Marcus Faustini*
Somos seres culturais, nossa potência e fragilidade. Esse dezembro sabe disso e faz de tudo para capturar nossa potência, eis a nossa fragilidade
Todo tipo de estratégia é usado para a captura de nossa atenção para o mundo das mercadorias. Fazendo delas espelhos de nossos desejos. Reduzindo nossas possibilidades de ação ao consumo. De um lado, esse mundo das mercadorias se apresenta como promessa de afeto, de “ma vie en rose”, onde a vida no mundo das mercadorias seria um supermercado sensual, amoroso, nos envolvendo em escolhas de consumo em que precisamos nos preocupar apenas com a superfície e as aparências de produtos. Todo processo de decisões que faz chegar esse produto até nós é escondido. De outro lado, a convocação para o consumo assume ar de guerra, mimetizando toda a programação de lutas e campeonatos — até o dono de uma loja de artigos domésticos e eletrônicos se torna um “cabra macho” que luta pelo melhor preço para você, e sua tarefa é não deixar de fazer parte desse time. E, saiba, nenhuma classe fica de fora, o mundo sedutor das imagens da mercadoria também oferece um universo particular, especial, apenas seu, como forma de se distinguir de outros. Um lugar único, de prazeres únicos. Finalmente, para todos, temos o refrigerante que oferece paz, amor, carinho, desde que exista sua presença na mesa da ceia. Ah, os comerciais de carro são os mais agressivos, tentando ser tudo, menos carro. Tem carro que vira bicho!
Não estamos propondo aqui ignorar este mundo, uma abstinência moral ou militante que depois nos devolve numa ressaca, com entrega total, ao longo dos outros meses, a essa convocação. Sabemos que nada mais está fora do sistema em que vivemos. Que ele é rápido em capturar invenções e formas de vida alternativas. Entretanto, pequenos e permanentes foras são necessários, mesmo dentro, para mantermos a bússola do humano. Por isso, aproveito este espaço para uma convocação afetiva de um papel mais ativo dos sujeitos para um outro dezembro. Quatro pequenos pontos parecem importantes para resistirmos:
1- Manter o espírito de permanência do ano, pensar na vida, nos amores, na cidade, na política. Não dar pausas a essas questões.
2- Celebrar em comunidade. Permitir-se uma celebração comunitária, mas não apenas com os seus, aqueles que são parecidos com você. A comunidade é também a possibilidade de descontrole. Faça como a casa do saudoso Luiz Paulo Horta, aberta para todos num pastoril.
3- Seu ano não precisa estar nesta lógica de final de ciclo. Dezembro pode ser o meio do caminho. Avante!
4- Tornar dezembro lento. Sentar no banco da praça e escutar a cidade. Caminhar devagar, mudar o caminho.
Dezembro é uma fábula. Por um outro dezembro, aquele que é um mar de possibilidades inventado pelos afetos e projetos de vida.
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