Marcelo Gleiser*
Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que sucessos
Numa sociedade em que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo,
onde estrelas, milionários e campeões são os ídolos de todos, o fracasso
é visto como algo embaraçoso e constrangedor, que a gente evita a todo
custo e, quando não tem jeito, esconde dos outros. Talvez não devesse
ser assim.
Semana passada, li um ensaio sobre o fracasso no "New York Times" de
autoria de Costica Bradatan, que ensina religião comparada em uma
universidade nos EUA. Inspirado por Bradatan, resolvi apresentar minha
própria homenagem ao fracasso.
Fracassamos quando tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do
fracasso, representando nosso esforço. Não fracassar é bem pior, pois
representa a inércia ou, pior, o medo de tentar. Na ciência ou nas
artes, não fracassar significa não criar. Todo poeta, todo pintor, todo
cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que de sucessos.
São frases que não funcionam, traços que não convencem, hipóteses que
falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas passam
a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas.
Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do
fracasso.
Tem gente que acha que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem
tudo dá certo, meio que magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas
dores do processo criativo, pelos inevitáveis fracassos e becos sem
saída, até chegar a uma solução que funcione. Talvez seja por isso que o
autor Irving Stone tenha chamado seu romance sobre a vida de
Michelangelo de "A Agonia e o Êxtase". Ambos são partes do processo
criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso de alcançar um
objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.
O fracasso garante nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida.
Se tivéssemos sempre sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o
fracasso é essencial para a empatia, tão importante na convivência
social.
Gosto sempre de dizer que os melhores professores são os que tiveram que
trabalhar mais quando alunos. Esse esforço extra dimensiona a
dificuldade que as pessoas podem ter quando tentam aprender algo de
novo, fazendo do professor uma pessoa mais empática e, assim, mais
eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os vencedores, impacientes em
ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão fácil de entender
ou atingir.
Claro, sendo os humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes
obscurece a memória dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais
arrogantes, que escondem seus fracassos e dificuldades por trás de uma
máscara de sucesso. Se o fracasso fosse mais aceito socialmente,
existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.
Não poderia terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do nosso corpo ao encontrarmos a morte.
Desse fracasso ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem
numa espécie de permanência incorpórea após a morte. De minha parte,
sabendo desse fracasso inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável,
o que vem das várias tentativas de viver a vida o mais intensamente
possível. O fracasso tem gosto de vida.
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