Paulo Ghiraldelli*
Somos
capazes de admitir tudo que há de mal em nós, menos a inveja e o
ressentimento. Não negamos nunca que a inveja sobre nós exista, mas não a
confessamos em nós jamais. Guardamos a muito mais que sete chaves nosso
parentesco
com Caim, mesmo admitindo sermos parentes de Abel.
Não à toa, ao erigirmos teorias sobre a
cidade, nem sempre reservamos um lugar especial para considerar a inveja
e o ressentimento. Marx a admitiu corajosamente. Ele falou em
“comunismo de inveja” como um elemento psicossocial presente entre
aqueles que poderiam querer antes expropriar burgueses individuais que
efetivamente transformar a sociedade em algo melhor. Mas, sabe-se bem, o
grande teórico do ressentimento foi Nietzsche, e com ele também a
inveja entrou oficialmente para o interior do campo temático da
filosofia social.
Os americanos trouxeram esse tema, nietzschiano par excellence,
para o campo da filosofia política de uma maneira consistente e
central. Justamente eles, sempre acusados de psicologismo, o trataram
mais objetivamente, incluindo o par inveja-ressentimento como um
problema a ser equacionado, quiçá resolvido, pela filosofia política
liberal.
O liberalismo igualitário de John Rawls e
o libertarismo de Robert Nozick brotaram entre os anos sessenta e
início da década de oitenta como as duas grandes construções teóricas
americanas, certamente mundiais, que trataram diretamente do par
inveja-ressentimento. A Europa nunca deixou de lado esse assunto, mas
chegou atrasada na assunção aberta de que a filosofia, centralmente,
teria a ver com isso, e que não se deveria empurrar uma tal coisa para o
interior de clínicas psicológicas ou devolvê-la para o confessionário
ou, então, mantê-la no campo dos contos folclóricos, sempre muito
restrita aos poderes de alguma potência mítica capaz de agarrar e
dominar o vilão da história.
Mais recentemente os pensadores europeus
tem conseguido colocar o assunto no campo da filosofia política. Dois
pensadores midiáticos têm falado do tema. O filósofo alemão Peter
Sloterdijk tem enfrentado o assunto de modo altamente criativo. Isso
acabou forçando o filósofo esloveno Slavoj Zizek a retrucar, reeditando
em moldes europeus, bem curiosos, o que foi feito na terminologia
americana mais cedo.
Sloterdijk tem o seu livro Tempo e ira,
publicado no Brasil, em que ele trata profundamente o ressentimento.
Todavia, esse tema foi objeto de seus artigos recentes, escritos sob a
ótica mais cotidiana e jornalística, e que foram reunidos no ano
passado, 2012, em uma publicação francesa, Repenser l’impôt (Paris: Libella). Por sua vez, Zizek refere-se exatamente a esses artigos em um seu livro de 2012, O ano em que sonhamos perigosamente, também já publicado entre nós (São Paulo: Boitempo). Essas duas publicações dão um bom contorno ao tema.
Resumindo ao máximo, os argumentos são o seguinte.
Sloterdijk diz que a coisa toda do
pensamento social começou de um modo senão equivocado, ao menos viciado,
quando o filósofo genebrino Jean Jacques Rousseau iniciou a sua
filosofia política a partir da célebre passagem em que o homem cerca um
pedaço de terra e diz “isso é meu”. Essa tradição de abordagem
desembocou em Marx, tendo passado por Kant e Hegel. Nessa linha, o homem
proprietário e, de certo modo, mais rico, nunca mais foi visto senão
como alguém que cometeu algo próximo de um roubo, e que então deveria
ser tratado pelo estado como tendo contraído uma dívida para com todos
os outros, dívida esta paga à sociedade por meio de uma quantia de
dinheiro com um nome semanticamente revelador: imposto.
Sloterdijk
acredita que uma sociedade assentada nessas bases estatais impositivas
são fruto de uma ordem psicossocial gerada no desequilíbrio entre o que a
filosofia de Platão tratou como eros e thymos. A força
desejante nos homens, a carência, é fruto de eros, e impulsiona todos
nós para as tarefas de arrecadar dinheiro e acumular poder. Essa força
sobrepujou a outra, a de origem no thymos, a ponto de ser
descrita, não raramente, como a única existente, a base de toda a
sociedade. Não precisamos nos lembrar da autoridade da psicanálise (como
teoria descritiva do que somos) entre nós modernos.
Todavia, deveríamos nos lembrar de uma força que caracterizou o homem pré-moderno, aquela oriunda do thymos,
o impulso para a ira, capaz dos atos de bravura, formação da
identidade, exposição do orgulho e algo próprio no sentido de despertar o
respeito. Considerando as inversões nietzschianas, Sloterdijk tende a
dizer que é essa a força responsável pela generosidade, pela doação,
enquanto que a força erótica é causa do ressentimento e da inveja. À
primeira vista podemos duvidar disso, mas quando retornamos aos casos de
crimes de inveja, a começar pelo que ocorreu com o trio Deus-Abel-Caim,
temos de reconhecer que Nietzsche não era nada bobo. O amor de Deus, ao
se dirigir a Abel, mesmo tendo sido ele o que não trabalhou e, sim, o
que apenas fez filho, gerou o ressentimento e a inveja em Caim,
levando-o ao assassinato do irmão.
