Luciano Martins Costa*
Uma nota curta na edição desta terça-feira (3/12) da Folha de S. Paulo informa
que a Guarda Civil Metropolitana vai fazer plantão 24 horas por dia no
vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), até o próximo dia 15. Esse é o período previsto para a exibição da mostra de fotografias “A Terra Vista do Céu”.
O texto observa que a medida foi tomada pelo prefeito Fernando Haddad depois que a própria Folha revelou
que moradores de rua e usuários de drogas haviam ocupado aquele espaço,
inclusive com barracas. A reportagem acrescenta que só haverá prisões
se houver flagrante de tráfico, e que um plano para ser implantado
depois do dia 15 ainda está sendo preparado pelas autoridades da
segurança pública.
A notícia se segue a uma controvérsia levantada pelo
curador do museu, José Roberto Teixeira Coelho, que chegou a defender a
construção de uma cerca em torno do prédio, considerado uma das obras
mais importantes da arquitetura moderna. A
proposta provocou indignação em muitos cidadãos, que encheram as redes
sociais com imagens mostrando o museu emparedado ou cercado com arame
farpado.
A polêmica se estendeu por campos ignotos, indo
bater no paredão da dicotomia que divide toda questão pública em
elitismos e populismos: para uns, o poder público se omite ao deixar
aquele espaço nobre da cidade aberto para qualquer pessoa; para outros, o
curador do museu repete a tradição de excluir dos lugares públicos os
personagens incômodos da sociedade desigual. Até
mesmo o direito de reunião e manifestação foi colocado em debate, uma
vez que o vão livre do Masp tem sido ponto de concentração para as
muitas passeatas que cruzaram a cidade nos últimos tempos.
A nota curta da Folha, apenas noticiando a
medida tomada pela prefeitura, não avança na questão principal, que é a
complicada distribuição de direitos entre habitantes e frequentadores do
espaço comum, um desafio que o modelo de planejamento urbano
modernista-desenvolvimentista não consegue resolver.
Acontece que os jornais brasileiros ainda não
chegaram a este ponto do debate sobre a vida contemporânea: para a
imprensa, grosso modo, projeto urbano sustentável é mais ou menos uma
rua com árvores.
Uma visão limitada
A discussão sobre o uso ideal do espaço privilegiado
entre as colunas do Masp envolve desde a presença de barracas de
moradores de rua até a permanência da feira de antiguidades que se
realiza naquele local aos domingos. Para uns, os
sem-teto são o cúmulo da degradação; para outros, o “mercado de pulgas”
chique é intolerável, porque elitista e excludente.
Há quem prefira o espaço livre para manifestações
culturais e políticas de todos os tipos, outros defendem a criação de um
código de uso, com responsabilização dos organizadores sobre qualquer
dano ou sujeira que venha a ser causado.
"Teresa Caldeira, da Universidade da
Califórnia em Berkeley, que estuda o corte entre
o desenvolvimento da
democracia política e a deslegitimação
da democracia civil no Brasil
pós-ditadura,
com o aumento
da segregação dos mais pobres
e o
encarceramento dos ricos
em condomínios fechados."
Em geral, o debate veiculado pela imprensa e as
opiniões expostas nas mídias sociais se concentram nas questões
arquitetônicas e ambientais, ou seja, nos aspectos físicos da vida
urbana, mas as controvérsias do tipo que envolve o Masp precisam incluir
as contribuições da antropologia e até mesmo da comunicação, como, por
exemplo, os conceitos de espaço público físico e virtual.
Curiosamente, a maioria das opiniões publicadas
pelos jornais se concentra no âmbito da segurança pública, tanto que a
solução anunciada para os próximos dias será embalada nos quartéis da
Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana.
O pano de fundo desse e de outros debates
contaminados pelo “fla-flu” da política segue sendo condicionado por
visões igualitaristas ou elitistas sobre os direitos de uso da cidade,
mas há muitas nuances entre esses dois extremos que precisam ser
observadas. A imprensa poderia dar uma contribuição valiosa para
expandir a visão sobre problemas desse tipo, se não estivesse mais
interessada em cultivar a irracionalidade presente na questão política
partidária, que contamina toda a agenda pública.
Uma fonte interessante, por exemplo, é o conjunto de
pesquisas da antropóloga brasileira Teresa Caldeira, da Universidade da
Califórnia em Berkeley, que estuda o corte entre o desenvolvimento da
democracia política e a deslegitimação da democracia civil no Brasil
pós-ditadura, com o aumento da segregação dos mais pobres e o
encarceramento dos ricos em condomínios fechados. Essa é uma das mazelas da democracia brasileira que o radicalismo político ajuda a ocultar.
Pode-se dizer que tudo no Brasil é condicionado por essas duas linhas de colunas, como o vão – não tão livre – do Masp.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/03/12/2013
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