Entrevista José Alencar
“É um milagre o que está acontecendo comigo".
Fotos: Paulo de Araújo/CB/D.A Press
Com um bloco de papel na cabeceira da mesa e uma caneta, o vice-presidente da República, José Alencar, desenha possibilidades de aliança em 2010. Mas, mineiramente, desconversa sobre um ou outro candidato e cobra “desprendimento” dos políticos. Aos 78 anos, o mineiro de Muriaé, na Zona da Mata, que chegou ao cargo graças a uma bem-sucedida aliança entre um líder sindical e um representante patronal, garante que palanque bom é aquele em que o eleitor entende o que está sendo proposto. Na última segunda-feira, Alencar recebeu o Correio para uma conversa de mais de uma hora em seu gabinete. Bem disposto, mandou recados à classe política.
“Não quero um dia a mais para jogar fora toda a minha vida de seriedade. Não vale a pena”, disse o vice-presidente. Desde 1997, ele trava uma batalha contra o câncer. Já foi operado 15 vezes. Nada que o faça desanimar. “Quero que meus filhos, netos, bisnetos e amigos tenham orgulho de dizer que conviveram comigo, porque quando o camarada se envereda para o lado errado o que se ouve é: ‘o Zé Alencar? Já ouvi falar nele, mas não conheço’.” Então, o camarada está morto. Morreu ainda em vida, como ele conta.
Rindo, o vice-presidente, que era senador e pretende encarar as urnas novamente, garante que não vai morrer nunca. Ficarão as lembranças. A ampla sala onde ele passa boa parte do tempo também é cheia de memórias. Réplicas de caças e navios do tempo que comandou o Ministério da Defesa, artesanatos do seu estado e presentes, como a imagem de Nossa Senhora, não o deixam esquecer o carinho e a comoção que sua doença causou pelo país afora. Alencar poupa pedidos. Só quer mesmo “humildade” e, depois de meia hora de conversa, “um bom café”. Em compensação, agradece. “É um milagre o que está acontecendo comigo.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse que a história de vida de vocês é parecida. O senhor concorda?
É uma semelhança distante, porque ele é o presidente da República e eu ainda não cheguei lá. A diferença é grande. A nossa história também. O Lula é nascido no interior de Pernambuco e veio para o sul numa dificuldade muito séria. Ele veio trabalhar muito cedo na Região do ABC de São Paulo. Eu saí de casa aos 13 anos para trabalhar na cidade como empregado e isso pode ter alguma semelhança. Minha vida é muito mais modesta.
A batalha contra o câncer o transformou num exemplo para muita gente. Como o senhor lida com essa situação ?
Ninguém tem nada a ver com o câncer do Zé Alencar, mas tem com o do vice-presidente. Porque o homem público não se pertence. Tem o dever de ser transparente. O povo fala: “o Zé Alencar foi operado durante 18 horas. É muita coragem”. Mas que coragem ? Se os médicos falaram que tem de operar, acabou. É uma decisão tranquila. “Ah, mas a operação corre risco.” Mas tudo corre risco. A vida é um risco. Que coragem é essa se não tenho alternativa… O caminho é único. Coragem era dizer não. As pessoas têm sido generosas. Fico preocupado porque não sei se mereço tudo isso que está acontecendo. Tenho que pedir a Deus: humildade, humildade e humildade, para que isso não me suba à cabeça e eu fique pensando que sou o tal. Deixo que Deus decida. Basta rezar o Pai-Nosso, porque tem um trecho que diz “seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”, que significa em qualquer circunstância, em qualquer lugar, seja feita a vossa vontade.
Tem recebido muitas manifestações de apoio ?
São cartas, visitas… É uma coisa extraordinária. Pessoas que falam “meu irmão estava assim, minha filha também e o senhor foi decisivo porque deu coragem e agora ela está indo bem”. O pensamento positivo ajuda. O negativismo não é bom. Mas isso eu não sou. E não é por causa do problema de saúde não. Sempre fui assim. O câncer voltou? Papai já ensinava, o desespero não ajuda. Tem que ter serenidade. O que pode ser feito agora? Então, vamos fazer. Fui operado 15 vezes na minha vida.
