domingo, 20 de dezembro de 2009

"Avatar": um universo primitivo em azul


James Cameron - filmando

"Não me interessa tanto fazer um filme com uma nave espacial que estaciona sobre a Casa Branca, até porque depois teremos que aprender a andar de acordo...", diz James Cameron, autor do filme de ficção científica mais tecnológico do ano. "O que me estimula, pelo contrário, é refletir sobre as relações entre pessoas diferentes, pensando no nosso mundo. Há uma grande necessidade de abrir os olhos sobre as diferenças que podem nos unir".

O diretor canadense fala de "Avatar", finalmente pronto depois de cinco anos de trabalho e pelo menos mais de 15 desde o primeiro projeto, que para ser completado precisou atender o desenvolvimento de novas tecnologias preparadas pela equipe da sua Digital Domain. Um épico de ficção científica humanista para o qual Cameron, em colaboração com os animadores da Weta Digital, criou um universo que representa uma pedra angular na hibridização sem solução entre o cinema fotográfico e o digital. Um filme que marca o novo padrão para a técnica da "performance capture", destinado a não desiludir e neste caso a superar as espasmódicas expectativas dos filmes geeks de todo o mundo.

A reportagem é de Luca Celada, publicada no jornal Il Manifesto, 12-12-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Na história, o planeta virgem de Pandora é colonizado pelos humanos, comprometidos com a extração de um mineral preciosíssimo, o unobtânio, do seu subsolo e com a concomitante erradicação dos indígenas, os Na'vi, seres primitivos de três metros de altura, de pele azul luminescente, habitantes de gigantescas árvores. Uma narrativa baseada, enfim, sobre a história colonial de um planeta que todos conhecemos muito bem.


"'Avatar' não é um filme político – afirmou Cameron –, é ficção científica, mas com uma consciência histórica. Fala da exploração da terra alheia – sejam os diamantes na África do Sul, as peles de castor em Yukon no século XVIII, o petróleo hoje no Oriente Médio ou o ouro sul-americano do século XV. Recursos naturais que provocam a cobiça humana a despeito das populações indígenas. No meu filme, os habitantes azuis de Pandora fazem referência a isso, mas é a história da humanidade desde sempre. E estou convencido de que, se pudéssemos, repetiríamos o modelo em mundos extraterrestres".

A referência mais explícita é à conquista das Américas e ao genocídio dos índios. Querendo, em "Avatar", são citados os filmes "Soldado Azul" e "Dança com Lobos" e "Novo Mundo", de Terrence Malick, mas no imperialismo intergalático de "Avatar" existem tanto a Amazônia, quanto o Afeganistão ("Combateremos o terrorismo com o terror!", exclama o coronel dos marines que lidera os soldados ao ataque aos indígenas). Mas os "apaches" azuis de Cameron não são vítimas, como indica Sigourney Weaver, que volta a colaborar com o diretor pela primeira vez desde os tempos da Ripley de "Aliens": na realidade, eles não têm nenhuma intenção de se deixar submeter.

Jake Sully (Sam Worthington) é um sobrevivente marine paraplégico que se alista como operador de avatares, isto é, um clone de indígena telepaticamente controlado, um alter-ego Na'vi, produzido com DNA híbrido humano-alien, que permite que ele se infiltre na tribo com o pretexto de um estudo antropológico liderado pela bem intencionada cientista (Weaver), mas com a verdadeira missão, confiada a ele pela sociedade mineradora, de recolher segredos úteis para remover os nativos das suas ricas terras.


A iniciação de Sully aos modos e costumes do guerreiro é um percurso à la "A vingança de um homem chamado cavalo", sob a tutela de Neytiri, filha do chefe Na'vi, e que nos leva para dentro da aventura no impressionante mundo de Pandora.

"Depois de Titanic, dediquei-me muito à imersão subaquática – explicou Cameron –, à exploração das maravilhas do mar. Considero a direção como uma extensão da exploração do nosso mundo. É uma atividade científica, e eu busco colaborar o quanto for possível com os cientistas. Esse filme, para mim, reforçou o que eu já sabia: devemos apreciar a natureza e buscar entendê-la antes que ela seja destruída. É essencial aprender a coabitar com ela em um equilíbrio diferente, que determinará a nossa própria sobrevivência. Não acredito que haja nada de mau em incorporar os assuntos dos meus documentários submarinos também em um filme que, como esse, é principalmente 'entretenimento'. No fundo, a crítica construtiva sempre foi uma característica da melhor ficção científica".

