Ao mesmo tempo que o Brasil se saiu bem da crise mundial e o primeiro presidente negro chegou à Casa Branca, a agenda ambiental foi negligenciada pelos principais líderes mundiais e atos de corrupção inundaram gabinetes políticos
Pepe Casals
O ano de 2009 correu rápido, mas não vai passar em branco. Foi o ano que carregou uma crise mundial nas costas, viu o primeiro presidente negro se instalar na Casa Branca e ainda jogou luzes no Brasil. O país saiu da recessão econômica menos machucado do que seus primos desenvolvidos, ganhou o direito de receber a Copa do Mundo em 2014 e a Olimpíada em 2016.
"Os números mostram que os brasileiros estão vivendo mais e melhor", diz o escritor Moacyr Scliar, uma das 12 personalidades que listam, nesta edição, o que deve ser lembrado em 2009. Mas nem tudo merece fogos desenhados nos céus, neste ano, e todos eles também comentam o que deve ser esquecido. O ano estampou a violência no futebol nacional e cenas de corrupção em Brasília. Fora dos limites do país, o economista Eduardo Giannetti amplia o quadro e lembra a regressão política na América Latina, com crises pontuais na Argentina e Venezuela. "Chanchada, ópera bufa? É difícil escolher o gênero que melhor define as desventuras da democracia na região", diz o professor do Insper.
Especialista em contar histórias na ficção, o autor de "Viver a Vida", telenovela exibida no horário nobre da Globo, Manoel Carlos chama a atenção para o preconceito racial, no momento em que escreve uma obra com uma protagonista negra. "O preconceito continua vivo e atuante", observa.
Para a professora de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Olgária Matos, as universidades federais devem produzir civilidade e aprimorar os valores éticos da sociedade. "Mas os políticos estão atribuindo novos usos às cuecas e às meias", alfineta o escritor e dramaturgo Marçal Aquino, referindo-se à chuva de acusações que cai no governo do Distrito Federal.
Por enquanto, a chuva real que alaga cidades parece chamar a atenção para outro assunto que dominou 2009 e deve ganhar força em 2010: uma maior preocupação com o ambiente. "A Amazônia continua sendo devastada", destaca o estilista Lino Villaventura, nascido no Pará. "O aquecimento global avança e parece que esquecemos nossa responsabilidade com a sustentabilidade do planeta."
(Jacílio Saraiva)
Leo Pinheiro/Valor
Estivemos à beira de um precipício financeiro global em 2009 e por muito pouco não caímos nele. Que diferença faz um ano! No fim de 2008, os prognósticos e paralelos eram os mais sombrios: uma depressão como a dos anos 1930, uma deflação japonesa, "o Muro de Berlim do capitalismo". Hoje sabemos que, embora grave, a crise não provocou nada parecido. O impacto da debacle financeira sobre a economia real foi grandemente atenuado graças a um coquetel agressivo de socorro aos bancos, estímulos monetários e sustentação da demanda. O temor da catástrofe e um pragmatismo de emergência, pautado pelas lições do passado, atropelaram o apego a quaisquer pruridos teóricos ou ideológicos. Para salvar as economias, os governos do mundo não pouparam esforços. E diante de um precipício ecológico, fariam o mesmo?
Por outro lado, este ano deve ser esquecido porque a regressão política na América Latina se agravou e ofereceu um espetáculo confrangedor de populismo, corrupção, truculência e desrespeito à ordem democrática. As "repúblicas bolivarianas" e congêneres se alastram pelo continente, a Venezuela ameaça uma guerra, a Argentina se afunda na sua irrefreável vocação para o desastre, a Colômbia meteu-se num imbróglio sucessório, o Paraguai está na corda bamba e o drama hondurenho deu no que deu. No Brasil, os escândalos proliferam, a impunidade impera e a desmoralização dos políticos e da política só faz crescer. Chanchada, ópera bufa, farsa burlesca, tragicomédia? É difícil escolher o gênero que melhor defina as desventuras da democracia na América Latina.
Eduardo Giannetti, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é autor de "O Valor do Amanhã" (Companhia das Letras)
Para os brasileiros, este ano deve ser lembrado pelo pouco dano aopaís com a crise financeira internacional. Para os cariocas, pela Olimpíada de 2016 e pelo lançamento das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Para os tricolores cariocas, pela arrancada do Fluminense no final do campeonato brasileiro.
Mas, para os mesmos brasileiros, o ano de 2009 deve ser esquecido pelo avanço da estatização - no pré-sal, no setor financeiro, nos gastos do governo. Para os cariocas, pela continuada deterioração do aeroporto do Galeão. Para os tricolores do Rio, pelos 98% de chance de o Fluminense ser rebaixado a dez rodadas do final do Campeonato Brasileiro.
Edmar Bacha, economista e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, é consultor do Banco Itaú BBA
Gustavo Pellizon/Agência O Globo
Neste ano, e apesar de tudo, o Brasil e a humanidade avançaram. Em nosso país, os números mostram que as pessoas estão vivendo mais e melhor. E, no mundo, apesar de tudo, a crise econômica foi praticamente superada. Mas 2009 é também um ano para ser esquecido, principalmente por causa da corrupção na política brasileira, das guerras, por causa da violência no Brasil, da crise ambiental e por causa do fanatismo.
Moacyr Scliar, médico e escritor, é autor de "Manual da Paixão Solitária" (Companhia das Letras), vencedor do Prêmio Jabuti de 2009
Sérgio Zacchi/Valor
Devemos sempre nos lembrar dos políticos corruptos, para que nas próximas eleições possamos dar uma resposta. Todo ano deve ser lembrado e nada deve ser esquecido. Os momentos felizes, as realizações, os amigos, as pessoas que amamos. Não podemos esquecer que não estamos sozinhos, que fazemos parte de um sistema onde cada um é responsável pelo todo. Devemos nos lembrar da nossa responsabilidade com a sustentabilidade do planeta, lembrar que foi mais um ano de muito discurso e planejamento, mas a Amazônia continua sendo devastada e o aquecimento global está em pleno avanço.
Lino Villaventura é estilista
Folha Imagem
O ano de 2009 é um ano para ser lembrado pelos novos usos que os políticos atribuíram às cuecas e meias. E deve ser esquecido pelos velhos usos que os políticos atribuíram às cuecas e meias - ou seja, coisas baixas? Roupas de baixo.
Marçal Aquino é escritor, dramaturgo e roteirista
Carol Carquejeiro/Valor
Foi um ano excelente para o futebol brasileiro com a conquista da Copa das Confederações pela seleção, a classificação para a Copa do Mundo e os resultados expressivos contra seleções rivais, como Argentina, Itália e Portugal. Também foi um ano sensacional para o esporte do Brasil, com a definição do Rio como sede da Olimpíada de 2016. No entanto, este ano também deve ser esquecido, sobretudo pelas agressões a jogadores e pela violência no futebol, como vimos em Curitiba, na última rodada do Campeonato Brasileiro.
Luís Fabiano, jogador de futebol, veste a camisa 9 da seleção brasileira
Anna Carolina Negri/Valor
Memorável, neste ano, é o projeto de expansão das universidades federais no Brasil que, por sua natureza, deve produzir civilidade, desenvolver conhecimentos e aprimorar os valores éticos e estéticos da sociedade. O que vai de encontro à educação privada, cujo objetivo, quase em sua totalidade, é mercadoria mais cara ou mais barata, mas não engajada com a "vida do espírito". Boa ocasião para pensar na reversão do ensino privado em rede pública que garanta, no longo prazo, a continuidade da formação escolar e universitária digna desse nome, para todos.
Por outro lado, a economia e as estatísticas que nada dizem da felicidade ou da infelicidade de cada um devem ser esquecidas. Vamos começar a pensar para além do que a mídia pauta para a discussão e o registro repetitivo e triste que ela impõe como padrão, para liberar um tempo mental para as necessidades éticas e estéticas de cada um e do todo.
Olgária Matos é professora de filosofia da USP
Felipe Hanowen/Agência O Globo
Este ano deve ser lembrado pelo fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defender a ideia do Brasil como um país ascendente socialmente. Mas, ao mesmo tempo, o ano deve ser esquecido por Lula tomar as mesmas atitudes que ele tanto criticava nos seus antecessores e pelo ranço de política cínica que ainda existe no Brasil.
Alex Atala é chef de cozinha
Leo Pinheiro/Valor
O ano de 2009 deve ser lembrado, entre algumas poucas coisas, por trazer Barack Obama eleito à Presidência dos Estados Unidos. E deve ser esquecido, entre muitas outras coisas, por se sentir que o preconceito racial continua vivo e atuante, inclusive no Brasil.
Manoel Carlos é autor de "Viver a Vida", telenovela exibida na Rede Globo
Luciana Whitaker/Folha Imagem
Temos a lembrar, sempre, o escândalo de Brasília como o último decorrente da crença na impunidade. Note que digo crença - e este ano deve ser lembrado exatamente por se deixar de acreditar na impunidade, uma vez que o corrupto resolveu delatar por não acreditar que sairia ileso. Devemos esquecer a ideia de que as instituições políticas brasileiras não são adequadas e, por isso, não seriam capazes de promover a diminuição da desigualdade, políticas do interesse da maioria do povo e, simultaneamente, o desenvolvimento econômico.
Argelina Cheibub Figueiredo, Ph.D. em ciência política, professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e pesquisadora associada do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)
Sergio zacchi/Valor
Este foi o ano em que a internet se consolidou verdadeiramente como um grande canal de comunicação para o entretenimento. Foi um ano em que a tecnologia também se colocou à disposição do consumidor de uma forma cada vez mais rápida, interativa e fácil para quem compra músicas avulsas, álbuns inteiros, vídeos, filmes e até mesmo literatura, com os novos leitores digitais para e-books. Mas 2009 também merece ser esquecido porque foi um ano em que as lojas especializadas em música foram acabando definitivamente. No mundo inteiro, se consome cada vez mais o virtual e não mais o formato físico dos discos, com o qual estávamos todos acostumados. Para uma pessoa como eu, que gosta de ter o álbum, manuseá-lo, ver a capa e ler o encarte, é uma grande perda. Não poderíamos conviver perfeitamente com os dois formatos?
Celso Fonseca é cantor, compositor e produtor musical
Neste ano foi a primeira vez que a minha geração viu o país sair de uma crise ainda mais fortalecido. Imagino que para a geração do meu filho, que completou 21 anos em 2009, não cause a mesma surpresa e satisfação que provocou nas pessoas que, como eu, passaram por diversos planos econômicos e sobreviveram a inflações que atingiam a casa dos três dígitos mensais. Senti orgulho ao explicar para os meus superiores na Finlândia que as vendas no Brasil estavam crescendo, enquanto os países desenvolvidos estavam estagnados.
Mas, neste ano, eu quero esquecer que este ano o comitê do Nobel escolheu Barack Obama para receber o Nobel da Paz. Fiquei bastante feliz que Obama tenha sido eleito presidente pelos americanos, mas estranhei muito o fato de ser premiado sem ter feito, de fato, algo pela paz. É uma instituição que sempre admirei, mas me decepcionou em 2009.
Almir Narcizo é presidente da Nokia do Brasil
FONTE: Valor Econômico online, 23/12/2009
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