sábado, 26 de dezembro de 2009

Conta em dólar no Brasil? Esqueça!

Alexandre Barros*


Os vários anos em que vivi na International House de Chicago foram os melhores de minha vida. Ganhei amizades do mundo inteiro. Meus colegas economistas me ensinaram muito em conversas. O resto aprendi lendo e vivendo.

Lembra-se, leitor, do confisco de Collor? Pois é, quando as economias de sua vida inteira viraram pó graças a uma sandice do presidente e de seus ministros. A operação foi simples. José Sarney, que saía, decretou um feriado bancário, mancomunado com Fernando Collor, que entrava. A vilania de Collor não teria sido possível sem a cumplicidade de Sarney. Uma penada, bancos fechados e seu dinheiro congelado. Collor cortou o sangue que mantinha viva a economia brasilleira. Efeito benéfico? Zero. Na política econômica amanteigada, que está ameaçando virar moda, o governo propõe autorizar os bancos que funcionam no Brasil a receberem depósitos em moedas estrangeiras. Uma das lições que meus amigos economistas da International House me ensinaram: nunca abra conta bancária numa moeda que não seja a emitida pelo país em que está o banco. É simples: a receita de Collor pode ser aplicada a qualquer momento.

Abrir conta em moeda forte num banco no país que não é o emissor da moeda é colocar todos os seus frangos no galinheiro da raposa.

O Banco Central do Brasil vem administrando a política monetária e o câmbio de maneira inatacável, só que seus dirigentes passam e vão fazer outras coisas na vida. Em 2011 vem um governo que ninguém sabe qual será. Tampouco sabe-se como pensam os dois candidatos com mais chance de serem eleitos, se a eleição fosse hoje. Serra e Dilma (ou vice-versa) são atores desconhecidos em matéria de política econômica. Qualquer um pode fazer desde as coisas mais corretas (como acabou fazendo Lula, apesar das previsões pessimistas em 2002) até bobagens, como Collor.

Quando a sua conta é em moeda estrangeira se agrega uma variável ausente nos tempos de Collor. Se muitos brasileiros fugirem do real e depositarem seus caraminguás em bancos instalados no Brasil, a raposa terá todos esses valiosos frangos no seu galinheiro. Outra penada igual à de Collor e seu dinheiro virará fumaça invisível.

Isso acontece quando o país tem muitas dívidas em moedas estrangeiras e não as tem em quantidade suficiente para pagá-las. A solução mais fácil é congelar os depósitos de quem acreditou no governo quando ele disse que você poderia ter sua conta em moeda estrangeira.

Depois ele dirá aos brasileiros que ninguém perdeu nada, porque o governo pagará a todos. Só que o que você tinha em moeda estrangeira será pago em moeda nacional. O mais grave é que o governo roubará o seu rico dinheirinho fixando a taxa de câmbio que bem lhe aprouver. E você não ficará sequer a ver navios.

A história econômica é pródiga em exemplos. Os países começam a se endividar em moeda estrangeira e a coisa fica séria quando o governo fixa a taxa de câmbio (em vez de deixá-la flutuar). O primeiro passo foi dado pelo ministro da fazenda, Guido Mantega, em 17 novembro de 2009, quando declarou na Fiesp que o preço ideal do dólar seria de R$ 2,60. O primeiro passo da política cambial amanteigada foi dado.

Sem o mercado sinalizador para dizer quanto vale de verdade cada moeda (já que na política cambial amanteigada as moedas valem o que diz o governo), os desequilíbrios e as dívidas do governo começam a acumular e você ficará erradamente tranquilo e confiante, porque suas economias estão em moeda estrangeira.

De repente, o Brasil fica sem dinheiro para pagar suas contas, mas a solução está à mão: seu rico dinheirinho em moeda estrangeira será confiscado pelo governo para pagar as dívidas dele. O mico é todo seu.

Não estou insinuando nem que isso vai acontecer, nem que isso pode acontecer, nem quando, mas os sinais de fumaça já estão aí: governo intervindo na taxa de câmbio e a consequente perda de referência do valor verdadeiro de cada moeda.

As pessoas que decidem a política cambial mudam e com elas as concepções e políticas. Felizmente, nos últimos anos tivemos pessoas responsáveis na administração monetária e cambial, mas com as mudanças incertas que podem estar por vir, nunca se sabe o que podem fazer seus sucessores. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Se você não sabia o que faz um analista de risco político, este é um bom exemplo. Avisa às pessoas aquelas coisas perigosas que nem sempre são aparentes à primeira vista. Não sou portador de más notícias. E mais, quase sempre prefiro prever o passado, porque minha taxa de acerto é sempre de 100%. Às vezes, no entanto, arrisco-me a prever o futuro. Agora me sinto na obrigação de fazê-lo.

Desejo apenas lembrar-lhe que todos os negócios ótimos sempre acabam sendo ilegais ou demasiado arriscados. Assim começam as bolhas.

A crise de 2008-2009 foi assim: os americanos achavam que suas casas subiriam de valor indefinidamente. Re-hipotecavam-nas várias vezes, confiantes de que aquele amontoado de madeira, tijolos e tintas subiria de preço sempre. Quando o mercado (que são milhões de pessoas tomando decisões independentes que ninguém controla) passou a achar que aquelas casas não valiam aquilo que os proprietários achavam, a bolha estourou, como as bolhas de sabão que fazíamos quando crianças.

Dois princípios básicos: um, informação é um bem que, como qualquer outro, não é distribuído igualmente por toda a humanidade - quando você desconfiar que o governo pode congelar os seus depósitos, ele já o terá feito. Você é que vai ficar pendurado na brocha. Dois, considere sempre que as outras raposas são sempre mais felpudas do que você.

Boa sorte e esqueça conta em moeda estrangeira no Brasil.

*Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. - University of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Risco Político (Brasília) E-mail: alex@eaw.com.br
FONTE: Estadão online, 26/12/2009

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