segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

MEU CELULAR, MINHA VIDA

Frei Betto*
 "O fascínio do celular consiste em amenizar minha solidão 
sem exigir solidarizar-me."
Há uma nova doença nos anais da medicina: a nomofobia, o medo de ficar sem celular. O termo foi cunhado no Reino Unido, e deriva de “no mobile phobia”. O fato é óbvio: para qualquer lugar que se olhe, as pessoas estão atentas ao celular – rua, restaurante, local de trabalho, ônibus, metrô, escola, e até igreja.

Não sem razão, a revista Forbes considerou o mexicano Carlos Slim, em 2013, pela quarta vez consecutiva, o homem mais rico do mundo, com uma fortuna calculada em 73 bilhões de dólares. Com negócios na área de comunicação em vários países, no Brasil ele controla a Globopar (Net), a Claro e a Embratel.

O Brasil é o 60º país do mundo mais conectado por celular, e o 4º a dar mais lucros às empresas de telefonia. O brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua renda mensal com o uso do telefone móvel. Em julho deste ano, nosso país dispunha de 267 milhões de aparelhos.

Essa fissura de manter o celular ligado o tempo todo –e manter-se ligado ao celular todo o tempo (até na hora de dormir)– se explica pela hipnose coletiva gerada pelas redes sociais.

Uma das anomalias de nossa época pós-moderna é o esgarçamento das relações pessoais e comunitárias. A família tradicional, que se reunia à mesa de refeições ou na sala para conversar, é hoje um bem escasso. As relações matrimoniais mal resistem à primeira crise. Segundo o IBGE, as uniões conjugais duram, em média, cerca de sete anos!

Na opinião de Aristóteles, amizades são imprescindíveis à nossa felicidade. No entanto, nesse mundo competitivo, muitas andam contaminadas por inveja, ciúme, cobranças, ou prejudicadas pela falta de tempo.

Resta então, nesse mar revolto no qual naufragam antigos e saudáveis costumes, a ilha salvadora do celular! O aparelho corresponde muito bem às contradições da pós-modernidade: por ele me comunico, sem conversar; opino, sem me comprometer; me expresso, sem me envolver; troco mensagens e torpedos, sem me doar a ninguém e a nenhuma causa.

O fascínio do celular consiste em amenizar minha solidão sem exigir solidarizar-me. Estou na rede, interajo com inúmeras pessoas e, no entanto, fico na minha, olhando o meu umbigo, indiferente ao fato de algumas dessas pessoas estarem sofrendo ou, pelo menos, necessitando de minha presença física consoladora ou incentivadora.

 "No celular eu me enxergo como gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de que ele dissimula minha verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo 
que eu me esconda atrás dele."

O celular faz de mim, Clark Kent, um Super-Homem. Eu, a quem quase ninguém presta atenção, agora gozo de um público multimídia ligado no que expresso. Em contrapartida, o celular me rouba tempo: de leituras, de trabalho, de convivência familiar e com amigos. Com ele ligado no bolso ou ao meu lado, fica cada vez mais difícil a concentração.

O celular é um espelho mágico. Repare como as pessoas o fitam. É como se vissem na tela. Por ser um equipamento eletrônico dotado de múltiplos recursos, ele me traz a sensação de que sou um Pequeno Príncipe capaz de visitar sucessivamente diferentes planetas.

No celular eu me enxergo como gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de que ele dissimula minha verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo que eu me esconda atrás dele. Ele faz de mim um ser onipresente. O que transmito é captado por uma rede infinita de pessoas que, por sua vez, podem reproduzir a inúmeras outras.

Hoje em dia os consultórios médicos já lidam com crianças, jovens e adultos que padecem de nomofobia. Gente que não consegue se desconectar do aparelho. Vive as 24h do dia ligada a ele.

Ah, como é saudável estar bem consigo mesmo e manter o celular desligado por um bom tempo, sobretudo à noite! Mas isso exige o que parece cada vez mais raro nos dias atuais: boa autoestima, falta de ansiedade, consistência subjetiva, gosto pelo silêncio e uma vida ancorada em um sentido altruísta.
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* Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Fonte:  http://www.mercadoetico.com.br/09/12/2013

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