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Foi uma viagem "alegre", "amável", com uma presidente Dilma Rousseff
muito à vontade, falante, contadora de causos - longe da imagem de
"rabugenta" que é apresentada ao público. Foi também uma viagem mais bem
organizada do que a primeira, que levou ex-presidentes ao funeral do
papa João Paulo II, em 2005. "[Naquela] o clima foi menos descontraído.
Porque não eram só os ex-presidentes. Entrava gente. Conhece o estilo do
Lula, né? Ministros e mesmo assessores, enfim... Enquanto desta vez - a
Dilma é mais formal - éramos só nós, que ficamos juntos o tempo todo",
afirma Fernando Henrique Cardoso, que relatou ao Valor PRO, serviço em tempo real do Valor,
como foram as 20 horas de "conversas, de brincadeira, de contar causo,
de se lembrar de coisas, observações sobre terceiras pessoas, terceiros
países", durante os voos de ida e volta da África do Sul, onde ele,
Dilma, Lula, José Sarney e Fernando Collor presenciaram, na terça-feira,
o funeral de Nelson Mandela, líder da luta contra o apartheid no país.
O ex-presidente tucano conta que as conversas entre os pares se davam
na cabine presidencial com duas mesas com quatro poltronas em cada.
Dilma, de vez em quando, se retirava para os seus aposentos, onde havia
uma cama. Entre os ex-presidentes, ninguém dormiu. Só na volta. Mesmo
assim, "uma soneca", sentados mesmos. Collor era o mais formal. Lula e
FHC, afirma o tucano, formavam a dupla que tinha mais "memória em
comum". Perguntaram sobre o destino de antigos colegas e "das coisas de
São Bernardo de Campo", das quais "eu participei muito e Lula, lá, era o
líder".
Na volta para São Paulo, quando ficaram só os dois, houve uma
conversa mais íntima, porém sem cobranças por eventuais críticas feitas
um contra o outro. No funeral, FHC conta que lhe chamou atenção o clima
festivo, com música, e a impopularidade do presidente sul-africano,
Jacob Zuma, a todo momento vaiado quando sua imagem aparecia no telão do
estádio Soccer City.
Sobre as eleições de 2014, FHC afirma que não se preocupa com a
possibilidade de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ofereça
palanque duplo e apoie tanto o pré-candidato do PSDB à Presidência, o
senador Aécio Neves, quanto o adversário do tucano, o governador de
Pernambuco Eduardo Campos (PSB). "O eleitor não vai ver se o palanque é
duplo ou não. Na televisão, está com quem? É isso que vai contar. Porque
a lei é clara: você, sendo de um partido, não pode apoiar pessoa, na
televisão, de outro partido", diz. A seguir, trechos da entrevista
concedida ontem ao Valor:
Valor: O senhor gostou da viagem?
Fernando Henrique Cardoso: Gostei, foi boa, porque
foi amável, foi alegre. E é até importante destacar que a despeito de
tanto antagonismo é possível manter um diálogo positivo, com respeito.
Foi bom. A Dilma comigo foi muito atenciosa, e eu, naturalmente, com ela
também. Claro que evitamos entrar em qualquer assunto que pudesse levar
a discórdias maiores.
Valor: Foi Lula que chegou a pedir que se evitassem polêmicas?
FHC: Não, não falou, não. E todos estavam muito bem
dispostos. A Dilma estava muito solta e alegre, e o Lula também. Mas não
houve. Procuramos falar sobre as coisas em comum. Todos demonstraram
preocupação com vários acontecimentos.
Valor: Por exemplo.
FHC: A questão da reforma partidária, da reforma
política, essa questão do financiamento de campanha, todo mundo percebe
que está na hora de dar outro rumo, mas ninguém quis aprofundar nada
porque não estávamos ali nessa função. Mas acho que foi positivo, foi
mantido um contato cordial. Lembramos de muita coisa do passado, coisas
de São Bernardo [do Campo], das quais eu participei muito e Lula lá era o
líder. Perguntávamos muito sobre pessoas daquela época, o que estão
fazendo... E dali dos presentes os que tinham mais memória em comum
éramos nós dois.
Valor: O senhor e o Lula sentaram-se juntos para conversar?
FHC: Sentamos todos juntos. Só os presidentes ficaram ali, naquela cabine presidencial, para almoçar, para jantar.
"Não podemos levar a relação política a estado de beligerância. Foi um momento de distensão, tendo
em vista as posições ali"
Valor: Ninguém dormiu?
FHC: Não, foi todo mundo no embalo. Na volta é que
tiramos uma soneca, porque cansou, né? Mas não de dormir, sentado mesmo.
A Dilma é que, de vez em quando, ia para os aposentos dela, para a
cama. Nesse avião, a cabine tem duas mesas com quatro poltronas em cada.
E lá atrás é que tem várias cadeiras, poltronas, para o resto da
comitiva. E na frente, também, para o pessoal técnico, militar. Se
fossem oito, os oito poderiam participar da conversa, porque não há
separação maior. E fomos alternando as posições de cada um. Não é por
nada, mas porque cansa.
Valor: E o Collor, único que foi afastado da Presidência, ficou à vontade?
FHC: Talvez ele tenha menos intimidade com os
outros ali. Comigo [tem] um pouco mais porque eu era senador e ele,
deputado, e na campanha dele para governador [de Alagoas, em 1986], o
[ex-governador de São Paulo] Mário] Covas e eu o apoiamos. Até me
surpreendi, porque ele está agora com 64 anos, e parece mais moço. Mas é
uma pessoa educada. Ele é mais formal, digamos, do que os outros.
Valor: Mais que a Dilma?
