Papa Francisco escreve novo dicionário
da Fraternidade
A primeira mensagem do papa Francisco para o
próximo Dia Mundial da Paz, que se assinala a 1 de janeiro de 2014,
amplia o significado da palavra “fraternidade”, alargando-a à
espiritualidade, justiça e intervenção social.
A fundamentação do documento assenta
principalmente em dois trechos bíblicos: a narrativa do homicídio de
Abel, por parte de Caim, extraída do primeiro livro da Bíblia, o
Génesis, e as palavras de Cristo, para quem a existência de um só Pai,
que é Deus, implica que todos os seres humanos sejam irmãos (cf. Mateus
23, 8-9).
Francisco também constrói o seu raciocínio a
partir das encíclicas “Populorum progressio”, de Paulo VI, e
“Sollicitudo rei socialis”, de João Paulo II: «Da primeira,
apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da
paz e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade».
A partir do texto, intitulado “Fraternidade,
fundamento e caminho para a paz”, que pode ser lido integralmente em
baixo, escolhemos 26 palavras a que atribuímos excertos do documento.
Ambição
«As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10).» (8)
«As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10).» (8)
Amor
«“Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.» (10)
«“Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.» (10)
Armas
«Enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a atual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.» (7)
«Enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a atual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.» (7)
Crime
«[As] muitas formas de corrupção» e as «organizações [criminosas] ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.
«[As] muitas formas de corrupção» e as «organizações [criminosas] ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.
Penso no drama dilacerante da droga com a qual
se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos
naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho
(…); penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes,
sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso na
abominação do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra
menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes
do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem
se especula indignamente na ilegalidade.» (8)
Cristo
«Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.» (3)
«Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.» (3)
Cruz
«A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projeto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.» (3)
«A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projeto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.» (3)
Desigualdade
«Se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projeto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa. Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento.» (5)
«É necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano.» (9)
«Se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projeto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa. Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento.» (5)
«É necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano.» (9)
Deus
«O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a atividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objeto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.» (10)
«O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a atividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objeto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.» (10)
Economia
«As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise atual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual.» (6)
«As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise atual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual.» (6)
Especulação
«Penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume carateres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres.» (8)
«Penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume carateres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres.» (8)
Ética
«As próprias éticas contemporâneas mostram-se incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir. Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. (1)
«As próprias éticas contemporâneas mostram-se incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir. Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. (1)
Família
«Convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.» (1)
«Convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.» (1)
Fome
«A persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades atuais devem refletir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome.» (9)
«A persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades atuais devem refletir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome.» (9)
Igreja
«A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais ações desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.» (8)
«A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais ações desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.» (8)
Indiferença
«Nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.» (1)
«Nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.» (1)
Irmãos
«No coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar. (…) A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura.» (1)
«No coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar. (…) A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura.» (1)
Guerra
«Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.» (1)
«Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.» (1)
Natureza
«A natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.» (9)
«A natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.» (9)
Paternidade
«A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha ativa.» (3)
«A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha ativa.» (3)
Política
«Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.» (8)
«Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.» (8)
Prisões
«Penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate.» (8)
«Penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate.» (8)
Reconciliação
«Desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor!» (7)
«Desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor!» (7)
Relação
«Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.» (5)
«Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.» (5)
Serviço
«Cada atividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.» (10)
«Cada atividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.» (10)
Sobriedade
«Há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão.» (5)
«Há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão.» (5)
Solidariedade
«As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade.» (1)
«As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade.» (1)
Mensagem para o 47.º Dia Mundial da Paz (1.1.2014)
«Fraternidade, fundamento e caminho para a paz»
Papa Francisco
1. Nesta minha primeira Mensagem para o Dia
Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e povos, votos duma
vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração de cada
homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma
aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os
outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos
que devemos acolher e abraçar.
Na realidade, a fraternidade é uma dimensão
essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva
desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma
verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se
impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e
duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a
aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções
responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai
e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso
mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por
vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.
O número sempre crescente de ligações e
comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a
consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da
terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da
diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a
vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem
mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é
muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado
pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao
sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.
Em muitas partes do mundo, parece não conhecer
tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos
direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso
mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja
vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de
confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos
cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios
igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.
A globalização, como afirmou Bento XVI,
torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos.[1] As inúmeras situações
de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda
carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de
solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado
individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os
laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que
induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são
considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre
mais a um mero do ut des pragmático e egoísta.
Ao mesmo tempo, resulta claramente que as
próprias éticas contemporâneas se mostram incapazes de produzir
autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da
referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue
subsistir.[2] Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige
uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta
paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja,
aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.
