O lugar literário
Da esquerda para direita: Luis Augusto Fischer, Cíntia Moscovich, Carol Bensimon, Daniel Galera e Altair Martins
Foto:
Mauro Vieira / Agencia RBS
Caderno Cultura de Zero Hora reuniu cinco autores do Estado para um balanço de como andam as letras do Sul,
Nunca se escreve uma frase como esta sem se escorregar no
perigoso terreno do bairrismo, mas a literatura do Rio Grande do Sul foi
destaque nacional no ano de 2013. Daí a necessidade de relativizar o
tal bairrismo com alguns dados. O livro Diálogos Impossíveis, de Luis Fernando Verissimo, foi eleito o livro do ano em ficção no Prêmio Jabuti, o mais tradicional do país. Cíntia Moscovich, com seu livro de contos Essa Coisa Brilhante que é a Chuva,recebeu o Prêmio Portugal Telecom na categoria conto e o Prêmio Clarice Lispector da Fundação Biblioteca Nacional. A mesma entidade premiou Opisanie Swiata, de Veronica Stigger, como romance do ano. Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera,venceu o Prêmio São Paulo de Literatura. Altair Martins, com a coletânea de contos Enquanto Água,recebeu o Prêmio Moacyr Scliar.
Para além disso, há uma percepção que ultrapassa as fronteiras do
Estado: a de que há no Rio Grande do Sul uma multidão de autores – para
o bem ou para o mal, já que essa circunstância é alternadamente
exaltada e criticada.
Para discutir o atual momento da literatura gaúcha, Cultura reuniu na tarde do último dia 16, na Livraria Palavraria, em Porto Alegre, cinco autores representantes de diferentes gerações atuantes no Estado. Os já mencionados Altair Martins, Cintia Moscovich e Daniel Galera sentaram-se ao lado de Luís Augusto Fischer e Carol Bensimon.
Ao longo de uma hora de bate-papo, o quinteto discutiu especificidades
da literatura local, formação de leitores, gerações literárias e a
educação no Estado.
Zero Hora – Como vocês avaliam 2013 na literatura do Estado?
Luís Augusto Fischer – Olhando panoramicamente, os
prêmios recebidos este ano representam o reconhecimento dos trabalhos.
Inegavelmente, podemos falar da maturidade de uma geração nova, ao mesmo
tempo em que há um grande prestígio de uma ou duas gerações acima. Se
pensamos na lista de best sellers brasileiros, não há nenhuma que não
tenha o Luis Fernando Verissimo e/ou Martha Medeiros e/ou Lya Luft e/ou Letícia Wierzchowski. E o Daniel Galera
tem frequentado agora. Então são gerações de autores de 70, 50 e até 30
anos muito bem representadas. É uma sensação de ter uma nova floração
desse circuito.
Altair Martins – Acho que hoje não há mais “dentro e
fora” do Estado. Autores daqui agora são publicados em outros Estados,
autores de fora são publicados por editoras locais, e tem gente daqui
que não lança livro aqui, o que também é espantoso. Não sei quando isso
acabou, mas acho que o processo teve início quando um grupo de autores
como o Tabajara Ruas deram esse salto. O Tabajara
causou um estardalhaço dizendo que pela primeira vez estava sendo
editado verdadeira e profissionalmente. Aí a Cíntia, o João Gilberto Noll e outros escritores começaram a frequentar esse mercado editorial chamado de “brasileiro”. O jornal paranaense Cândido até fez matérias a respeito das cenas literárias tentando mapear isso. A gente nota que as cenas literárias são híbridas. O Galera, por exemplo é de São Paulo e a gente considera gaúcho.
Carol Bensimon – Sim, e ainda há gaúchos que não estão aqui, estão morando fora...
Fischer – Perdeu-se um pouco da noção de “daqui” e
“de fora daqui”, porque os mercados se unificaram, e vocês continuam
sendo exemplos que passaram por esse processo de publicar por editoras
pequenas e depois deram um salto. Isso não é bom nem mau, é uma
contingência.
