribui a si mesmo um
valor, bom ou mau, mas se sente como os outros, igual entre iguais, e
isso não lhe causa angústia, nem sofrimento, muito pelo contrário,
sente-se bem com isso, sabe que não possui nenhuma qualidade especial
fora do comum. Desse ponto de vista, para Gasset, existem duas classes
de seres humanos, as que exigem muito de si mesmas e buscam se superar, e
as que não exigem nada de si mesmas, não se esforçam para serem
melhores do que são. Aqueles que exigiram mais de si mesmos foram os
grandes construtores da humanidade. Eles souberam compreender seu
sentido interno, sua “vocare” (chamado), seguiram sua própria natureza.
Foram seres obstinados, abandonaram os valores gregários, seguiram a si
mesmos. Mas sobre eles recaiu também o ódio, o preconceito e a má-fé.
Todos aqueles que não aceitaram os preceitos dos homens, os valores
estabelecidos foram tidos como anormais, loucos, insensatos. Veja a
perseguição a Sócrates, Cristo, Giordano Bruno, Galileu. Eles não foram
homens submissos e adaptados, seguiram seu chamado interno. Foram homens
solitários, que nunca estiveram em busca de dinheiro ou poder. São os
grandes libertadores da humanidade, fizeram com que o ser humano
transcendesse sua condição miserável, fraca e mortal.
A vida não tem um sentido ou uma finalidade, ela nos é dada vazia,
somos nós que devemos norteá-la, somos nós que devemos dar um sentido e
uma finalidade a ela. A nossa existência como pessoa depende de nossas
ações. Mas essas ações dependem de nossas escolhas. Algumas dessas
escolhas podem se tornar dramática, provavelmente causarão grande
angústia, agonia e luta interior. Mas o fato é que temos que escolher,
pois se não o fizermos estaremos escolhendo uma vida mecânica,
rotineira, fútil e vazia, determinada por uma autoridade externa, seja
religiosa, ideológica ou institucional. São as nossas escolhas que vão
moldar e criar a nós mesmos, são nossas essas escolhas que nos tornarão o
que verdadeiramente somos. Quanto mais autopercepção, mais
conhecimento, mais consciência tivermos da nossa vida interior, mais
conseguiremos desenvolver o nosso sexto sentido, que evitarão que as
forças deterministas da existência tome o lugar da autoconsciência. Em
cada homem há um sentido interno, um desejo de liberdade, de ação, de
criação, de superação, um ideal de ser e existir que dorme
profundamente. Todos nós temos uma realidade divina que ressoa em nossa
alma. É preciso que esse sentido interno amadureça, mesmo que tenhamos
um caos dentro de nós, pois como afirma Nietzsche, é preciso ter um caos
dentro de si para fazer surgir uma estrela que dance.
Bibliografia
GASSET, Ortega Y. A rebelião da Massas. Tradução Marylene Pinto Michael. 2 edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Martins Fontes. 2001.
SÊNECA. Sobre a brevidade da vida. São Paulo: L&PM Pocket. 2007.
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*Professor.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2013/07/09/o-sexto-sentido/
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