«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)
2. Para compreender melhor esta vocação do homem à
fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos
que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a
superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento
do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada
Escritura.
Segundo a narração das origens, todos os homens
provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua
imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel.
Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a
evolução das relações entre as pessoas e os povos.
Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos,
embora na diversidade da sua atividade e cultura, da sua maneira de se
relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por
Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A
sua história (cf. Gn 4, 1-16) põe em evidência o difícil
dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando
uns dos outros. Caim, não aceitando a predileção de Deus por Abel, que
Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para
Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a
sua oferta» (Gn , 4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma,
recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver
diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e
proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o
teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua ação, responde: «Não sei
dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16).
É preciso interrogar-se sobre os motivos
profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e,
simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao
seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua
contiguidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta» (Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o irmão» (Gn 4,
8), desprezando o projeto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação
original para ser filho de Deus e viver a fraternidade.
A narração de Caim e Abel ensina que a humanidade
traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a
possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o
egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na
realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs
que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a
reciprocidade, a comunhão e a doação.
«E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)
3. Surge espontaneamente a pergunta: poderão um
dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao
anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão,
meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio,
aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?
Parafraseando as palavras do Senhor Jesus,
poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há um só
Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A
raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata
de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas
do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por
cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por
conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade,
porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável
agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os
seres humanos à solidariedade e à partilha ativa.
Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da
fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar.
Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o
Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projeto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.
Jesus retoma o projeto inicial do Pai,
reconhecendo-Lhe a primazia sobre todas as coisas. Mas Cristo, com o
seu abandono até à morte por amor do Pai, torna-Se princípio novo e definitivo de todos nós, chamados a reconhecer-nos n’Ele como irmãos, porque filhos do
mesmo Pai. Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação
do homem com Deus e dos irmãos entre si. Na morte de Jesus na cruz,
ficou superada também a separação entre os povos, entre o povo
da Aliança e o povo dos Gentios, privado de esperança porque
permanecera até então alheio aos pactos da Promessa. Como se lê na
Carta aos Efésios, Jesus Cristo é Aquele que reconcilia em Si todos os
homens. Ele é a paz, porque, dos dois povos, fez um só,
derrubando o muro de separação que os dividia, ou seja, a inimizade.
Criou em Si mesmo um só povo, um só homem novo, uma só humanidade nova
(cf. 2,14-16).
Quem aceita a vida de Cristo e vive n’Ele,
reconhece Deus como Pai e a Ele Se entrega totalmente, amando-O acima
de todas as coisas. O homem reconciliado vê, em Deus, o Pai de todos e,
consequentemente, é solicitado a viver uma fraternidade aberta a
todos. Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de
Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um
antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos
dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho,
não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável
dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue
de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a
razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos
irmãos.
A fraternidade, fundamento e caminho para a paz
4. Suposto isto, é fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para
a paz. As Encíclicas sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda
valiosa neste sentido. Basta ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz [3] e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade.[4]
Paulo VI afirma que tanto as pessoas como as
nações se devem encontrar num espírito de fraternidade. E explica:
«Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos
(...) trabalhar juntos para construir o futuro comum da
humanidade».[5] Este dever recai primariamente sobre os mais
favorecidos. As suas obrigações radicam-se na fraternidade humana e
sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspeto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais corretos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal,
que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo
onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso
de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.[6]
Ora, da mesma forma que se considera a paz como opus solidarietatis, é impossível não pensar que o seu fundamento principal seja a fraternidade. A paz, afirma João Paulo II,
é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na
realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor
qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se
estiver viva, em todos, «a determinação firme e perseverante de se
empenhar pelo bem comum».[7] Isto implica não deixar-se guiar pela
«avidez do lucro» e pela «sede do poder». É preciso estar pronto a
«“perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar, e a
“servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio (...). O “outro” –
pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento
qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e
a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim
como um nosso “semelhante”, um “auxílio”».[8]
A solidariedade cristã pressupõe que o
próximo seja amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a
sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo»,[9] como um irmão.
«Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de
todos os homens em Cristo, “filhos no Filho”, e da presença e da ação
vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar»,[10] para o transformar.
A fraternidade, premissa para vencer a pobreza
5. Na Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa importante da pobreza é a falta defraternidade entre os povos e entre os homens.[11] Em muitas sociedades, sentimos uma
profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações
familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de
diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta
Além disso, se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa,
isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa
região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste
sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade,
garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos
fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos
educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha
oportunidade de exprimir e realizar o seu projeto de vida e possa
desenvolver-se plenamente como pessoa.
Reconhece-se haver necessidade também de
políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de
rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a
chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito – como
diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário que «o homem tenha a
propriedade dos bens»,[12] quanto ao uso, porém, «não deve considerar as
coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas
também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas
também aos outros».[13]
Por último, há uma forma de promover a
fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de
todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida
sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue
assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é
fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o
caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas
também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam
firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais
precioso.