Daniel Galera – Mas o fato de alguns escritores da
nossa geração terem ganhado certa evidência passa por terem partido
dessa perspectiva que o Altair está falando, de que não há mais
diferenças. Quando criamos a Livros do Mal, embora a editora fosse
minúscula, um projeto independente com tiragens pequenas, a gente de
fato vendeu as tiragens quase inteiras, não só aqui, e sim para o Brasil
inteiro, tendo cobertura de imprensa em todo o país logo nos primeiros
livros. Isso em outubro de 2001. Perguntavam pra gente como isso dava
certo. A gente respondia: “Olha, a gente não sabe bem, mas uma das
coisas é não se apresentar como literatura regional ou gaúcha”.
Fischer – Por outro lado, vocês mantêm o sotaque. No
teu texto, Galera, aparece “tu vai”, “tu foi” e outras formações assim
francamente, sem maiores restrições.
Galera – É, mas eu sou daqui. Isso que estou falando
não passa por negar que o ponto de referência cultural, histórico e
geográfico é aqui. É uma questão de mercado, de não dar tanta
importância ao fato de o autor ser gaúcho no momento de apresenta-lo ou
divulgar seu livro.
Fischer – Isso não é mérito nem demérito, é um
traço, porque na minha geração cronológica, ninguém escrevia “tu vai”.
Essa naturalidade é uma conquista magnífica. É possível escolher sem
drama. Isso era um dilema terrível...
Galera – Isso era uma coisa que incomodava 15 anos atrás e já não é mais mencionado....
Carol – Mas ainda é um dilema terrível, eu acho.
Cíntia Moscovich – Era um dilema, mas não chegava a ser terrível.
Altair – Não sei vocês, mas quando meus livros vão
para a revisão nas editoras a primeira coisa a ser assinalada são essas
questões. “Valo”, por exemplo, querem substituir por “cloaca”.
Cíntia – Ou “tu me alcança um copo d’água”. Ele
dizem “Não, aí teria que ser ‘me traz um copo d’água’”. Aí eu insisto
que tem que ser “me alcança”...
Altair – Ou então “Fulana fugiu com um brigadiano”...
Galera – No meu caso, nunca aconteceu isso na Cia. das Letras. Desde o primeiro livro que editei com eles, Mãos de Cavalo,
isso não foi uma questão. A preparação do texto já veio entendendo que
era uma linguagem um pouco oralizada, coloquial, do Sul, de Porto
Alegre. Já nas resenhas e manifestações de críticos e leitores, havia
uma estranheza maior nos meus primeiros livros, que foi deixando de
importar tanto. Sobre Barba Ensopada de Sangue, alguns ainda comentam
que a escrita é um pouco oralizada, gaúcha. É algo que às vezes é
assinalado pela imprensa, mas não segue adiante. Nos primeiros livros,
sim, as críticas ressaltavam, mas para a editora nunca foi uma questão.
Eles têm outros escritores escrevendo em linguagem regional também,
então já estavam acostumados.
POR QUE TANTOS ESCRITORES GAÚCHOS?
Zero Hora – O escritor mineiro Sérgio Rodrigues escreveu em um de seus Sobrescritos, breves sátiras à vida literária, uma narrativa de um cara que encontra muitos gaúchos, todos escritores, do garçom na churrascaria até o motorista do táxi.
É uma brincadeira, mas mostra uma percepção real a ponto de virar
sátira. A que vocês atribuem esta proliferação de escritores?
Cíntia Moscovich – Eu tenho uma teoria, e o Fischer
tem uma teoria semelhante. Ela começa com a proximidade dos países do
Prata, que têm uma grande tradição europeia de incentivo ao letramento,
esse monte de eventos. Mas, nos últimos 15 anos, a permanência dessa
oficina do Assis Brasil e a passagem por ali de gente
que seguiu carreira... Não sei se foi uma coincidência, mas seguiram
carreira e levaram a escrita a sério. O José Castello
disse recentemente algo como “vocês, lá do Sul, são para o resto do
Brasil o que Minas Gerais era na década de 1970, em termos de usina de
produção”...
Luís Augusto Fischer – E é tudo romancista hein... Isso é interessante notar.
Altair Martins – É, o que rareou foi a poesia. mas acho que isso foi em todo o país.
Carol Bensimon – Mas historicamente tem sido assim, parece que a poesia tem menos espaço.
Fischer – Sim, mas na minha geração os autores se lançavam como poetas.
