Série do GNT e livro reúnem histórias do autor que vão da conquista à separação
PORTO ALEGRE - Até que, para quem está casado há 50 anos com a
primeira mulher que namorou pra valer — “A verdadeira Lúcia Verissimo”,
nas palavras do marido —, Luis Fernando Verissimo tem experiência com o
amor. Um tema recorrente em seus textos, que ele escreve há mais de 40
anos, afinal, são os casais se apaixonando, convivendo ou se desfazendo.
Agora, parte dessas histórias vai virar livro e série de TV. O GNT
lança, dia 8 de janeiro, às 22h30m, “Amor Verissimo”, dirigida por
Arthur Fontes, com 13 episódios inspirados em textos do autor que tratam
de relacionamentos. No dia 15 do mesmo mês, a editora Objetiva,
inspirada pela série, lança um livro homônimo, com 50 textos. São
histórias sobre sedução, traições, obsessões, sexo, taras, corações
partidos — e até os apelidinhos íntimos (e ridículos) dos casais.
Colunista
do GLOBO e vencedor do último Prêmio Jabuti (com “Diálogos
impossíveis”), Verissimo abriu sua casa, em Porto Alegre, anteontem,
para uma sessão dos primeiros episódios da série. E falou do novo livro e
de suas experiências com o amor. Quer dizer, falar não é bem o forte do
autor gaúcho. Dono de uma timidez já conhecida, suas frases são
marcadas por um falar manso e silêncios compridos. Dá até para fazer um
estudo matemático de sua timidez: a entrevista propriamente dita teve 50
perguntas, que Verissimo respondeu em 40 minutos — menos de um minuto
por resposta. Isso sem contar os silêncios.
Amores que não dão certo
Tudo
bem, a vida de Luis Fernando Verissimo é um livro entreaberto, mas de
onde vem toda essa experiência com o amor, depois de 50 anos casado?
—
Até chamaram a minha atenção para o fato de eu escrever muito sobre
casais se desfazendo. Não tem nada de autobiográfico — diz Verissimo, 77
anos, lembrando que hoje não circula muito por aí, mas que, jovem, teve
“bastante experiência” com o amor.
A primeira foi aos 7 anos. Ele
se apaixonou por uma garota da escola em que estudava, em Los Angeles,
onde a família morava. Para se aproximar da jovem paixão, o escritor
roubou uma pulseira de casa (“Nada de valor”). A história está contada
na crônica “A pulseira”, incluída no livro.
— Mas eu entreguei a
pulseira e saí correndo! Nunca nos falamos, ela não entendeu nada. Minha
vida no crime foi por amor — diz o autor, que sentiu medo de, na hora
da declaração, se confundir com o inglês e acabar dizendo “My love is
name and I Luis you.”
Coisa séria mesmo só com Lúcia Verissimo (a
verdadeira, vale lembrar), com quem começou num namoro de escritório,
outro tema clássico de suas histórias. Eles trabalhavam juntos e estavam
“ficando”. Um dia, o escritor venceu a timidez, comprou uma aliança e
deu um ultimato: ela tinha cinco minutos para decidir. Verissimo ainda
lembra o dia: 22 de novembro de 1963 — dia do assassinato de Kennedy.
Lúcia disse sim.
— Acho que eu disse algumas palavras. Algumas
frases, pelo menos, tenho certeza. Estávamos mais ou menos namorando.
Estamos juntos há 50 anos. Pelo visto o casamento vai dar certo — brinca
Verissimo.
A diferença entre os dois também é marcante. Ela é
falante, extrovertida; ele, o caladão de sempre.
Mas Verissimo se
defende, e diz que não fala muito porque Lúcia não deixa espaço.
— Estou há 50 anos esperando uma brecha para falar — ri.
Verissimo
se esquiva na hora de falar de sua vida amorosa antes de Lúcia. No
livro “Conversas sobre o tempo", uma entrevista que ele e Zuenir Ventura
deram a Arthur Dapieve, em 2010, ele menciona a história de uma húngara
que...
— Eu contei a história da húngara?! Não me lembrava. Ela era masoquista — diz o tímido, meio espantado consigo mesmo.
