Marcelo Gleiser*
Para resgatarmos nosso controle sobre o tempo, é preciso criar espaço para a contemplação da vida
Sei que ninguém gosta muito de pensar em assuntos pesados durante essa
época pré-natalina, mas, como todo momento de reflexão, o fim de ano é
sempre propício para darmos uma parada e analisarmos um pouco como andam
as coisas.
A primeira palavra que me vem em mente quando penso na vida moderna é
dispersão. Existe uma competição constante pela nossa atenção entre os
produtores de novas tecnologias, de comida, de roupas; há uma
necessidade crescente de estarmos "ligados" com o que está acontecendo, e
já não basta rádio e televisão; tem que ser pelo Facebook, pelo
Twitter, pelo Google Plus e um bando de outras redes sociais.
Cada instante é ocupado por algo que vemos numa tela, pequena ou grande.
A informação vem em torrentes incessantes. Se esquecemos nosso celular
em casa, é como se tivéssemos perdido um dedo ou outra parte do corpo.
Os celulares tornaram-se parte integral de nossa existência, um apêndice
tecnológico que nos define como indivíduos. Tornaram-se um vício, como
verificamos assim que pousa um avião e todo mundo se precipita para
ligar seu iPhone ou seu Galaxy, como se naquele voo de 45 minutos a
história do mundo tivesse se transformado de forma profunda e aquele
e-mail que mudará a sua vida tivesse finalmente chegado.
Não nos permitimos mais espaço para a contemplação.
Sei que isso está parecendo papo de velho, atravancado com os avanços
tecnológicos. Mas não é nada disso; eu mesmo tenho todos os brinquedos
tecnológicos que existem e os uso como todo mundo, com muito prazer.
Portanto, essa reflexão é para mim também, mesmo se digitada em meu
laptop.
Muita gente me pergunta se o tempo está mudando, passando mais rápido.
Essa é uma percepção psicológica da passagem do tempo, que nada tem a
ver com a passagem física do tempo. A duração do dia muda muito
lentamente, e muda no sentido inverso, aumentando e não diminuindo,
devido à fricção gravitacional das marés causadas pelas atração entre
Terra, Lua e Sol.
O tempo está passando mais rapidamente, ou assim o percebemos, porque
cada vez temos menos controle sobre ele. O ócio é algo que consideramos
quase que pecaminoso (esquecendo os pecados capitais); qualquer brecha
de tempo nós enchemos com uma leitura no Twitter, do Facebook, de
e-mail, um videozinho no YouTube, ou um podcast qualquer.
Uma das maiores vítimas dessa correria moderna é nossa conexão com a natureza.
Na ânsia pela informação, pouco desviamos os olhos das telas. Olhar para
o céu é algo que raramente fazemos, especialmente nas grandes cidades.
Para a maioria das pessoas a natureza é um conceito, algo que existe lá
longe, nas fotos que vemos nas revistas, ou nos vídeos do YouTube e
especiais de TV.
Para resgatarmos nosso controle sobre o tempo é necessário retornarmos à
natureza, criarmos espaço para a contemplação das formas de vida, das
árvores, das flores e animais; é necessário olharmos para o céu noturno,
longe das luzes da cidade. Assim conseguiremos desacelerar, buscando
outro tipo de informação que nos liga ao que temos de mais essencial:
nossa relação com os ciclos e ritmos do Cosmo.
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