Altair – É verdade, tinha a aventura do poeta. o poeta era o aventureiro...
Fischer – É, todo mundo escreve narrativa longa hoje
em dia. Outra coisa que colabora para que isso aconteça é a bela
tradição republicana do Sul em relação às escolas. No Brasil, foi o
Estado que teve mais escolas públicas desde a Primeira República,
passando por Getúlio Vargas e Leonel Brizola. Isso não é pouco. Coloca
as pessoas a ler, elas acabam lendo. Se fosse em outro lugar, seria o
mesmo, mas casualmente aconteceu aqui.
Altair – E se multiplicaram as feirinhas de livros por todas as cidades.
Fischer – Pois é, vocês foram a feiras de livros no interior do Rio Grande do Sul neste ano?
Daniel Galera – Fui a muitas no ano passado. Este ano, um pouco menos.
Altair – Fui a muitas. Há cidades com seis mil habitantes que têm feira.
ZH – Mas esse não é um fenômeno nacional?
Galera – Eu acho que é nacional.
Carol – Também acho
Fischer – Não é. Saiu um levantamento neste ano
sobre eventos literários no Brasil. Eu não me lembro exatamente dos
números, mas havia uma liderança muito larga do Rio Grande do Sul, cerca
de três vezes maior que o segundo lugar (A pesquisa, conduzida pelo
Itaú Cultural, apontou que há no RS 130 feiras ou festivais literários. O
segundo lugar ficou com São Paulo, com 27 eventos).
Altair – O Ledur também fez um levantamento bem criterioso, e o Rio Grande do Sul tinha uma quantidade maior de livrarias...
FICAR OU PARTIR DO RS
Fischer – Não estou dizendo isso como um bairrismo
tolo. É algo que surpreende mesmo quem vem para cá. Mas eu gostaria de
ouvir um pouco mais sobre vocês: a geração do Erico Verissimo e a do
Luis Fernando Verissimo passavam pela pergunta “Por que vocês não vão
morar no Rio?”. Perguntam para vocês por que não ir para São Paulo?
Carol – Cotidianamente. E tem muito mais gente que está lá do que está aqui.
Galera – Boa parte dos autores gaúchos mais novos
não está mais aqui, e sim em São Paulo ou Rio porque, economicamente,
são cidades que fazem mais sentido. Não para ficar em casa escrevendo
tua obra, mas para trabalhar em outras coisas nas quais trabalham muitos
dos escritores. Eu mesmo morei três anos e meio em São Paulo numa época
em que foi muito importante para mim.
Cíntia – E tinha mais oportunidades de trabalhar com coisas próximas da literatura?
Galera – Tinha mais trabalho por lá. E também faz
diferença porque você conhece mais escritores, jornalistas, editores... A
minha área é trabalho com frila editorial, e tem muita coisas
acontecendo lá. E até hoje, na verdade, eu trabalho para São Paulo
porque tem mais demanda de trabalho, porque pagam melhor...
Cíntia – E por que voltou para cá?
Galera – Por vários motivos. Enfim, eu gosto daqui, é isso, não tem muito mistério.
Fischer – E tu, Carol? Por que ficar?
Carol – Ah, eu não sairia do Rio Grande do Sul, eu sou muito apegada, embora eu saiba que posso estar perdendo alguma coisa com isso.
Fischer – Tem uma diferença de volume, né? Aqui a
gente faz um esforço danado e pagam um cachezinho, daí a escola compra
50 livros... Lá em São Paulo há uma circulação maior de recursos.
Altair – Mas aqui tem coisas muito legais, como esse
projeto Adote um Escritor. É bárbaro, com alunos do EJA de escolas
municipais com a Câmara Rio-Grandense do Livro. Isso dá efeito no
futuro. É um contato direto com o leitor, com ajuda do professor. Aí vêm
perguntas de toda ordem, daquilo que é literatura, desse universo.
INICIATIVAS E POLÍTICAS DE INCENTIVO
ZH – Ou seja, vocês creem que muitos desses fatores que vocês
elencaram para o atual quadro da literatura do Rio Grande do Sul passam
ao largo de iniciativas oficiais?