A redescoberta da fraternidade na economia
6. As graves crises financeiras e económicas dos
nossos dias – que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem
de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, por um
lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias,
por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade
e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma
economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo IIalertava
para a existência de «um real e percetível perigo de que, enquanto
progride enormemente o domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele
perca os fios essenciais deste seu domínio e, de diversas maneiras,
submeta a elas a sua humanidade, e ele próprio se torne objeto de
multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não diretamente
percetível; manipulação através de toda a organização da vida
comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos
meios de comunicação social».[14]
As sucessivas crises económicas devem levar a
repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a
mudar os estilos de vida. A crise atual, com pesadas consequências na
vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar
as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem
ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços
fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o
homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do
próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias
sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade
humana.
A fraternidade extingue a guerra
7. Ao longo do ano que termina, muitos irmãos e
irmãs nossos continuaram a viver a experiência dilacerante da guerra,
que constitui uma grave e profunda ferida infligida à fraternidade.
Há muitos conflitos que se consumam na
indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas
impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade pessoal e a
de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo
também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração
pela paz, do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos
deslocados e a quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a
sua voz para fazer chegar aos responsáveis o grito de dor desta
humanidade atribulada e fazer cessar, juntamente com as hostilidades,
todo o abuso e violação dos direitos fundamentais do homem.[15]
Por este motivo, desejo dirigir um forte apelo a
quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje
considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e
detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do
outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a
justiça, a confiança e esperança ao vosso redor! «Nesta ótica, torna-se
claro que, na vida dos povos, os conflitos armados constituem sempre a
deliberada negação de qualquer concórdia internacional possível,
originando divisões profundas e dilacerantes feridas que necessitam de
muitos anos para se curarem. As guerras constituem a rejeição prática
de se comprometer para alcançar aquelas grandes metas económicas e
sociais que a comunidade internacional estabeleceu».[16]
Mas, enquanto houver em circulação uma quantidade
tão grande como a atual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar
novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o
apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das
armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento
nuclear e químico.
Não podemos, porém, deixar de constatar que os
acordos internacionais e as leis nacionais, embora sendo necessários e
altamente desejáveis, por si sós não bastam para preservar a humanidade
do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que
permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o
qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para
todos. Este é o espírito que anima muitas das iniciativas da sociedade
civil, incluindo as organizações religiosas, a favor da paz. Espero que
o compromisso diário de todos continue a dar fruto e que se possa
chegar também à efetiva aplicação, no direito internacional, do direito
à paz como direito humano fundamental, pressuposto necessário para o
exercício de todos os outros direitos.
A corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade
8. O horizonte da fraternidade apela ao
crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As justas ambições
duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas;
não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição,
porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é
necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10). Mesmo nas
disputas, que constituem um aspeto inevitável da vida, é preciso
recordar-se sempre de que somos irmãos; por isso, é necessário educar e
educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um
adversário a eliminar.
A fraternidade gera paz social, porque cria um
equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e
solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Uma comunidade
política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para
favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos
poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas
vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses
partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima
perene de conflito.
Um autêntico espírito de fraternidade vence o
egoísmo individual, que contrasta a possibilidade das pessoas viverem
em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se,
socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de
maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde
os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global – que,
minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a
dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus,
prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade
ainda maior se têm conotações religiosas.
Penso no drama dilacerante da droga com a qual se
lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos
naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho;
penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação
financeira que, muitas vezes, assume carateres predadores e nocivos
para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza
milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente
ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o
futuro; penso na abominação do tráfico de seres humanos, nos crimes e
abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em
muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos
emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. A este
respeito escreveu João XXIII:
«Uma convivência baseada unicamente em relações de força nada tem de
humano: nela veem as pessoas coartada a própria liberdade, quando, pelo
contrário, deveriam ser postas em condição tal que se sentissem
estimuladas a procurar o próprio desenvolvimento e
aperfeiçoamento».[17] Mas o homem pode converter-se, e não se deve
jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. Gostaria que isto
fosse uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que
cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas
que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).
No contexto alargado da sociabilidade humana,
considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de
muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba
reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e
sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate. A Igreja faz
muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e
encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais ações
desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez
mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.
A fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza
9. A família humana recebeu, do Criador, um dom
em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo
positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar
benefício, contanto que se atue responsavelmente, isto é, reconhecendo
aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria,
os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e
a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema.
Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a
administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos
guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular,
desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a
consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao
serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.
De modo particular o setor produtivo primário, o setor agrícola,
tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para
alimentar a humanidade. A propósito, a persistente vergonha da fome no
mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra?