Considerando
as energias timóticas, então, o tratamento dos mais ricos, pelo estado,
estaria completamente errado. Visto por essa ótica, e não
exclusivamente como no interior de um mundo predominantemente erótico,
eles não deveriam ser tratados como produtores incapazes de
generosidade. Eles deveriam ser vistos como agentes possíveis de forças
timóticas, da identidade do orgulho gerado na ira combatente, e, por
isso mesmo, capazes de generosidade. Assim, deveríamos tentar, em nossas
sociedades, diminuir impostos e ampliar as possibilidades de doação
voluntária. Isso não deveria ser feito abruptamente, mas em doses
homeopáticas, dando aos ricos a liberdade de escolha na hora de
investirem essas doações, o que substituiria o ex-impostos, na vida da
cidade.
Zizek comenta essa proposta falando da
substituição do “proletariado” pelo “voluntariado” no contexto do
sujeito histórico de mudanças. Logo em seguida, passa a criticar a ideia
de Sloterdijk, que, diga-se de passagem, não é alguma coisa pensada a
partir de sociedades como a nossa, a brasileira, mas a partir de
sociedades europeias em que anos de keynesianismo, de social democracia,
teria deixado a classe média rica como a maior e talvez única força
responsável pelos impostos.
É claro que Zizek não gosta dessa ideia.
Ele tripudia sobre ela por meio de exemplos empíricos, de como que os
causadores de males sociais são justamente os tais bons doadores. Ele
vocifera até contra Bill Gates, dizendo que suas generosas doações só
aparecem após ele ter se tornado rico por meio da eliminação da
concorrência de maneira pouco louvável. Mas Zizek não fica nisso. Ele
também tenta incursões pela filosofia propriamente dita. Diz que
Sloterdijk ainda está baseado em Rousseau, e de modo acrítico até, pois
está crente na “bondade natural” dos homens, ao menos os que seriam os
doadores. Além de tudo isso, ele rediscute a relação entre thymos e eros.
Zizek relembra – não de todo errado – que a inveja e o ressentimento estão do lado do thymos, que intervém no domínio de eros,
“distorcendo o egoísmo ‘normal’, isto é, “tornando aquilo que o outro
tem (e eu não tenho) mais importante do que aquilo que eu tenho”. Já
adiantando uma possível tréplica de Sloterdijk, que poderia dizer que
não está considerando thymos e eros a partir da
psicologia, responsável por tais e tais sentimentos individuais, mas
como forças psicossociais e políticas, e que então deveríamos sim
entender que é eros, a carência, que uma vez não satisfeita
sempre produz a inveja e o ressentimento, Zizek lança uma cartada
conhecida: por que Sloterdijk “afirma a generosidade somente dentro dos
limites do capitalismo, que é a ordem o eros possessivo e da
competição?”.
Estou longe de querer encerrar esse
debate com uma conclusão minha. Prefiro colocar mais lenha na fogueira
de ambos. Não estou entre aqueles filósofos que quer tirar os outros
seus colegas do ringue, uma vez que, pelo que vejo nenhum ainda corre
risco de traumatismo craniano. Talvez seja útil, então, ponderarmos
esses argumentos todos em um próximo texto.
Mas, para deixar aqui já o gancho,
deveríamos lembrar que o thymos, em Platão, é a parte da alma que tem
sim, capacidade de se voltar para objetivos nobres. Não à toa é da força
timótica que surgem os elementos da cidade ideal que seriam os
responsáveis pela sua guarda, perante um inimigo externo. Assim
pensando, a tese de Sloterdijk ganha uma coloração mais plausível diante
das objeções de Zizek. Mantenham isso na cabeça, pois voltaremos ao
assunto.
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* Paulo Ghiraldelli, filósofo
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br
Paulo Ghiraldelli*, NINGUEM comenta, pq tbm nao le, tbm nao entende, tbm nao procura entender!!!!!!!!!!!!!!! Nao tem a menor idei do que seja a filosofia de Platao, a controversia de Nietzschi,os pensamentos de Rousseau, nem os propositos de Marx, menos ainda ouviram falar de Kant e Hegel...... e tbm... ainda que ouviu falar em caim e Abel... nao que reconhecer o Caim que tem dentro de si, para descobrir que ele nao eh de todo ruim!!!!!!! Ruim mesmo eh a ignorancia! (Queiram perdoar os erros no texto pq meu teclado nao eh configurado p Lingua Portuguesa). Jeicy
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