Saul Leblon*
Nenhuma das questões essenciais que desafiam o futuro da humanidade encontra resposta adequada no ambiente extremado da desregulação global, pós crise.
O impasse entre a lógica dos mercados e os interesses da humanidade,
sobretudo da parcela que ainda luta pelo seu desenvolvimento, está por
trás das declarações truncadas, dos documentos entremeados de colchetes
[sinônimo de pendências diplomáticas] e da circularidade irritante dos
fóruns globais que bocejam para as urgências do século XXI.
Sempre foi assim, mas o quadro se agravou com o colapso da ordem neoliberal, desde 2008.
A emergência dos pobres se agudizou; o caixa dos ricos se retraiu. A desordem financeira se acomodou às custas do elo mais fraco da corrente.
Num primeiro momento, o ajuste se deu pela expansão da liquidez internacional para salvar a bancarrota da grande finança.
A contrapartida foi a valorização das moedas locais, uma doença autoimune que passou a operar contra a produção doméstica, à favor das importações ‘baratas’.
Na reversão do ciclo, ensaiada agora pelo BC norte-americano, pavimentam-se as condições à ascensão do receituário recessivo.
Chegou a hora, esfrega as mãos o colunismo isento por essas bandas, que evoca a desforra das urnas desde setembro de 2008.
Manchetes exigem que o governo se antecipe à ‘tempestade perfeita’, adotando-a voluntariamente.
A saber: raios de choque de juros para conter a fuga de capitais e o salto da inflação; trovões de arrocho fiscal sobre os pobres, para purgar os pecados das desonerações ao consumo e ao investimento (feitas para evitar a internalização da crise dos ricos).
O encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), que acontece esta semana, em Bali, na Indonésia, ilustra essa colisão da lógica na esfera econômica.
Como conciliar, a essa altura, o interesse protecionista de milhões de pequenos agricultores da Índia, por exemplo, com a voragem liberalizante das grades potencias exportadoras de grãos?
Chovem colchetes em Bali.
Há duas semanas, o mesmo ambiente de prostração se repetiu na Polônia.
A 19ª reunião do clima, preparatória para o encontro de 2015, em Paris (quando em tese será pactuado um novo acordo global) não avançou um honesto centímetro no esboço de um sucessor para o malogrado protocolo de Kioto.
A crise colocou a agenda da descarbonização na gaveta das prioridades remotas.
E endureceu o braço de ferro na distribuição dos sacrifícios imediatos.
Quanto cada nação poderá emitir, antes que a temperatura multiplique eventos extremos em progressão devastadora?
Reza a Convenção do Clima, de 1992, que é necessário diferenciar as responsabilidades, maiores, dos países ricos em relação aos pobres que ainda lutam pelo seu desenvolvimento.
Não foi o que ocorreu até hoje.
‘70% das emissões de gases-estufa até 2010 vieram dos países desenvolvidos, enquanto 70% das reduções das emissões até agora foram feitas pelos países em desenvolvimento’, desabafou a delegação chinesa na fracassada reunião de Varsóvia, segundo o jornal Valor.
A China, a exemplo do Brasil, deve uma cota de sacrifício ao futuro.
Os propulsores do seu desenvolvimento terão que convergir desde já para uma matriz menos poluente. Mas tudo isso será inútil se sociedade norte-americana persistir, de longe, como a maior ameaça ao aquecimento do planeta.
A emissão média per capita nos EUA hoje é de 16,9 toneladas de CO2 por habitante/ano. Equivale a dizer que cada norte-americano sozinho emite mais que um chinês e um europeu juntos (respectivamente 6,8 t/per capita/ano e 8,1 t/per capita/ano).
A delegação dos EUA nesses encontros desconversa e evoca contribuições isonômicas para ‘salvar o planeta’.
Tampouco assume a iniciativa de inaugurar doações ao Fundo Verde, criado em 2009, na reunião de Copenhague, que destinaria US$ 100 bi em compensações ambientais às nações em desenvolvimento.
Se Obama não comparece, o resto do planeta se desobriga; as discussões giram em torno de miragens desprovidas de lastro econômico ou políticas.
Nem ONGs aguentam mais.
Mais 700 ativistas das 13 megaorganizações - incluindo Greenpeace, WWF e Oxfam – deixaram o Estádio Nacional de Varsóvia no meio da COP 19.
Do lado da fome e da miséria, o cenário tampouco está imune ao tsunami de colchetes.
Aguarda-se a generosidade dos países ricos para dar alicerce financeiro à necessária repactuação dos Objetivos das Metas do Milênio de 1990.
A principal delas --reduzir à metade os níveis de fome e miséria, até 2015, foi alcançada por apenas 40 nações. O Brasil é um dos destaques.
