Antonio Prata*
Ela me acusa de torcer o nariz pro pinheirinho, reclamar
dos enfeites e recusar as luzinhas
Minha mulher sugere colocarmos luzinhas coreanas no chapéu de sol, em
frente de casa. Eu resmungo qualquer coisa. Ela percebe a má vontade e
se incomoda. "Que foi?!", pergunto, com aquela surpresa dissimulada que
nós, homens, lançamos quando queremos desacreditar as reações femininas,
colocando-as na conta dos instáveis vapores uterinos --não na das
nossas irritantes atitudes. Ela saca a estratégia e põe as cartas na
mesa: diz que eu torci o nariz quando chegou com o pinheirinho, sábado
passado, que foi de muito mau humor que a ajudei a pendurar os enfeites,
domingo, e agora fico fazendo corpo mole diante das luzinhas coreanas.
Por fim, me acusa: "Você é ridículo: você é contra o Natal!".
Sou? Não queria. Me parece mesmo ridículo ser "contra o Natal", digo que
não lembro de cara feia nenhuma ao decorarmos o pinheiro e reafirmo que
meu problema é só com as luzinhas. Ela pergunta o que há de errado com
elas. Levanto o indicador, pronto para fazer um discurso inflamado, mas
fico mudo como a estátua de Duque de Caxias. O que há de errado com as
luzinhas? Penso em alegar desperdício de energia. Teria, é verdade, um
argumento sólido --ou líquido, se apelasse pro degelo das calotas--, mas
estaria mentindo. Não é uma questão ecológica.
"Você não acha bonito as árvores todas iluminadas?" Sigo calado --agora,
já com o indicador recolhido ao bolso-- e percebo que acho bonitas,
sim, essas árvores luminosas. Dão às noites de dezembro um ar vibrante
--vamos até a farmácia comprar fralda e parece que estamos indo a uma
festa. Daí pra vestir no chapéu de sol a polaina de lampadazinhas já são
outros quinhentos.
"Qual o problema?" --ela insiste. "É que nem o Halloween? Vai dizer
agora que é uma festa importada'?" Não, de jeito nenhum. Halloween,
admito: sou contra. Não por nacionalismo, mas por senso de ridículo.
Aquelas abóboras e caveiras, entre nós, soam tão naturais como as
perucas nos carecas. Já o Natal é uma festa cristã, somos um país
majoritariamente cristão e mesmo que a data tenha virado sinônimo de
comércio, eu, com meu Nike nos pés e iPhone no bolso, não teria muita
moral pra um discurso franciscano.
Não, eu não sou contra o Natal. Tenho um amigo, o Maurício, que é.
Contra o Natal, o Carnaval, abraços no oi e no tchau e qualquer outra
manifestação --falsa, segundo ele-- e afeto ou felicidade. Ele tem seu
ponto, mas sou diferente do Maurício. Sou coração mole. Fico feliz, no
mês de agosto, quando chega o cartão do meu dentista desejando feliz
aniversário. Por que, então, ó pai, fiz cara feia pro pinheirinho,
resmunguei pra pendurar enfeite, me recuso a enrolar no chapéu de sol as
luzinhas coreanas?
Não sei, mas minha mulher parece ter uma teoria: "Você é um metido! Você
se acha superior, é isso! Não quer brincar de Natal' só porque tá todo
mundo brincando! Fica falando mal da direita, mas age que nem um
aristocrata!". Calúnias! Calúnias! Calúnias que tento calar, agora, do
alto deste chapéu de sol, com 20 metros de luzinhas coreanas (que,
diga-se de passagem, são "made in China") enroladas no ombro. Só torço
para não cair daqui. Não quero que soe aristocrático, mas preferia uma
morte um pouquinho menos ridícula.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 22/12/2013
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