segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

TRÊS PROFETAS DESARMADOS

Rubens Ricupero*
O que Mandela, King e Gandhi têm em comum? Todos foram encarnações do sacrifício pelos outros
É significativo que dois dos três maiores heróis do nosso tempo --Martin Luther King e Mandela-- fossem negros e o terceiro, o Mahatma Gandhi, indiano. Nenhum era europeu ou representativo do topo da civilização ocidental, entidade cuja realidade Gandhi pôs em dúvida ao comentar que teria sido uma boa ideia... 

O que têm eles em comum? Todos foram encarnações do sacrifício pelos outros. King e Gandhi deram a vida, Mandela, a liberdade que sacrificou durante os 27 anos mais produtivos da existência. Por mais que nossa época secularizada rejeite o valor redentor do sofrimento, está aí a prova de que não se pode ser grande sem sofrer pelos demais. 

Gandhi e King foram homens de profunda fé religiosa e abraçaram a não violência evangélica como método de ação. Mandela chegou a comandar o braço armado do Congresso Nacional Africano, mas acabou por pregar o perdão e a reconciliação como atitudes necessárias a fim de unificar e construir a nação. 

Não se preocuparam com o Produto Interno Bruto, a acumulação de riqueza, o consumo exuberante de bens materiais. Nas questões de moral sexual e familiar, o comportamento deles não foi sempre perfeito. Não ganharam batalhas nem esmagaram os inimigos. Eram os tipos acabados do "profeta desarmado" que Maquiavel julgava predestinados à derrota. 

Compare-se, porém, a perenidade da herança que deixaram à devastação e ao extermínio legados pelos profetas armados: Hitler, Stálin, Mao. Até ao próprio Churchill, que queria liquidar Gandhi a fim de garantir a quimera do Império Britânico! 

Houve, é claro, pessoas iguais ou superiores na absoluta devoção aos necessitados --madre Teresa de Calcutá, por exemplo. O diferencial deles se encontrava em outro aspecto: tendo uma atuação política, não se corromperam por poder, vaidade ou dinheiro. Lideraram seus povos pela força moral, também uma variante do poder, mas a que nasce do serviço, não da dominação. 

Moviam-se não pela grandeza, como De Gaulle, pela glória do império, como Churchill, para ser a maior nação da terra, como os americanos. O que desejavam era simples e concreto: justiça e compaixão para os membros mais fracos e vulneráveis da comunidade. Na linguagem do papa Francisco, saíram todos de si próprios para mergulharem nas periferias da existência. 

Embora só King fosse ministro cristão, os três compreenderam que a antilógica do Evangelho é mais eficaz que a lógica do mundo. Oferecer a outra face pode parecer loucura. Contudo, apenas quando se renuncia ao "olho por olho" é que se rompe a inelutável espiral da violência. 

A destruição do domínio inglês na Índia, da segregação no sul dos EUA, do apartheid na África do Sul foram o resultado da resistência não violenta ativa daqueles que jamais teriam força para prevalecer num confronto violento. 

Desses três gigantes só um, Mandela, chefiou um governo. Compreendeu então o que entre nós é anátema: saber abrir mão do poder e conquistar o coração dos cidadãos é melhor garantia para consolidar a obra do que a perpetuação pela reeleição permanente. Se o grão não morre, nunca dará frutos. 
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*Rubens Ricupero é um jurista e diplomata brasileiro com proeminente atividade de economista. Diplomata de carreira de 1961 a 2004, exerceu, dentre outras, as funções de assessor internacional.
Fonte: Folha on line, 09/12/2013
Imagem Iternet

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