George Monbiot*
Publicidade ensina crianças a acariciar… o plástico. Jornais anunciam
skates de mogno. E se “Admirável Mundo Novo”
já não for ficção?
A culpa cumpre um papel. É o que distingue o resto da população dos
psicopatas. Trata-se do sentimento que você tem quando é capaz de sentir
empatia. Mas a culpa inibe o consumo. Para sufocá-la, surgiu uma
indústria global que usa celebridades, personagens de desenhos animados e
música de elevador. Ela procura nos convencer a não ver e a não sentir.
Parece funcionar.
Os resultados da pesquisa Greendex 2012 (“Consumers Choice and the
Environment”, ou “As Opções dos Consumidores e o Meio-ambinte”) mostram
que nos países mais pobres as pessoas sentem-se, em geral, mais culpadas
com relação aos impactos causados na natureza do que as populações dos
países ricos. Os países onde as pessoas sentem menos culpa são Alemanha,
Estados Unidos, Austrália e Grã-Bretanha, nessa ordem – enquanto Índia,
China, México e Brasil são os países onde as pessoas estão mais
preocupadas. Nossa culpa, revela o estudo, acontece na proporção inversa
ao tamanho dos danos causados pelo consumo. Isso é o contrário do que
nos dizem milhares de editoriais da imprensa corporativa: que as pessoas
não podem dar-se ao luxo de cuidar da natureza até que se tornem ricas.
As evidências sugerem que deixamos de cuidar justamente quando nos
tornamos ricos.
“Consumidores em países como México, Brasil, China e Índia”, diz o
estudo, “tendem a ser mais preocupados com as questões das mudanças
climáticas, poluição do ar e da água, desaparecimento de espécies e
escassez de água doce … Por outro lado, a economia e os custos de
energia e combustível suscitam a maior preocupação entre os consumidores
norte-americanos, franceses e britânicos.” Quanto mais dinheiro se tem,
mais importante ele se torna. Meu palpite é que nos países mais pobres a
empatia não foi tão entorpecida por décadas de consumo irracional.
Assista ao mais recente anúncio da Toys R Us nos EUA. Um homem
vestido como guarda florestal arrebanha crianças em um ônibus verde em
que se lê “Encontre a Fundação Árvores”. “Hoje nós estamos levando as
crianças à viagem de campo que mais poderiam desejar”, diz o guarda
dirigindo-se a nós. “E eles nem sabem disso.”
No ônibus ele começa a ensiná-las, mal, sobre as folhas. As crianças
bocejam e se mexem nos bancos. De repente, ele anuncia: “Mas nós não
estamos indo à floresta hoje …” Ele tira a camisa de guarda florestal.
“Estamos indo para a Toys R Us, pessoal!” As crianças ficam alucinadas.
“Vamos brincar com todos os brinquedos, e vocês podem escolher o
brinquedo que quiserem!” As crianças correm, em câmera lenta, pelos
corredores da loja, e quase desmaiam enquanto acariciam os brinquedos.
A natureza é um tédio, já o plástico é emocionante. Crianças que
vivem no centro da cidade e que levei a um bosque, semanas atrás,
contariam uma história diferente; mas a mensagem, martelada com
suficiente frequência, acaba por tornar-se verdadeira.
O Natal permite que a indústria global de besteiras recrute os
valores com os quais muitos de nós gostaríamos que a data estivesse
associada – o amor, a vivacidade, uma comunidade espiritual –, com o
único objetivo de vender coisas de que ninguém necessita ou mesmo
deseja. Infelizmente, como todos os jornais, The Guardian participa
dessa orgia. A revista de sábado trazia o que parecia ser uma lista de
compras para os últimos dias do Império Romano. Há um relógio cuco
inteligente para os que têm familiares estúpidos o suficiente, uma
chaleira operada remotamente, um distribuidor de sabão líquido por 55
libras [R$ 210]; um skate de mogno (vergonhosamente, a origem da madeira
não é mencionada nem pelo Guardian, nem pelo varejista), um “pino
pappardelle de rolamento”, seja lá que diabo for isso, bugigangas de
chocolate a 25 libras [R$ 96], uma caixa de… barbante de jardim (!) por
16 libras [R$ 61].
Estaremos tão entediados, tão carentes de afeto, que precisamos
ganhar essas porcarias para acender uma última centelha de satisfação
hedonista? Terão as pessoas se tornado tão imunes ao sentimento de
irmandade a ponto de se prontificarem a gastar 46 libras [R$ 177] num
pacote de petiscos para cães ou 6,50 libras [R$ 20] em incríveis
biscoitos personalizados, em vez de dar o dinheiro a uma causa melhor?
Ou isso é o potlatch do mundo ocidental, no qual gastam-se quantias
ridículas em presentes ostensivamente inúteis, para melhorar nosso
status social? Se assim for, devemos ter esquecido que aqueles que se
deixam impressionar por dinheiro não merecem ser impressionados.
Para atender a essa forma peculiar de doença mental, devemos retalhar
a Terra, abrir grandes buracos na superfície do planeta, ocupar-se
fugazmente com os produtos da destruição e então despejar os materiais
em outros buracos. Relatório da Fundação Gaia revela um crescimento
explosivo no ritmo da mineração: a produção de cobalto aumentou 165% em
10 anos, a doo minério de ferro em 180% e, entre 2010 e 2011, houve um
aumento de 50% na exploração de metais não-ferrosos.
Os produtos dessa destruição estão em tudo: eletroeletrônicos,
plásticos, cerâmicas, tintas, corantes, a embalagem em que nossas
besteiras vão chegar. À medida que os depósitos mais ricos se esgotam,
cada vez mais terra deve ser rasgada para manter a produção. Mesmo os
materiais mais preciosos e destrutivos são sucateados quando um novo
nível de dopamina torna-se necessário: o governo do Reino Unido informa
que uma tonelada de ouro, embutido em equipamentos eletrônicos, é
depositada nos aterros a cada ano, neste país.
Em agosto, uma briga das mais instrutivas inflamou o Partido
Conservador. O ministro do Meio Ambiente, Lord de Mauley, pediu às
pessoas para consertar suas engenhocas em vez de atirá-las no lixo. Isso
era necessário, argumentou, para reduzir a quantidade de aterros,
seguindo as diretrizes da política europeia de resíduos. Para o The
Telegraph, “as propostas poderiam alarmar as empresas que lutam para
aumentar a demanda por seus produtos.” O parlamentar do Partido
Conservador Douglas Carswell bradou: “desde quando precisamos do governo
para nos dizer o que fazer com torradeiras quebradas?”…
Para ele, o programa de recuperação econômica do governo depende de
consumo incessante: se as pessoas começarem a consertar as coisas, o
esquema entra em colapso; skates de mogno e chaleiras wifi são respostas
necessárias a um mercado saturado; o deus de ferro do crescimento, ao
qual nos devemos curvar, demanda que gastemos o mundo dos vivos até o
esquecimento fim dos tempos.
“‘Mas roupas velhas são estupidez’, continuou o sussurro incansável.
‘Nós sempre jogamos fora as roupas velhas. Descartar é melhor que
consertar, descartar é melhor que consertar.’” O Admirável Mundo Novo
parece menos fantástico, a cada ano.
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* George Monbiot é jornalista é escritor, acadêmico e
ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The
Guardian./
Tradução: Inês Castilho.
Fonte: http://www.mercadoetico.com.br/03/12/2013
Olá caro Zguiotto!
ResponderExcluirFantásticas palavras nos presenteou George Monbiot - descartamos o que nos dá trabalho de cuidar, e isso pra muita gente, inclui os animais já velhos e doentes, e até mesmo os seres humanos..... O homem na sua loucura abre mão dos bens naturais, em prol dos bens adquiridos com seu dinheiro... como os Ipads ...Ipod ... Notesbooks etc.... Androids ....etc.... Não temos a chance de apreciar um céu estrelado... e até mesmo namorar ao vivo, caiu em desuso! Será que estamos nos tornando Cibernéticos por completo!?
Abçs...