FHC: A Dilma não é formal no contato assim. Ela é
agradável. Toda imagem que existe dela - como a vi só neste tipo de
ocasião, nunca trabalhei com ela - nunca vi a Dilma que é apresentada ao
público, rabugenta e tal. Comigo, não.
Valor: Ela puxou papo?
FHC: Ah, sim, ela contava causo, puxou papo, claro, muito à vontade.
Valor: Alguma conversa que achou marcante?
FHC: Que eu me recorde não, mas acho que foi um
momento de distensão, tendo em vista as posições ali, e as trajetórias.
Mas aí tem um dado também. Por razões várias, todos aqueles personagens
em momentos distintos, se encontraram. Primeiro, na questão da
redemocratização. Todos ali presentes ficaram do mesmo lado. O Sarney
rompeu lá [com o regime militar], para fazer a Frente Liberal.
Anteriormente a isso, tanto o Lula quanto eu tínhamos muito trabalho em
comum, fizemos muitas coisas juntos. Depois eu vim sozinho com o Lula
para São Paulo.
Valor: E como foi o voo?
FHC: Aí foi mais íntimo, nós dois temos mais
história em comum, foi mais fácil. Conversamos como duas pessoas
maduras, sem guardar reserva e procurando ser ao mesmo tempo cordato e
franco. Passamos em revista o que vivemos.
"[Em 2005] não eram só ex-presidentes.
Entrava gente. Ministros, assessores.
Conhece o estilo do Lula, né?"
Valor: Não houve cobrança em relação a críticas mais fortes feitas pelo outro?
FHC: Cobrança não houve não.
Valor: E como foi o clima no funeral do Mandela?
FHC: Era uma coisa festiva, porque a África é
festiva. Então tinha muita música. O que mais me chamou a atenção é que o
[Jacob] Zuma, o presidente [sul-africano], mal ele aparecia no telão, a
vaia era generalizada. Isso era constante. Era um estádio enorme,
bonito, e organizado. Agora, no lugar em que nós estávamos, o lounge dos
VIP, estava todo mundo ali. Foi bom porque encontrei colegas, os
"Elders" [grupo que reúne líderes e ex-presidentes de diversos países]: o
arcebispo [sul-africano e Nobel da Paz de 1984 Desmond] Tutu, o
[ex-secretário-geral da ONU] Kofi Annan, a [ex-presidente da Irlanda]
Mary Robinson, além disso estavam lá [os ex-primeiros-ministros
britânicos] Tony Blair e Gordon Brown. Na saída, cruzamos com o
[presidente da França François] Hollande e o [antecessor dele Nicolas]
Sarkozy.
Valor: E sua relação com o Mandela, como foi?
FHC: Conheci muito o Mandela. Na primeira vez, ele
veio ao Brasil, como presidente, e eu fui à África, também como
presidente. Mas depois disso estive muitas vezes na África e fora da
África e, como ele criou os Elders - somos dez, ele me colocou neste
grupo -, tive uma maior intimidade com ele. E sobretudo com a mulher
dele, a Graça [Machel], que é moçambicana. E a Graça era amiga da Ruth
[Cardoso, mulher de FHC, morta em 2008] antes de se casar com o Mandela.
A Graça veio ao Brasil para inaugurar o Centro Ruth Cardoso, fez um
discurso, muito bonito, e mencionou um fato que nem eu sabia. Que antes
de casar com o Mandela, conversou com a Ruth sobre o casamento. Enfim, a
relação nossa era muito boa. No final, nos últimos dois anos, ele
estava praticamente fora do ar. Na última vez em que jantei com ele, em
Johannesburgo, com os Elders, ele já tinha alguma dificuldade em manter a
conversa.
Valor: Qual foi a diferença entre essa viagem de ex-presidentes e a anterior, para o funeral do papa João Paulo II?
FHC: O Itamar [Franco] era embaixador [em Roma] e eu
e o Sarney fomos com o Lula. Primeiro, que eu não voltei com o Lula,
pois fui para outro país em seguida. E depois, o clima foi menos
descontraído que desta vez. Porque não eram só os ex-presidentes.
Entrava gente. Conhece o estilo do Lula, né? Ministros e mesmo
assessores, enfim... Enquanto desta vez - a Dilma é mais formal - éramos
só nós, que ficamos juntos o tempo todo. Isso produz obviamente depois
de... conversamos 20 horas.
Valor: Agora foi formal, porém facilitou mais a conversa, é isso?
FHC: Não foi mais formal, não. Foi mais organizado,
digamos. E facilitou. Foi bom, achei positivo. Foram 20 horas de
conversas, de brincadeira, de contar causo, de se lembrar de coisas,
observações sobre terceiras pessoas, terceiros países. Eu achei positivo
- e até disse isso lá - porque não podemos levar nunca a relação
política numa democracia a estado de beligerância. Há uma tendência
natural. Mas é responsabilidade dos líderes não deixar.
Valor: O senhor se preocupa com a possibilidade de Aécio dividir palanque com Campos em São Paulo?
FHC: Mesmo que o palanque seja duplo o número de
propaganda não é duplo. O tempo é do partido. É o 45, no caso do PSDB. O
que conta é a TV. O palanque duplo é uma maneira de acomodar uma
situação política, mas o efeito eleitoral é pequeno.
Valor: Como assim?
FHC: O eleitor não vai ver se o palanque é duplo ou
não. Na televisão, está com quem? É isso que vai contar. Porque a lei é
clara: você, sendo de um partido, não pode apoiar pessoa, na televisão,
de outro partido.
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Reportagem Por Cristian Klein | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 13/12/2013
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