domingo, 1 de dezembro de 2013

AMIGOS SE CASANDO

Fabrício Carpinejar* 

O que faz duas pessoas quererem passar o tempo todo juntas? Que loucura é essa? O que move um casal a dividir suas fantasias, seus medos, suas manias? O que tem na cabeça dessa gente que decide casar e se expor ao imprevisível do fim do dia? Dormir lado a lado, acordar lado a lado, grudar nos finais de semana, sentir saudade e se desesperar de preocupação. O que faz alguém ceder metade do seu guarda-roupa, metade de seu quarto, metade de seus sonhos, metade de suas confidências? O que faz um casal se acotovelar para escovar os dentes no espelho? O que pretende: dormir em paz? Como? É uma ginástica rítmica encontrar o encaixe, a conchinha, o tempo da respiração do outro na cama. E se um levanta, como não se assustar e seguir descansando? É brigar pela televisão, pelo horário de abandonar uma festa, pelo uso das folgas. É ouvir que bebeu demais, é ouvir que falta paciência e não poder mais deslizar pela grosseria impunemente. É criar vexame e ser repreendido.

Não seria mais fácil cada um seguir sua vida e seguir namorando em residências separadas, com ideais separados? Não seria mais fácil não sofrer com contratempos e dores, ser egoísta e breve, não se importar com que o outro está pensando?

O que movimenta o coração dessa gente que se entrega? Essas pessoas insistentes numa história de amor, românticas, ingênuas, que não acreditam em divórcios, apesar da metade dos amigos ser divorciada. São loucos ou desinformados? Ou os dois?

Ninguém tem vontade de avisá-los? Ninguém ficou com vontade de convencê-los a se manter longe do altar? Que p**** de amigos são estes? Que p**** de padrinhos são estes?

Que doideira é esta? Comprar o sorvete predileto e de repente ver que não está mais no congelador. Não experimentaram irmãos para ver que nada permanece no lugar durante a vida familiar?

Não pode ser normal desejar essa dependência quando os dois poderiam ser livres, sem necessidade de prestar contas para onde vai e com quem está.

Olha o esforço que estão se metendo: não há mais como sair de casa e deixar o celular desligado. Olha o quanto sofrerão de ciúmes à toa, de insegurança à toa.

É um caminho sem volta: é dizer “eu te amo” e esperar a resposta “eu te amo”, é dizer “eu te amo muito” e esperar a resposta “eu te amo muito”, é perguntar se o amor é correspondido com receio do despejo.

Para que se incomodar, hein?

Eu sei o motivo. Todo amor é um milagre. O que é o sofrimento perto da sorte de ser amado?

Todo amor é uma comoção. Os pássaros invejam os casais que podem andar de mãos dadas. Os pássaros dariam suas asas para andar de mãos dadas por cinco quadras. Todo amor é uma revolução. As árvores dariam seus frutos para dançar colados pelo menos por uma noite.

Não existe sacrifício, existe doação. Não existe renúncia, existe entrega. Não existe culpa, existe escolha. Ninguém entenderá o que vocês estão vivendo, além de vocês mesmos.

O amor é um segredo a dois. Transforma tudo o que é errado em personalidade. Transforma tudo o que é certo em lembrança.

O amor é coragem. Só pode ser feliz quem não esconde seu rosto. O amor é incurável. Não tem como trocá-lo por nada. É uma amizade cheia de desejo.

Vocês não precisam de explicação porque se compreendem pelo olhar. Não precisam de paz, a confiança é o início da fé. Não precisam temer problemas, basta se abraçar dentro de um beijo. Vocês nasceram sozinhos, mas jamais ficarão de novo sozinhos. Estarão se acompanhando a vida inteira, até depois do fim.

Se um esquecer, o outro vai lembrar. Se um vacilar, o outro vai amparar. São inteiros sendo dois. Mais inteiros hoje do que quando nasceram.

A eternidade tem inveja de vocês.
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* Escritor. Poeta. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 01/12/2013
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