Altair – Não tenho dúvida. Existe essa tese de que é
preciso se preocupar com Economia, e a cultura por si só vem. Se fosse
assim, eu seria desperdiçado. Eu me formei leitor em biblioteca pública
e em colégio público. Lembro que o IEL levou o Cyro Martins ao meu
colégio, coisas assim... Ainda mais num país como o nosso, que quer dar
um salto maior, a iniciativa pública tem uma responsabilidade imensa.
Fischer – Olhando pela outra ponta, aqui há uma
sociedade que demanda isso. Até acho que há pouca iniciativa pública.
Por exemplo, existem poucas bibliotecas públicas e não há uma política
oficial para compra de livros. Isso é vergonhoso.
Galera – É, esse é outro problema, muitas vezes acho
que a orientação para a política pública aqui em geral, e
especificamente para livros, é muito baseada em números. Abrem xis
bibliotecas novas, xis centros culturais, aí a gente vai olhar e tem
pouco livro, não tem bibliotecário... Isso acontece na Feira do Livro
também: essa obsessão em superar a cada ano mais autógrafos, mais
autores, mais leitores, e a feira virou algo em que ninguém consegue
navegar dentro dela. Acho que a última até teve mais organização, mas me
passa uma imagem de confusão. Não sei como anda agora a biblioteca Josué Guimarães,
mas quando fui coordenador do livro e literatura na SMC não se
compravam livros havia 10 anos. Então acho que, ao invés de ficar
expandindo as coisas numericamente para depois colocar em palanque, é
mais adequado cuidar de algo que já temos, como arrumar a Josué
Guimarães, comprar mil livros novos contemporâneos... Eu fui
recentemente nessa biblioteca que fizeram onde era o prédio do
Carandiru, em São Paulo. É um espaço fenomenal. Tem uma área com toda a
literatura brasileira contemporânea, com livros novos, zerados,
comprados direto das editoras. Aí eu perguntei: “Mas o pessoal vem
aqui?”. “Sim, vem”, me disseram, e vi o pessoal frequentando, lendo,
levando livros...
Fischer – Aí a escala de grana é diferente...
Galera – Claro, custa grana. Politicamente, não sei como é isso. Mas acho que o foco deveria ser qualificar o que já existe.
Fischer – Mas é que as próprias cidades escolhem
fazer uma feirinha ao invés de aparelhar uma biblioteca. Uma feira tem
outro brilho, tem a abertura, o prefeito vai lá, discursa...
Carol – É, e às vezes a literatura fica em segundo plano, privilegiando atrações musicais de peso.
Fischer – Esse ano ainda conseguiram costurar o
Plano do Livro e da Literatura e me parece um avanço legal. Antes, livro
entrava como “material permanente”, ou seja, era o mesmo que comprar
estante ou computador, e essa rubrica só pode ser acionada mediante
licitação ou algo assim. Mas agora, livro é um material de consumo,
assim como comprar um quilo de café. Sob o ponto de vista formal, parece
um grande ganho.
Altair – Do nosso ponto de partida incial, é
interessante lembrar que o ensino de literatura nas escolas do Rio
Grande do Sul contribui muito, porque são poucos os Estados que têm o
ensino formal de literatura, separado de português. E isto também está
em vias de acabar.
Cíntia – Agora, eu tenho dúvidas se as pessoas
realmente leem aqui como se diz. Eu sei que tem um grande número de
escritores, mas não sei se há tantos leitores assim.
Altair – Acho que estamos com uma utopia de
leitores, mas, comparando a outros lugares, acho que há um volume maior
aqui. Principalmente de leitores de literatura.
OS LEITORES E A EDUCAÇÃO
ZH – Vocês falaram na educação e no sistema educacional
daqui. Já surgiram dados dando conta de que, nos últimos 10 anos, esse
sistema está em franca desagregação. Assim, como esta tradição
educacional citada pelo Fischer pode ser responsável pelo atual momento,
essa erosão não pode ter um efeito contrário e negativo?
Cíntia – Eu acho que esse reflexo não é a longo
prazo, acho que já é presente. A formação em termos humanos da nossa
gente está uma porcaria.
Fischer – Vou fazer uma pergunta mais simples na mesma direção: vocês foram a escolas neste ano para falar dos livros de vocês?
Cíntia – Só particular.
Galera – Fui a algumas.
