O apresentador do BBB, Pedro Bial, e o antropólogo
Roberto DaMatta discutem a sociedade
contemporânea e suas contradições
quando
se trata de exibicionismo e privacidade
Roberto DaMatta e Pedro Bial se reuniram na última quinta-feira, 5,
na Casa do Saber-O Globo-Rio numa palestra que se transformou
rapidamente em um bate-papo descontraído. O tema, “Uma sociedade voyeur e
exibicionista”, usou o polêmico ‘reality show’ Big Brother Brasil como
ponto de partida para que o antropólogo e o jornalista divagassem sobre
temas como público e privado, pessoa pública e vigilância.
“Supostamente os participantes são as vítimas, mas eles que mandam
nas câmeras. Se fosse um filme o corte seria feito pelos próprios
participantes”, observou Bial, que não esconde sua admiração pelo
programa que apresenta. Bial declarou que quando começa a falar em Big
Brother assume, automaticamente, um tom de defesa. Mas ele defende o
‘reality show’ com tanta contundência que quase acreditamos nos méritos
do programa. Quase.
Segundo Bial, o ‘reality’ faz inúmeras referências ao livro de George
Orwell, ’1984′, uma distopia na qual o mundo está sempre em guerra e é
comandado por um governo com câmeras onipresentes, que usa a vigilância
como principal arma para controlar as pessoas, num nível tão grande de
manipulação que parece conseguir penetrar seus pensamentos. A
“Vigilância” do Big Brother, como é chamado o governo no livro, também
acontece na casa do Big Brother construída no Projac, mas de uma forma
exibicionista que distorce toda a referência literária.
Estimulando o que há de pior na juventude
Bial diz que o programa fez tanto sucesso porque as pessoas sabem que
aquilo é real e se sentem coautoras, além de ser de uma realidade
irrefutável o que se passa lá dentro.”É muito mais interessante ver um
beijo na casa do que em uma novela. Aquilo é real, está acontecendo ao
vivo”. O apresentador faz uma referência ao que percebe estar
acontecendo com a juventude hoje, com sua apologia constante ao “eterno
presente”, como se o momento agora fosse tão importante que não há
espaço para as memórias do passado nem para os planos para o futuro. “A
juventude, criada em um mundo sem o conceito de vida após a morte ou
religiosidade tem como seu templo a academia de ginástica”, critica.
Ele diz ainda que acredita que as motivações para uma sociedade voyeurista
sempre existiram, só que hoje temos os meios e as oportunidades para
torná-la uma realidade. A tecnologia possibilitou que um programa como o
BBB existisse. Gravar 24 horas com inúmeras câmeras seria uma proposta
impensável há alguns anos atrás, não por uma questão ideológica, mas
simplesmente porque seria impossível gravar e armazenar tantos rolos de
fita. A internet e o telefone, essenciais ao programa, aumentam a
interatividade, numa relação nunca antes experimentada pela TV, e com
tamanho sucesso.
Para DaMatta, a questão do BBB passa diretamente pelo papel das
celebridades e da fama. O antropólogo acha que precisamos de modelos, e
esses modelos são, hoje, os “midiáticos”. “As celebridades são pessoas
sobre as quais projetamos questões pessoais, projetamos o nosso amor.
Faz parte da construção social e se não fossem por elas, que alimentam
todo o sistema, daríamos um tiro na boca”.
Biografias: onde o voyeurismo não é voyeurismo
O que é exatamente voyeurismo? O termo é usado quando alguém sente
prazer observando a intimidade de estranhos. Mas numa sociedade onde
tudo é observado, o sentido passou a ser muito mais amplo, e não se
restringe apenas à intimidade, mas à necessidade de observar tudo a todo
instante.
Se a sociedade é voyeurista e é isso que a move, celebridades
deveriam ser mais compreensivas com a reprodução de sua imagem? Na
opinião de Bial, sim. Sobre a polêmica das biografias, tanto ele como
DaMatta se empolgam, defendendo a liberdade de expressão. Bial argumenta
que, “entre o governo e a imprensa, eu fico com a segunda opção”, mesmo
que isso signifique ser alvo de uma imprensa invasora.
“A minha vida não pode ser dissociada das pessoas que vivem comigo.
Eu não me pertenço, é absurdo essa posição de achar que não se pode
escrever sobre sua história”, responde, enfático, DaMatta.
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Reportagem por
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