As sociedades atuais devem refletir sobre a hierarquia das prioridades
no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem
de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome.
As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao
aumento da produção. É mais que sabido que a produção atual é
suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome,
o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, é necessário
encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra,
não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e
os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por
uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano.
Neste sentido, gostaria de lembrar a todos o necessário destino universal dos bens,
que é um dos princípios fulcrais da doutrina social da Igreja. O
respeito deste princípio é a condição essencial para permitir um acesso
real e equitativo aos bens essenciais e primários de que todo o homem
precisa e tem direito.
Conclusão
10. Há necessidade que a fraternidade seja
descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o
amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a
fraternidade.
O necessário realismo da política e da economia
não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão
transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a
atividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a
objeto passível de exploração. Somente se a política e a economia
aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele
que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base
num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento
eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.
Nós, cristãos, acreditamos que, na Igreja, somos
membros uns dos outros e todos mutuamente necessários, porque a cada um
de nós foi dada uma graça, segundo a medida do dom de Cristo, para
utilidade comum (cf. Ef 4, 7.25; 1 Cor 12, 7). Cristo
veio ao mundo para nos trazer a graça divina, isto é, a possibilidade
de participar na sua vida. Isto implica tecer um relacionamento
fraterno, caracterizado pela reciprocidade, o perdão, o dom total de si
mesmo, segundo a grandeza e a profundidade do amor de Deus, oferecido à
humanidade por Aquele que, crucificado e ressuscitado, atrai todos a
Si: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos
ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos
conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,
34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um
exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do
outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela
estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se
gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.
Cristo abraça todo o ser humano e deseja que
ninguém se perca. «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o
mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17).
Fá-lo sem oprimir, sem forçar ninguém a abrir-Lhe as portas do coração e
da mente. «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que
mandar, como aquele que serve – diz Jesus Cristo –. Eu estou no meio de
vós como aquele que serve» (Lc 22, 26-27). Deste modo, cada
atividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas,
incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da
fraternidade que edifica a paz.
Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a
compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração
do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que vive nesta nossa
amada terra.
Vaticano, 8 de dezembro de 2013.
Franciscus
[1] Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.
[2] Cf. FRANCISCO, Carta enc. Lumen fidei (29 de junho de 2013), 54: AAS 105 (2013), 591-592.
[3] Cf. PAULO VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 87: AAS 59 (1967), 299.
[4] Cf. JOÃO PAULO II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 39: AAS 80 (1988), 566-568.
[5] Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 43: AAS 59 (1967), 278-279.
[6] Cf. ibid., 44: o. c., 279.
[7] Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 38: AAS 80 (1988), 566.
[8] Ibid., 38-39: o. c., 566-567.
[9] Ibid., 40: o. c., 569.
[10] Ibid., 40: o. c., 569.
[11] Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.
[12] Summa theologiae, II-II, q. 66, a. 2.
[13] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 69; cf. Leão XIII, Carta enc. Rerum novarum (15 de maio de 1891), 19: ASS 23 (1890-1891), 651; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 573-574; Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 178.
[14] Carta enc. Redemptor hominis (4 de março de 1979), 16: AAS 61 (1979), 290.
[15] Cf. Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 159.
[16] FRANCISCO, Carta ao Presidente Vladimir Putin (4 de setembro de 2013): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 8/IX/2013), 5.
[17] Carta enc. Pacem in terris (11 de abril de 1963), 17: AAS 55 (1963), 265.
[2] Cf. FRANCISCO, Carta enc. Lumen fidei (29 de junho de 2013), 54: AAS 105 (2013), 591-592.
[3] Cf. PAULO VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 87: AAS 59 (1967), 299.
[4] Cf. JOÃO PAULO II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 39: AAS 80 (1988), 566-568.
[5] Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 43: AAS 59 (1967), 278-279.
[6] Cf. ibid., 44: o. c., 279.
[7] Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 38: AAS 80 (1988), 566.
[8] Ibid., 38-39: o. c., 566-567.
[9] Ibid., 40: o. c., 569.
[10] Ibid., 40: o. c., 569.
[11] Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.
[12] Summa theologiae, II-II, q. 66, a. 2.
[13] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 69; cf. Leão XIII, Carta enc. Rerum novarum (15 de maio de 1891), 19: ASS 23 (1890-1891), 651; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 573-574; Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 178.
[14] Carta enc. Redemptor hominis (4 de março de 1979), 16: AAS 61 (1979), 290.
[15] Cf. Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 159.
[16] FRANCISCO, Carta ao Presidente Vladimir Putin (4 de setembro de 2013): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 8/IX/2013), 5.
[17] Carta enc. Pacem in terris (11 de abril de 1963), 17: AAS 55 (1963), 265.
FONTE: © SNPC |
12.12.13
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