Mas e os restantes 840 milhões de famintos?
São necessários cerca de U$ 30 bilhões de dólares/ano para um combate efetivo às causas do seu infortúnio.
Quem se habilita?
Silencio de ouvir moscas nos encontros mundiais.
É nesse mundo de ouvidos moucos que a OMC buscar o Santo Graal na Indonésia, aquele ponto de equilíbrio capaz de conciliar o ímpeto dos livres mercados e o interesse coletivo da humanidade.
Pretende-se, de um lado, eliminar barreiras protecionistas e alfandegárias; de outro, garantir salvaguardas de subsídio a uma agricultura familiar que costura várias das boas intenções que desfilam por entre bocejos nos fóruns internacionais.
Basta dizer que 70% da fome do planeta concentra-se no espaço rural e que a pequena agricultura cooperativa talvez seja um suporte de segurança alimentar alternativo à escalada esgotante dos métodos convencionais de plantio.
A dificuldade de um consenso em torno desse ponto imaginário reflete menos as dificuldades técnicas que ele encerra, do que o embate entre interesses que a nomenclatura conservadora no Brasil denominou de: ‘intervencionismo da Dilma’ versus ‘agenda do custo Brasil’.
Ou, no idioma acadêmico, planejamento público versus desregulação de mercados.
O ponto a reter é que nenhuma das questões essenciais que desafiam o futuro da humanidade –a fome e a miséria, o destino do clima e da cooperação para o desenvolvimento— encontra resposta adequada no ambiente extremado da desregulação existente na ordem global.
Isso deveria dizer algo ao debate sucessório brasileiro em 2014.
Não apenas a quem reverbera aqui a emergência ambiental mas, paradoxalmente, alia-se aos que atribuem aos ‘livres mercados’ a panaceia para os gargalos nacionais.
O campo progressista –inclua-se aí o PT-- talvez devesse considerar também com mais de seriedade a hipótese de existir neste país condições singulares para aquilo de que tanto se fala e tão pouco se arrisca.
Não uma identidade exaustiva de agenda histórica.
Mas a possibilidade de uma articulação inédita de força social e horizonte econômico em torno do pré-sal brasileiro.
Uma agenda de convergência da riqueza na qual a lógica de mercado se subordine ao planejamento democrático da sociedade em que os brasileiros querem viver no século XXI.
A soberba do pragmatismo bem sucedido, ou a esférica indiferença dos portadores da verdade histórica, pouco ou nada representam diante do ganho que uma frente política dessa ordem traria a um mundo enfadado de bocejos, diante de um século que mal nasceu e já parece morrer.
Sempre foi assim, mas o quadro se agravou com o colapso da ordem neoliberal, desde 2008.
A emergência dos pobres se agudizou; o caixa dos ricos se retraiu. A desordem financeira se acomodou às custas do elo mais fraco da corrente.
Num primeiro momento, o ajuste se deu pela expansão da liquidez internacional para salvar a bancarrota da grande finança.
A contrapartida foi a valorização das moedas locais, uma doença autoimune que passou a operar contra a produção doméstica, à favor das importações ‘baratas’.
Na reversão do ciclo, ensaiada agora pelo BC norte-americano, pavimentam-se as condições à ascensão do receituário recessivo.
Chegou a hora, esfrega as mãos o colunismo isento por essas bandas, que evoca a desforra das urnas desde setembro de 2008.
Manchetes exigem que o governo se antecipe à ‘tempestade perfeita’, adotando-a voluntariamente.
A saber: raios de choque de juros para conter a fuga de capitais e o salto da inflação; trovões de arrocho fiscal sobre os pobres, para purgar os pecados das desonerações ao consumo e ao investimento (feitas para evitar a internalização da crise dos ricos).
O encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), que acontece esta semana, em Bali, na Indonésia, ilustra essa colisão da lógica na esfera econômica.
Como conciliar, a essa altura, o interesse protecionista de milhões de pequenos agricultores da Índia, por exemplo, com a voragem liberalizante das grades potencias exportadoras de grãos?
Chovem colchetes em Bali.
Há duas semanas, o mesmo ambiente de prostração se repetiu na Polônia.
A 19ª reunião do clima, preparatória para o encontro de 2015, em Paris (quando em tese será pactuado um novo acordo global) não avançou um honesto centímetro no esboço de um sucessor para o malogrado protocolo de Kioto.
A crise colocou a agenda da descarbonização na gaveta das prioridades remotas.
E endureceu o braço de ferro na distribuição dos sacrifícios imediatos.
Quanto cada nação poderá emitir, antes que a temperatura multiplique eventos extremos em progressão devastadora?
Reza a Convenção do Clima, de 1992, que é necessário diferenciar as responsabilidades, maiores, dos países ricos em relação aos pobres que ainda lutam pelo seu desenvolvimento.
