Tudo
em nós tem que ser cuidado, caso contrário perdemos o equilíbrio das forças que
nos constroem e nos desumanizamos. Ao abordar o tema do cuidado do corpor
faz-se mister, antes de mais nada, opor-se conscientemente aos dualismos que a
cultura persiste em manter: por um lado o “corpo”, desvinculado do espírito e
por outro do “espírito” desmaterializado de seu corpo. E assim perdemos a
unidade da vida humana.
A
propaganda comercial explora esta dualidade, apresentando o corpo não como a
totalidade exterior do humano mas sua parcialização, seus músculos, suas mãos,
seus pés, seus olhos, enfim, suas partes. Principais vítimas desta retaliação
são as mulheres, pois o machismo secular se refugiou no mundo mediático do
marketing, expondo partes da mulher, seus seios, seus cabelos, sua
boca, seu sexo e outras partes, continuando a fazer da mulher um
“objeto de consumo” de homens machistas. Devemos nos opor firmemente a esta
deformação cultural.
Importa tambem rejeitar o “culto do corpo” promovido pelo
sem número de academias e outras formas de trabalho sobre a dimensão física
como se o homem-corpo fosse uma máquina destituída de espírito, buscando
performances musculares cada vez maiores. Com isso não queremos desmerecer os
exercícios dos vários tipos de ginástica a serviço da saúde e de uma integração
maior corpo-mente. Pensamos nas massagens que revigoram o corpo e fazem fluir
as energias vitais, particularmente, as ginásticas orientais como o yoga que
tanto favorece uma postura meditativa da vida. Ou no incentivo à uma
alimentação equilibrada e sadia, incluíndo também o jejum seja como ascese
voluntária seja como forma de equilibra as energias vitais.
O vestuário merece consideraçãoespecial. Ele não possui
apenas uma função utilitária ao nos proteger das intempéries. Ele pertence ao
cuidado do corpo, pois o vestuário representa uma linguagem, uma forma de
revelar-se no teatro da vida. É importante cuidar que o vestuário
seja expressão de um modo deser e mostre o perfil estético da pessoa.
Especialmente significativo é na mulher pois ela possui um relação mais íntima
com o próprio corpo e sua aparência.
Nada mais ridículo e demonstração de anemia de espírito que
as belezas construídas à base de botox e de plásticas desnecessárias. Sobre
este embelezamento artificioso está montada toda uma indústria de cosméticos e
práticas de emagrecimento em clínicas e SPAs que dificilmente servem a uma
dimensão mais integradora do corpo. Entretanto não há que se invalidar as
massagens e os cosméticos importantes para pele e para o justoenbelezamento das
pessoas.
Mas cabe reconher que há uma beleza própria de cada idade,
um charme que nasce da existência feita de luta e trabalho que deixaram marcas
na expressão “corporal” do ser humano. Não há photoshop que substitua a beleza
rude de um rosto de um trabalhador, talhado pela dureza da vida e com traços
faciais moldados pelo sofrimento. A luta de tantas mulheres trabalhadoras, nas
cidades, no campo e nas fábricas deixou em seus corpos um
outro tipo de beleza, não raro, com uma expressão de grande força e
energia. Falam da vida real e não da artificial e construída. As fotos
trabalhadas dos ícones da beleza convencional são quase todos moldados por
tipos de beleza da moda e mal disfarçam a artificialidade da figura e a vaidade
frívola que aí se revela.
Tais pessoas são vítimas de uma cultura que não cultiva o
cuidado próprio de cada fase da vida, com sua beleza e irradiação, mas também
com as marcas de uma vida vivida que deixou estampada no rosto e no corpo as
lutas, os sofrimentos, as superações. Tais marcas criam uma beleza singular e
uma irradiação específica, ao invés de engessar as pessoas num tipo de perfil
de um passado irrecuperável.
Positivamente, cuidamos do corpo regressando à
natureza e à Terra das quais há séculos nos havíamos exilado,
imbuídos de uma atitude de sinergia e de comunhão com todas as coisas. Isso
significa estabelecer uma relação de biofilia, de amor e de
sensibilizaçãopara com os animais, as flores, as plantas, os climas, as
paisagens e para com a Terra. Quando esta é mostrada a partir do espaço
exterior com essas belas imagens do globo terrestre transmitidas pelos grandes
telescópios ou pelas naves espaciais, irrompe em nós um sentido de reverência,
de respeito e de amor à nossa Grande Mãe de cujo útero todos viemos. Ela é
pequena, cosmologicamente já envelhecida, mas irradiante.
Talvez o desafio maior para o homem-corpo consiste em lograr
um equilíbrio entre a autoafirmação, sem cair na arrogância e no menosprezo dos
outros e entre a integração no todo maior, da família, da comunidade, do grupo
de trabalho e da sociedade, sem deixar-se massificar e cair no adesismo
acrítico. A busca deste equilíbrio não se resolve uma vez por todas, mas deve
ser assumido diuturnamente, pois, ele nos é cobrado a cada momento.
Há que se encontrar o balanço adequado entre as duas forças que nos podem
dilacerar ou integrar.
O cuidado em nossa inserção no estar-no-mundo envolve nossa
dieta: o que comemos e bebemos. Fazer do comer mais que um ato de nutrição, mas
um rito de celebração e de comunhão com os outros comensais e com os
frutos da generosidade da Terra. Saber escolher os produtos
orgânicos ou os menos quimicalizados. Daí resulta uma vida saudável que assume
o princípio da precaução contra eventuais enfermidades que podem advir do
ambiente degradado.
Destarte o homem-corpo deixa transparecer sua
harmonia interior e exterior, como membro da grande comunidade de vida.
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* Leonardo
Boff, teólogo e filósofo, é autor, também, de 'Proteger a Terra e
cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo' (Record, Rio de Janeiro,
2011).
Fonte: JB online, 09/12/2013
imagem da Internet
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