A iluminação chega emum voo Detroit-Amsterdã. Na falta de sono, tiro da bolsa o passatempo habitual: a volumosa edição dominical do The New York Times, da revista Economist, da New Yorker e a última coleção dos contos de Alice Munro, intitulados "Too Much Happiness", muita felicidade. Um par de quilos de papel, e o voo transoceânico deveria passar em piscar de olhos.
Ao meu lado, um jovem afro-americano tira aquela coisa superplana, sutil, leve. O Kindle da Amazon, o leitor eletrônico que eu já vi tantas vezes nas mãos de amigos ou dos viajantes do metrô de Nova York. Nos encontros anteriores, eu havia mostrado uma cauta curiosidade. Havia admirado a luz natural que emana daquele caderno digital, nada cansativa como a tela do computador. A dimensão também: entra no bolso de uma boa jaqueta.
A nota é de Federico Rampini, publicado no jornal La Repubblica, 11-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas havia parado ali. Um pouco pelo preço ainda alto do "gadget" (300 dólares). Um pouco pelo antigo amor ao papel, cuja existência acabei identificando com a sobrevivência do meu trabalho.
A fulguração no caminho de Damasco ocorreu naquele voo noturno da Northwest. Improvisadamente, entendi o absurdo da situação. Eu, para ler o New York Times, tenho que abraçar, apalpar aquelas folhas grandes como lençóis, infligindo cotoveladas involuntárias no meu vizinho. No fim, tenho as mãos sujas de tinta. E fiz a minha parte para destruir algumas florestas.
Ele está lendo o mesmo New York Times, em um aparelho que pesa o mesmo que um celular. Paga o copyright, não é um parasita que faz complô pelo fim do jornalismo. Pode acessar 350.000 livros, sem que uma só árvore seja cortada.
Pode ser que o destino final da minha viagem me leve a Copenhague, mas devo me render. Hoje, o melhor incentivo para o presente tecnológico é a vontade de comodidade, envolta em um álibi de economia de CO2.
FONTE: IHU/Unisinos online, 12/12/2009
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