Reinaldo José Lopes*
A Anunciação, em pintura de Rubens. Crédito: Reprodução
Em plena contagem regressiva para o Natal, os próximos posts do
blog vão explorar um pouco do que se sabe, do ponto de vista histórico e
de estudo textual do Novo Testamento, sobre as narrativas que deram
origem a uma das festas religiosas mais importantes do planeta.
Em quase todas as religiões cristãs, a liturgia de Natal está cheia
de momentos tocantes e inspiradores, da estrela de Belém aos “Reis
Magos” (que na verdade não eram reis; taí uma discussão interessante…),
dos pastores ao anjo Gabriel. O que pouca gente percebe de forma
consciente, no entanto, é que o quadro tradicional do Natal foi
construído com base em duas narrativas bem diferentes, com perspectivas
bastante distintas, uma do Evangelho de Mateus, a outra do Evangelho de
Lucas.
Vale a pena dar uma relida nesses textos, nos primeiros capítulos dos
dois evangelistas, antes da festa natalina. Mas, em resumo, podemos
dizer que:
1)Em Mateus, a perspectiva é basicamente a de José, pai adotivo do
menino Jesus segundo a tradição cristã. É no Evangelho de Mateus (e só no
Evangelho de Mateus) que temos a história de que José pensou em
abandonar Maria quando soube que ela estava grávida, que temos o
aparecimento dos Magos e da estrela que os guia, que Herodes manda matar
as crianças de Belém forçando a fuga da Sagrada Família para o Egito
etc.
2)Em Lucas, por outro lado, a perspectiva é a de Maria, com momentos
célebres como a Anunciação (quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que
ela ficará grávida), a história da gestação milagrosa de João Batista,
considerado parente de Jesus por Lucas, os anjos e os pastores presentes
na gruta de Belém e, aliás, toda a história da viagem de Nazaré a Belém
por causa do recenseamento romano (Mateus não menciona esse fato).
Em diversos pontos, as narrativas parecem até se contradizer (Mateus,
por exemplo, dá a entender que José e Maria moravam em Belém mesmo; as
genealogias de Jesus são muito diferentes, como veremos etc.). Muito
mais do que simplesmente apontar essas contradições, no entanto, meu
objetivo nos próximos posts é mostrar como os antigos autores cristãos
usaram suas narrativas, dentro de sua mentalidade e do contexto do
século 1º d.C., de modo que o nascimento de Jesus fosse retratado como
um microcosmo de sua vida e sua missão. Até a próxima postagem!
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* Reinaldo José Lopes é jornalista de ciência e autor do livro Além de Darwin
Fonte: Folha online, 21/12/2013
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