Carol – Sim. Fui a uma pública pela primeira vez e
em outras particulares, dentro do projeto Autor Presente. O professor já
havia trabalhado o livro, até porque o governo do Estado dá uma verba
para comprar certa quantidade de livros, então eles já tinham lido o
texto. Eles estavam felicíssimos por eu estar lá, foi muito legal, mas a
compreensão do livro tinha muita diferença duma escola pública para uma
particular.
Cíntia – Na escola privada era melhor lido?
Carol – Sim.
Galera – Fui a colégios privados de Porto Alegre. Em
geral é muito bom. Vejo um efeito bem grande disso, os alunos ficam
interessados, a gente sempre percebe aqueles três ou quatro que ficam
vidrados, que sabem que vão ler outra coisa depois.
Carol – Mas vários estranham também porque, mesmo os
que já leem, costumam ler mais fantasia, eles estranham o fato de o
livro estar falando de um mundo contemporâneo.
Galera – Isso é normal. Acredito que, para a grande
maioria das pessoas, ler ficção não é algo naturalmente envolvente. Para
alguns é, para mim foi, por exemplo, mas é algo a ser treinado. É
preciso ter o estímulo correto.
Altair – No Adote um Escritor, o professor ajuda, e
aí a gente vê o quanto isso é importante. O professor depois comentou
comigo assim: “após acabar o conto os alunos perguntaram ‘tá, e daí? E
depois?’”.
Cíntia – O “tá, e daí” dá uma vontade de dar uma biaba no meio da orelha (risos).
Altair – Mas é uma pergunta natural de quem nunca leu literatura.
Fischer – Não é uma pergunta legal?
Cíntia – Eu respondo “Eu não sei” e eles dizem “Ah, como é que tu não sabe”...
Altair – Mais aí se explica o conto, o gênero, que faz parte de uma tradição. É isso que eles querem.
Fischer – Em geral, eu vou no Adote um Escritor por
conta do Dicionário de Porto-Alegrês. Para gente desgarrada da escola,
qualquer texto pequeno já pode dar esse mínimo barato da leitura. Então,
não dá pra dizer exatamente que seja uma leitura literária, no meu
caso. Acho realmente que há um abismo configurado entre escola
particular e pública no Rio Grande do Sul. O ensino privado no Estado
está muito bem, mas o público está “pela bola sete”.
Galera – Em outros lugares também. E fui a escolas públicas de São Paulo e do Nordeste, e é o mesmo abismo, talvez até maior.
ZH – Quando ou como esse rompimento entre o “dentro e o fora”
que vocês falavam se deu? Com a internet, os horizontes se ampliaram?
Galera – Isso é uma mudança de sociedade. É
tecnologia e economia. Isso tem tanto a ver com questões literárias
acadêmicas, históricas, quanto com o fato de uma passagem de avião para
São Paulo custar agora R$ 150 ou o fato de existir internet e as pessoas
estarem se comunicando entre autores, leitores e críticos. Tudo isso
influencia.
Fischer – Eu me lembro nessas horas daquela história
do Sérgio Faraco, que ele foi receber um prêmio da Academia Brasileira
de Letras e o Celso Furtado disse: “a sua literatura é muito vigorosa,
mas o senhor poderia ter posto um glossário para explicar algumas
palavras”. Aí o Faraco respondeu: “Mas para ler todo o resto o Aurélio
lhe basta?” (risos). Essas coisas não são mais questões.
Altair – E, para a gurizada, acabou o romance histórico.
Fischer – Aquele romance histórico de quem ainda está cobrando contas do passado acabou, sim. Quando eu tinha 20 anos de idade, o Nelson Coelho de Castro
dizia assim: “eu vou escrever um samba”. Aí tinha gente que ficava
pensando: “Será que um cara de Porto Alegre pode escrever um samba?”
(risos). É sério, perguntavam isso para o Nelson. O que se respondia
para um imbecil que faz uma pergunta dessas? Sim, porra, eu sou
brasileiro, qual é o problema de fazer um samba? Aí depois a gente
ficava pensando “ah, mas eu não vou escrever ‘você’ no samba, mas ‘tu’
também fica estranho”. Isso é uma coisa que já não afeta vocês.
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Reportagem por Carlos André Moreira e Alexandre Lucchese/Especial
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