Leonardo Boff*
O
Papa Francisco entende o Cristinianismo em outra chave. Não é uma
doutrina. É um encontro pessoal com uma Pessoa, com sua causa, com sua
luta, com sua capacidade de enfrentar as dificuldades sem fugir delas.
Inegavelmente
vivemos tempos sombrios nos quais as estrelas-guias desapareceram e com
elas a alegria de viver e a esperança de uma humanidade mais humana e
de uma Terra mais cuidada. As promessas do projeto da tecno-ciência com
seu sonho de um progresso ilimitado e da economia neoliberal de mercado
oferecendo um consumo generalizado produziram decepção e fracassso.
Excluiram milhõe e milhões de pessoas. Bem diz o Papa Francisco:”a
sociedade técnica multiplicou as possibilidades de prazer mas tem grandes
dificuldades de engendrar alegria”(Exortação,n.7). Prazer é coisa dos
sentidos. Alegria é coisa do coração. E nosso modo de ser é sem coração.
Eis
que no meio deste mal-estar mundial irrompeu uma figura que nos
devolveu esperança, alegria e gosto pela beleza: o Papa Francisco. Seu
primeiro texto oficial leva como título Exortação Pontifícia Alegria do Evangelho.Todo texto vem perpassado pela alegria, pelas categorias do
encontro, da proximidade, da misericórdia, da centralidade dos pobres,
da beleza, de “revolução da ternura” e da “mística do viver juntos”.
Essa
alegria não é de bobos alegres que o são sem saber porquê. Ela brota de
um encontro com uma Pessoa concreta que lhe suscitou entusiasmo, lhe
produziu elevo e simplesmente o fascinou. É a figura de Jesus de Nazaré.
Não se trata daquele Cristo, coberto de títulos de pompa e glória que a
teologia posterior lhe conferiu. Mas é o Jesus do povo simples e pobre,
das estradas poirentas da Palestina que trazia palavras de frescor e de
fascínio. O Papa Francisco testemunha o encontro com essa Pessoa. Foi
tão arrebatador que mudou sua vida e lhe criou uma fonte inesgotável de
alegria e de beleza. Para ele evangelizar é refazer esta experiência e a
missão da Igreja é resgatar o frescor e o fascínio pela figura de
Jesus. Evita a palavra já feita oficial de “nova evangelização”. Prefere
“conversão pastoral” feita de alegria, beleza, fascínio, proximidade,
encontro, ternura, amor e misericórdia.
Que
diferença com os seus predecessores de séculos. Apresentavam um
Cristianismo como doutrina, dogma e norma moral. Exigia-se adesão
irrestrita e sem qualquer laivo de dúvidas pois gozava das características da infalibilidade.
O
Papa Francisco entende o Cristinianismo em outra chave. Não é uma
doutrina. É um encontro pessoal com uma Pessoa, com sua causa, com sua
luta, com sua capacidade de enfrentar as dificuldades sem fugir delas. Agradam-se
sobremaneira as palavras contidas na Epístola aos Hebreus onde se diz
que Jesus “passou pelas mesmas provações que nós… que foi cercado de
fraqueza… que entre clamores e lágrimas suplicou àquele que o podia
salvar da morte e que não foi atendido em sua angústia”, consoante os
estudos de dois grandes sábios nas Escrituras A. Harnack e R. Bultmann
que dão essa versão no lugar daquela que está na Epístola”e foi atendido
em sua piedade”(eusebeia em grego pode significar alem de
piedade, também angústia)…”que teve que aprender a obedecer mediante o
sofrimento”(Hebreus 4,15; 5,2.7-8).
Na evangelização tradicional tudo passava pela inteligência intelectual (intellectus fidei)
expresssa pelo credo e pelo catecismo. Na Exortação, o Papa Francisco
chega a dizer que “aprisionamos Cristo em esquemas enfadonhos…e assim
privamos o cristianismo de sua criatividade”(n.11). Em sua versão, a
evangelização passa pela inteligência cordial (intellectus cordis)
porque aí tem sua sede o amor, a misericórdia, a ternura e o frescor da
Pessoa de Jesus. Ela se expressa pela proximidade, pelo encontro, pelo
diálogo e pelo amor. É um cristianismo-casa-aberta para todos, “sem
fiscais de doutrina” e não uma fortaleza fechada e intimidada.
Pois
é esse cristianismo que precisamos, capaz de produzir alegria, pois
tudo o que nasce verdadeiramente de um encontro profundo e verdadeiro
gera alegria que ninguém pode tirar. É como a alegria dos sulafricanos
no sepultamento de Mandela: nascia do fundo do coração e movia todo o
corpo.
Falta-nos em nossa cultura mediática e internética esse espaço do encontro, do olho no
olho, de cara a cara, da pele a pele. Para isso temos que realizar
“saídas”, palavra sempre repetida pelo Papa. “Saída” de nós mesmos para o
outro, “saída” para as periferias existenciais (as solidões e os
abandonos) “saída” para o universo dos pobres. Essa “saída” é um
verdadeiro “Exodo” que trouxe alegria aos hebreu livres do jugo do
faraó.
Nada
melhor que lembrar o testemunho de F. Dostoievsky ao “sair” da Casa dos
Mortos na Sibéria:”Às vezes, Deus me envia instantes de paz; nestes
instantes, amo e sinto que sou amado; foi num desses momentos que compus
para mim mesmo um credo, onde tudo é claro e sagrado. Esse credo é
muito simples. Ei-lo: creio que não existe nada de mais belo, de mais
profundo, de mais simpático, de mais humano, de mais perfeito do que o
Cristo; e eu o digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não
pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está
fora da verdade e que esta não se encontra nele, prefiro ficar com
Cristo a ficar com a verdade”.
O
Papa Francisco faria suas estas palavras de Dostoievsky. Não é uma
verdade abstrata que preenche a vida, mas o encontro vivo com uma
Pessoa, com Jesus, o Nazareno. É a partir dele que a verdade se faz
verdade. Se 2014 nos trouxer um pouco desse encontro (chamem-no de
Cristo, de o Profundo, o Mistério em nós, de o Sagrado de todo o ser)
então teremos cavado uma fonte donde jorra alegria que é infinitamente
melhor que qualquer prazer induzido pelo consumo.
-------------
* Educador. Filósofo. Teólogo. Escritor.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/12/20/ha-saida-para-o-desamparo-atual-e-alegria-para-o-coracao/
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário