Se é verdade que um filho continua a obra do pai, Juan Pablo Escobar, 32 anos, teve o requinte de tentar corrigi-la. Como o nome indica, Juan Pablo é filho do megatraficante colombiano Pablo Escobar. Aliás, indicava. Ele o mudou: em Buenos Aires, onde vive há 15 anos, onde se formou em Arquitetura e de onde não pretende sair, é conhecido como Sebastián Marroquín. Mas Marroquín, mesmo tendo trocado o nome, não rejeita seu passado. Saiu do anonimato para dar novo contorno à trajetória paterna, em busca de depuração.
Ele foi convencido pelo diretor de cinema argentino Nicolas Entel e voltou à Colômbia, país que seu pai um dia pontilhou de sangue. A missão da viagem era de paz. No documentário Pecados de Mi Padre, com imagens em que Escobar aparece em viagem à Disney e na primeira comunhão do filho, por exemplo, ele busca se reconciliar com as famílias de dois políticos mortos a mando do pai nos anos 80 – o ministro da Justiça Rodrigo Lara e o candidato presidencial Luis Carlos Galán.
Marroquín expõe o lado extravagante do chefão do Cartel de Medellín, responsável, nos anos 80, por 80% do mercado mundial de cocaína, com faturamento de US$ 1 milhão por dia – chegou a ter a sétima maior fortuna do mundo, segundo a revista Forbes. Lembra como o pai, que para muitos era um “Robin Hood de Medellín” – pois ajudava os pobres –, encomendou mais de 200 animais exóticos para seu zoológico particular.
O mais chocante, porém, é sua atuação como líder do Cartel de Medellín – chegava à crueldade de enviar convite para o enterro das pessoas que mataria no dia seguinte. Sua campanha de terror, especialmente depois que foi determinada a extradição para os EUA, deixou centenas de mortos, entre políticos, jornalistas e juízes. Em dezembro de 1993, foi morto pela polícia.
Um dos momentos mais fortes do documentário é aquele em que Rodrigo Lara, filho do ministro de mesmo nome, morto em 1984, vai encontrá-lo em Buenos Aires. Em um parque, o abraça e diz:
– Não podemos continuar alimentando esse círculo de ódio, ou nunca vamos sair dele.
Depois, outra cena marcante. Marroquín viaja para a Colômbia. Objetivo: encontrar os filhos de Galán – entre eles, o atual senador Juan Galán. Ao encontrá-los, usa uma frase que poderia ter sido epígrafe do filme:
– Estou aqui para pedir perdão e olhar nos olhos de cada um de vocês.
Pelo jeito, Marroquín está conseguindo esse perdão, apesar das acusações que o identificam como comparsa do seu pai – o que ele nega veementemente.
“Peço perdão pelo meu pai”
Sebastián Marroquín, filho de Pablo Escobar
Foram 10 dias de negociações para que Sebastián Marroquín, ex-Juan Pablo Escobar, falasse com Zero Hora. Mas, enfim, ele falou. Em uma entrevista emotiva, Marroquín conta que produziu o documentário Pecados de Mi Padre (Pecados do Meu Pai), sobre seu pai, o megatraficante Pablo Escobar, não para humanizá-lo, mas para mostrar os erros paternos e, por eles, pedir perdão. Morto em 1993 em confronto com a polícia colombiana, aos 44 anos, Escobar, o bilionário “capo” do Cartel de Medellín, que matou centenas de pessoas e chegou a ser considerado o inimigo nº 1 dos EUA, foi também um pai que contava histórias para o filho dormir, jogava futebol, ensinava a nadar, a andar de bicicleta e até a montar um dos seus elefantes. E cantava músicas do ratinho Topo Gigio para entretê-lo. Marroquín sente um misto de orgulho e vergonha do pai, um homem que amava os filhos. Deixa transparecer também certo ressentimento quando conta que os filhos não deveriam ser responsabilizados pelos atos dos pais.
Confira a entrevista, feita por telefone na segunda-feira:
Zero Hora – A intenção do documentário é modificar a imagem do seu pai? É humanizá-la?
Sebastián Marroquín – Não, é o contrário. É reconhecer seus atos de violência e pedir perdão por eles – e enviar uma mensagem de paz.
ZH – O que mais lhe vem à lembrança sobre a convivência com seu pai?
Marroquín – Era um homem que nos contava histórias para dormir, cantava canções do Topo Gigio para nós, nos ensinava a andar de bicicleta e de elefante.
ZH – Escobar era um bom pai?
Marroquín – Como pai, era como todos os pais que querem ser os melhores. Era uma pessoa terna e amorosa conosco. Nunca mencionou seus assuntos pessoais, de trabalho, para a família.
ZH – Esses assuntos não chegavam até vocês?
Marroquín – Meu pai era uma pessoa que não consultava os outros. Fazia o que lhe dava na telha.
ZH – Como era a convivência do filho de Pablo Escobar com as outras pessoas?
Marroquín – Certamente, era muito difícil, porque sofríamos muita discriminação de parte da sociedade. E continuamos sofrendo.
ZH – O que você diz para os familiares das vítimas do seu pai?
Marroquín – A todos eles, tenho pedido perdão pelos atos atrozes de meu pai. Reconheço a dor que eles, como vítimas, sofreram. Peço perdão pelos seus atos, em nome do meu pai e da verdade. Para eles, que sofreram tanto.
ZH – Qual é o seu sentimento em relação a seu pai: orgulho, vergonha ou os dois?
Marroquín – Meu pai era um homem que gerava muitas paixões. E há muitos sentimentos e ações dele que me fazem sentir orgulho. Há outros que me fazem sentir vergonha, como os atos de violência que protagonizou.
ZH – E o orgulho?
Marroquín – Da ajuda que ele dava aos pobres.
ZH – Você tem irmãos, outros filhos de Pablo Escobar?
Marroquín – Ele teve um filho e uma filha. Tenho uma irmã.
ZH – E ela está de acordo com seu documentário?
Marroquín – Ela nos acompanha, mas preferiu preservar seu anonimato. E eu respeito sua preferência por manter o anonimato.
ZH – Vocês receberam alguma herança do seu pai?
Marroquín – Nenhuma. O dinheiro e as propriedades estão nas mãos do governo colombiano e de governos de outros países, que confiscaram a totalidade de sua fortuna.
ZH – Por que você mora em Buenos Aires e não em Bogotá, por exemplo?
Marroquín – Porque na Colômbia me matariam.
ZH – Por vingança?
Marroquín – Porque as pessoas são intolerantes e consideram que os filhos têm ser responsáveis pelos atos dos pais. Há pessoas que gostam de ver o mundo ao contrário.
REPORTAGEM por LÉO GERCHMANN
FONTE: Zero Hora online, 20/12/2009
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