Henrique Monteiro*
Católicos, cristãos, agnósticos - e atrever-me-ia a
dizer ateus - todos somos filhos da cultura judaico-cristã, sobretudo do
legado que Cristo veio ao mundo dar testemunho: o amor entre os seres
humanos.
Todos sabemos que entre as palavras ditas e a prática
ao longo de séculos existiram grandes contradições. O ódio sobrepôs-se
ao amor na Inquisição; a riqueza à frugalidade em muitas organizações
das igrejas; a ganância à fraternidade em inúmeras ações que deveriam
ser de caridade; a hipocrisia à verdade libertadora que Cristo ensinou.
Mas, ainda que conheçamos todas as imperfeições dos
homens e das suas construções, não podemos, do meu ponto de vista,
esquecer duas coisas muito importantes. A primeira, é que Cristo, que
agora se celebra, não pregou apenas a resignação do "dai a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus". É certo que nos ensinou a viver com
a sorte que temos e o modo de o fazermos o melhor possível, sem
ressentimentos nem ódios; mas naquilo que de nós depende, também lembrou
que os vendilhões podem e devem ser expulsos do Templo, justamente
porque há uma vida além da vida quotidiana, além dos orçamentos, das
economias, das contas e dos lucros. Há uma luz, um dom espiritual que
cada pessoa pode cultivar, sem medo, porque essa luz, esse espírito, que
é o amor fraterno da dádiva, continua a ser a mais revolucionária das
mensagens, como aliás o Papa Francisco tem parecido indiciar.
Se Moisés recebeu os 10 Mandamentos no monte Sinai
que impunham aos homens um conjunto de regras de sociedade que hoje
ainda se aplicam, no essencial, em qualquer civilização - não matarás,
não roubarás, não cobiçarás o que é de os outros - Cristo acrescentou o
mais belo, comovente, fraterno e difícil dos mandamentos: "Amai-vos uns
aos outros". Sem restrições, sem querer saber das convicções de cada um,
das etnias de cada um, das preferências pessoais de cada um.
É esta uma das mensagens centrais do Natal. Não me
interessa tanto saber das partes históricas - Existiu Jesus? Era divino?
A sua mãe era virgem? Fez milagres? - mas do significado da história.
Todos os seres humanos - e hoje a ciência confirma-o - são uma grande
família. Como em todas as famílias, há preferidos, melhores e piores,
mas não há ninguém que não mereça a nossa compaixão, o nosso apoio
quando dele necessita, a nossa fraternidade, a nossa mão.
Não me podendo, em consciência, considerar católico,
fazendo parte, como já referi diversas vezes, da Maçonaria Universal,
sou profundamente crente nesta mensagem que nos obriga, a cada momento, a
pormo-nos no lugar do outro e olharmos para nós mesmos interrogando-nos
sobre o bem que fizemos aos outros, o mal que lhes pudemos evitar, o
que deles compreendemos, o que de nós próprios compreendemos.
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