Não foi o que ocorreu até hoje.
‘70% das emissões de gases-estufa até 2010 vieram dos países desenvolvidos, enquanto 70% das reduções das emissões até agora foram feitas pelos países em desenvolvimento’, desabafou a delegação chinesa na fracassada reunião de Varsóvia, segundo o jornal Valor.
A China, a exemplo do Brasil, deve uma cota de sacrifício ao futuro.
Os propulsores do seu desenvolvimento terão que convergir desde já para uma matriz menos poluente. Mas tudo isso será inútil se sociedade norte-americana persistir, de longe, como a maior ameaça ao aquecimento do planeta.
A emissão média per capita nos EUA hoje é de 16,9 toneladas de CO2 por habitante/ano. Equivale a dizer que cada norte-americano sozinho emite mais que um chinês e um europeu juntos (respectivamente 6,8 t/per capita/ano e 8,1 t/per capita/ano).
A delegação dos EUA nesses encontros desconversa e evoca contribuições isonômicas para ‘salvar o planeta’.
Tampouco assume a iniciativa de inaugurar doações ao Fundo Verde, criado em 2009, na reunião de Copenhague, que destinaria US$ 100 bi em compensações ambientais às nações em desenvolvimento.
Se Obama não comparece, o resto do planeta se desobriga; as discussões giram em torno de miragens desprovidas de lastro econômico ou políticas.
Nem ONGs aguentam mais.
Mais 700 ativistas das 13 megaorganizações - incluindo Greenpeace, WWF e Oxfam – deixaram o Estádio Nacional de Varsóvia no meio da COP 19.
Do lado da fome e da miséria, o cenário tampouco está imune ao tsunami de colchetes.
Aguarda-se a generosidade dos países ricos para dar alicerce financeiro à necessária repactuação dos Objetivos das Metas do Milênio de 1990.
A principal delas --reduzir à metade os níveis de fome e miséria, até 2015, foi alcançada por apenas 40 nações. O Brasil é um dos destaques.
Mas e os restantes 840 milhões de famintos?
São necessários cerca de U$ 30 bilhões de dólares/ano para um combate efetivo às causas do seu infortúnio.
Quem se habilita?
Silencio de ouvir moscas nos encontros mundiais.
É nesse mundo de ouvidos moucos que a OMC buscar o Santo Graal na Indonésia, aquele ponto de equilíbrio capaz de conciliar o ímpeto dos livres mercados e o interesse coletivo da humanidade.
Pretende-se, de um lado, eliminar barreiras protecionistas e alfandegárias; de outro, garantir salvaguardas de subsídio a uma agricultura familiar que costura várias das boas intenções que desfilam por entre bocejos nos fóruns internacionais.
Basta dizer que 70% da fome do planeta concentra-se no espaço rural e que a pequena agricultura cooperativa talvez seja um suporte de segurança alimentar alternativo à escalada esgotante dos métodos convencionais de plantio.
A dificuldade de um consenso em torno desse ponto imaginário reflete menos as dificuldades técnicas que ele encerra, do que o embate entre interesses que a nomenclatura conservadora no Brasil denominou de: ‘intervencionismo da Dilma’ versus ‘agenda do custo Brasil’.
Ou, no idioma acadêmico, planejamento público versus desregulação de mercados.
O ponto a reter é que nenhuma das questões essenciais que desafiam o futuro da humanidade –a fome e a miséria, o destino do clima e da cooperação para o desenvolvimento— encontra resposta adequada no ambiente extremado da desregulação existente na ordem global.
Isso deveria dizer algo ao debate sucessório brasileiro em 2014.
Não apenas a quem reverbera aqui a emergência ambiental mas, paradoxalmente, alia-se aos que atribuem aos ‘livres mercados’ a panaceia para os gargalos nacionais.
O campo progressista –inclua-se aí o PT-- talvez devesse considerar também com mais de seriedade a hipótese de existir neste país condições singulares para aquilo de que tanto se fala e tão pouco se arrisca.
Não uma identidade exaustiva de agenda histórica.
Mas a possibilidade de uma articulação inédita de força social e horizonte econômico em torno do pré-sal brasileiro.
Uma agenda de convergência da riqueza na qual a lógica de mercado se subordine ao planejamento democrático da sociedade em que os brasileiros querem viver no século XXI.
A soberba do pragmatismo bem sucedido, ou a esférica indiferença dos portadores da verdade histórica, pouco ou nada representam diante do ganho que uma frente política dessa ordem traria a um mundo enfadado de bocejos, diante de um século que mal nasceu e já parece morrer.
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* Editorialista do site CartaMaior
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Bocejos-para-o-seculo-XXI/29711
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