sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

É MELHOR SER UM VICIADO DO QUE DO QUE UMA BESTA QUADRADA

 Lucy Kellaway*
Qual é o pior presidente de conselho de administração que uma companhia pode ter? Aquele que está sempre coçando a cabeça por não saber responder nada ou aquele que está sempre com a cabeça em outro lugar?

Tenho pensado sobre a questão da "besta quadrada versus o cocainômano" desde que o ex-presidente do conselho de administração do Co-op Bank foi: a) filmado aparentemente entregando 300 libras em troca de cocaína e metanfetamina e b) disse a uma comissão do Tesouro britânico que o banco tinha 3 bilhões de libras em ativos, quando na verdade tinha 47 bilhões.

Não estou dizendo que Paul Flowers é um viciado em cocaína ou uma besta quadrada, uma vez que não o conheço o suficiente para fazer um julgamento. O que estou fazendo é uma pergunta mais ampla: se você fosse acionista de uma empresa qualquer, qual desses tipos em uma posição de poder deixaria você mais preocupado?

Você poderia dizer que viciados em cocaína e bestas quadradas andam de mãos dadas, pois é difícil dizer qual dessas condições leva à outra. Se você usa drogas, isso poderá deixar sua cabeça vazia. Por outro lado, se você já não tem nada na cabeça, isso poderá levar você à cocaína.

Mesmo assim, se você faz uma distinção entre os dois tipos, a resposta óbvia é que o viciado em cocaína é mais letal. Para começar, a cocaína é ilegal, e ter um presidente de conselho preso, como aconteceu com Flowers recentemente, nunca é bom para a reputação da empresa. Além disso, a cocaína pode deixar a pessoa mais irritadiça e imprevisível, afetar seus julgamentos, provocar psicose paranoica e outros danos à saúde.

Nada disso é desejável. Mas ainda é melhor do que ser comandado por uma besta quadrada. Qualquer pessoa que não conhece os aspectos básicos de uma atividade só pode provocar danos à empresa. É verdade que o nível de ignorância demonstrado por Flowers é difícil de ser alcançado. A estrutura do Co-op Bank é tão peculiar que torna uma virtude ter no conselho de administração pessoas que não sabem nada sobre a atividade bancária.

De qualquer modo, meu palpite é de que há muita ignorância na maioria dos conselhos, que pode não ser tão assustadora quanto no caso do Co-op, mas que não deixa de ser uma preocupação. Quando penso em alguns dos diretores com os quais me deparei, vejo que muitos têm grandes falhas de conhecimento.

Estas surgem porque seus mercados mudaram de uma maneira que eles não acompanharam, ou porque eles ficam pulando de um setor para outro - neste caso, depois de um tempo em um novo segmento passa a ser embaraçoso perguntar: alguém pode explicar como nós de fato ganhamos nosso dinheiro? Some a isso o fato de que as empresas são cada vez mais complicadas, o que torna cada vez mais difícil manter o ritmo de trabalho.

Se a ignorância é tão comum, como é que quase nunca ouvimos falar dela? Ocasionalmente, políticos deixam sua estupidez transparecer - Sarah Palin confundiu Irã com Iraque -, mas mesmo assim as pessoas que galgam a pirâmide corporativa são assustadoramente boas em esconder a sua.

Isso acontece por três motivos. Primeiro, elas delegam. Não sabe o tamanho de seus ativos? Não faz mal, seu diretor financeiro pode responder a essa pergunta. Segundo, elas se escoram no jargão e nas firulas linguísticas. "Esta é uma questão que no momento está além do meu conhecimento, mas vou reverter isso e me informar a respeito" soa melhor do que "não tenho a menor ideia".

Terceiro, quando você é realmente mais experiente e graduado, ninguém o contesta. Se um jornalista irritante faz uma pergunta complicada, é muito simples: você responde com outra pergunta.

Na verdade, os diretores somente se veem em situações difíceis quando são colocados diante de uma autoridade reguladora ou uma comissão especial, onde a arrogância não funciona. Mas, mesmo em uma situação dessas, eles têm tempo para se preparar.

O que precisamos é de um novo sistema de testes rígidos e aleatórios de conhecimentos para todos os diretores, assim como os testes de doping para os esportistas. Os diretores seriam interpelados sem sobreaviso e forçados a responder perguntas básicas sobre suas companhias, seus desempenhos, riscos e os mercados em geral. Isso acabaria com as bestas quadradas mais letais e deixaria todos os demais diretores mais atentos.

Assim como Andy Murray recentemente quase não conseguiu chegar ao Palácio de Buckingham a tempo para receber sua Ordem do Império Britânico, porque apareceram autoridades em sua casa exigindo uma amostra de urina para um teste para a detecção de drogas, o mesmo deveria valer para os diretores de empresas. Nada de desculpas. Nada de transferir as dúvidas para os outros. Nada de abobrinhas. Se você não sabe a resposta, você está fora.
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*Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
FONTE: Valor Econômico online, 06/12/2013
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