"Quando Sully afirma que matamos nossa mãe, diz aquilo que inevitavelmente ocorrerá se não soubermos mudar", continuou depois o diretor. "Vi pessoalmente a degradação do fundo do mar que causamos e sei que, se continuar assim, os filhos dos nossos filhos não poderão conhecer o mundo como nós o vemos hoje. E para criar Pandora nos inspiramos na infinita inventividade da natureza. Até as criaturas aladas mais bizarras que imaginamos, de alguma forma – talvez microscópica – estão presentes na terra".

A meticulosidade taxonômica, empregado por Cameron para construir nos mínimos detalhes o seu mundo extraterrestre, confirma-o como o mais científico dos hollywoodianos e, nesse caso, o mais "antropológico". Cameron baseou os seus Na'vi em um mosaico composto por culturas indígenas, entre as quais os bosquímanos do Kalahari, os Maoris, tribos da Indonésia, da Índia e da Polinésia, retomando também o panteísmo animista e "projetando" a gramático da sua linguagem junto com o linguista Paul Frommer, da Universidade da Califórnia.


Cameron, o cientista do cinema, que cresceu admirando as demonstrações "stop-motion" de Ray Harryhausen, já anunciou que publicará uma Pandorapedia, uma enciclopédia universal de Pandora de mais de 300 páginas, que passará pela peneira fauna, flora e cultura do planeta (na realidade, é uma lua no sistema de Alfa Centauri), uma operação à la "Guerras nas Estrelas", outro filme que constrói um universo detalhado e coeso que se estende bem além dos limites da tela.

Principalmente, no mundo "imersivo" criado por Cameron, também graças ao 3D, usado aqui pela primeira vez na história do cinema de modo justificado, existe a demonstração do que o futuro tecnológico é capaz quando não se esquece de ter uma alma. "Avatar" é um filme que sobrevive ao próprio primitivismo, às vezes talvez até ingênuo dos nobres selvagens Na'vi, e pulsa de vida própria por meio da incomparável expressividade dos seres digitais dos quais os intérpretes, digamos, de "Final Fantasy" são quase apenas longínquos antepassados.

Um efeito obtido, principalmente, com o cuidado na "captura" da atuação dos atores, operação desenvolvida em um estúdio de 500 metros quadrados, definido pelo diretor como o "volume". Nesse espaço vazio, a trupe de Cameron dispôs os próprios atores interpretando cada cena e capturando os dados brutos no computador. Mas além dos movimento do corpo (estudados inicialmente com uma equipe de bailarinos), Cameron utilizou uma minitelecâmera fixada a poucos centímetros do rosto de cada ator, capturando também a mínima expressão. Depois de ter adquirido as imagens digitais, elas foram elaboradas pelos animadores da Weta Digital, a sociedade de efeitos especiais de Peter Jackson, na Nova Zelândia.

"A fase de captação é rápida. Emprega-se muito mais tempo – disse Cameron – na preparação dos ambientes e dos atores, mas na Weta puderam reconstruir corpos e rostos sendo fiéis aos dos nossos atores". O resultado, em comparação com os rostos inexpressivos de filmes anteriores com personagens sintéticos, é um salto para a frente justamente na mímica. "Conseguimos preservar a vitalidade das expressões e a luz nos seus olhos, isto é, o coração da atuação. Só depois acrescentamos os 'extras', como os movimentos das orelhas e dos rabos. Mas a regra número um era ser fiel aos atores".


Ao mesmo tempo, no espaço nu do "volume" era suficiente preparar cenografias "topográficas" aproximativas. "Usávamos módulos para simular o terreno acidentado, uma colina ou um tronco de árvores, o que fosse suficiente para dar uma referência para os atores. Em seguida, tudo era elaborado por meio de 'renderings' criados pelos animadores, e eu podia acrescentar a iluminação e o ângulo das câmeras virtuais. Mas também dispúnhamos pela primeira vez de uma câmera de projeto nosso que me permitia ver, já no viewfinder e em tempo real, a interação dos humanos com as criaturas digitais".

E, sem dúvida, a união perfeita em um mesmo universo de personagens "verdadeiros" e "falsos" é o dado sem precedentes desse filme, que torna obsoleta a própria distinção. No fim, um beijo entre um homem e uma alienígena sela o amor intergalático e a esperança para o futuro de Pandora e da humanidade e principalmente ratifica em "Avatar" a meta definitiva do cinema híbrido.
FONTE: IHU online, 20/12/2009

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