Pois
é, contou. Aos 23 anos, Verissimo foi com a família à Europa, pela
primeira vez, onde passaram quatro meses. Um dia, começou a conversar
com uma húngara em um café, rolou um clima e os dois foram para o
quarto. O caso não deu certo porque a húngara queria apanhar.
Também
há a história de quando Verissimo era um Odair José gaúcho. Ele se
esquiva da pergunta — e Lúcia, que está presente, prefere sair da sala
(“Eu não me meto nesse assunto”) —, mas confirma que costumava se
apaixonar por garotas de programa na juventude.
— Tinha um pouco
daquilo de “Quero tirar você dessa vida”. Mas também não fui muito disso
— afirma Verissimo, lembrando que, embora fosse romântico, não teve
nenhum grande amor naquela época.
O escritor gaúcho assistiu a
“Amor Verissimo” com um sorriso no rosto. Achou que o diretor, Arthur
Fontes, conseguiu explorar o humor de uma forma parecida com o Porta dos
Fundos, do qual é fã.
— Achei que o programa ficou um pouco na
linha do que eles fazem. Essa interpretação mais sutil, com aqueles
silêncios. Gosto dessa coisa de nem sempre buscar a gargalhada. Às vezes
um sorriso basta — defende Verissimo.
O diretor do programa
afirma que buscou textos do autor nos quais “coisas estranhas”
acontecem. Como “História de verão — Uma leve brisa”, em que um dos
personagens apresenta a nova namorada aos amigos, que ficam boquiabertos
com a beleza, simpatia e inteligência da mulher, interpretada por Luana
Piovani. Não bastasse isso, a tal ainda tem uma brisa “mágica” que
sopra nos seus cabelos. “Ela parece um show da Beyoncé”, define um dos
personagens.
— Adoro essas histórias com coisas inexplicadas.
Costumo chamar essa veia do Verissimo de surrealismo light. Também
prefiro dirigir as histórias com mais pausas e silêncios — diz Arthur
Fontes.
Sem apelidinhos
Na série “Amor
Verissimo”, a narrativa é entrecortada com depoimentos dos personagens e
de casais reais, interpretados por atores, como Fernanda Paes Leme,
Letícia Colin e Gabriela Duarte, em um sofá. As histórias de amor,
roteirizadas a partir de entrevistas, são uma homenagem ao diretor
Eduardo Coutinho e a seu “Jogo de cena” (2007).
No livro, a
galeria de personagens é ainda maior: Don Juan, a grávida que chora por
pena do detergente que não lava mais branco e o Corno Lírico, entre
outros. Os apelidinhos dos casais, como “bituquinha” ou “pituxo”, também
são uma das marcas dos textos do autor sobre a vida a dois. Mas qual
seria o apelido de Verissimo no casamento? Ele jura que não tem.
Trecho retirado da crônica “Sexo, sexo, sexo”, do livro “Amor Verissimo”, que a Objetiva lança no dia 15 de janeiro
“Rudi Mentar, analista de sistemas. ‘Língua na orelha. Decididamente, língua na orelha. O resto é para não iniciados.’
(...)
Flora
Medicinal, motorista. ‘Gostava muito mais do método antigo de
reprodução humana. Lembra como era? Tiravam uma costela do homem, por
cesariana, sem anestesia, e faziam outra pessoa. A mulher ficava só na
vida mansa, não era nem com ela. Depois mudou tudo e hoje é a mulher que
sofre para dar cria.’
(...)
Mara Zul, nutricionista e vidente: ‘Usar sexo só para reprodução é como só sair com o carro para levar na oficina’
(...)
Manuela
Bacal, bibliotecária. ‘Todo mundo conhece o sadismo, que é o sexo feito
à maneira do Marquês de Sade, e o masoquismo, que é o sexo como gostava
o Barão de Masoc, mas pouca gente sabe que existem outras taras sexuais
ligadas à literatura. Por exemplo: o Jorge Luís Borgismo, quando o
homem só chega ao orgasmo sendo açoitado por uma estudante de
linguística dentro de um labirinto. O Ernest Hemingwayismo, que é quando
o homem só se satisfaz transando com uma mulher e atirando num leão, ou
vice-versa, ao mesmo tempo.’”
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REPORTAGEM POR Maurício Meireles viajou a convite do GNTFONTE: Jornal o Globo online, 11/12/2013
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