Em setembro, o senhor chegou a dizer que estava cansado. Qual é o quadro atual da doença ?
Melhorei muito. Retomei a quimioterapia clássica com aquele coquetel de medicamentos e 50 dias depois foram feitos os primeiros exames. Houve redução de 30% no tamanho deles. Foi um negócio dentro do hospital. Todos se reuniram para entender aquilo. O exame também não mostrou nenhum outro ponto de volta dos antigos. O sarcoma de tecido mole, para usar o termo médico, dá na gordura ou no músculo. Não há muita metástase nesse tipo. O que acontece é que ele volta. A partir de julho de 2006, foram oito operações. Só este ano, três. E outras sete depois de 1997, quando descobri. Naquele ano, perdi um rim e três quartos do estômago. É um negócio impressionante. Mas Deus tem me ajudado muito. Tem me dado muita força. Porque o tratamento não é fácil. Provoca efeitos colaterais que, aí sim, você adoece. O câncer não tem sintoma, o efeito colateral tem. Se tiver perseverança, fé em Deus, maturidade, serenidade e paciência, você passa por isso. Eu não parei de trabalhar.
O senhor acredita que manter o ritmo de trabalho foi decisivo ?
Foi. Já houve quem dissesse que a maior recompensa do trabalho é o trabalho. Não há ninguém que possa afirmar mais isso do que eu. Se não tivesse o que fazer, teria sido pior. Tendo o que fazer, não podia me entregar e não me entreguei hora nenhuma. Entreguei-me a Deus, mas isso é outra coisa. Não é entregar meu corpo, parar e ficar desanimado, encostado. Isso eu não fiz.
Como a sua família lida com essa decisão ?
Eles não gostam de política. Nunca quiseram que eu entrasse na política, mas o que se há de fazer?
O senhor será candidato ao Senado no próximo ano?
Se Deus me curar, levo meu nome a uma disputa para um cargo no Legislativo. Não penso no Executivo porque tenho 78 anos. No fim das eleições, já terei 79. Acho que posso ser muito útil, levando minha experiência muito grande do setor privado, do sindicato patronal, de senador e de vice-presidente. Portanto, posso dar uma grande contribuição. Até para merecer esse apoio que tenho recebido. Mas só me candidato se estiver curado, porque considero até uma desonestidade apresentar um nome, ser eleito, sabendo que posso não exercer o mandato.
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), tem dito que não vai ser vice do Serra. Qual a opinião do senhor a respeito?
Política é dinâmica. Nenhum de nós pode dizer com absoluta segurança o que vai acontecer amanhã. As coisas acontecem independentemente da vontade da gente. Podem acontecer para favorecer uma candidatura ou para desaconselhá-la, mas temos que esperar o tempo passar.
Qual caminho o senhor acha que o governador deveria tomar ?
Qualquer caminho que o Aécio tomar deve ser um caminho muito bem orientado. Costumo dizer que conheço ele antes de ele nascer, porque os dois avôs –- materno e paterno -– foram dois grandes homens públicos. São pessoas que o credenciam. Qualquer tomada de decisão do Aécio deve ser respeitada porque ele é muito bem orientado pelo espírito desses dois homens públicos que foram os avôs dele. Os seus ancestrais devem lhe dar bons conselhos. Então, quem sou eu para dizer alguma coisa?
Mas ficou surpreso com a retirada da candidatura dele à Presidência da República ?
A gente ainda não pode fazer uma avaliação porque as coisas estão por acontecer. Ninguém toma qualquer decisão, assim peremptória, muito antes numa campanha eleitoral. Tem muita água para passar. Ninguém pode afirmar, por exemplo, que o Serra será o candidato. Ele possui um pássaro na mão gigantesco, que é uma candidatura à reeleicão de São Paulo, e ele sabe disso. Está consciente e vai depender do andar da carruagem. Como dizia Neném Prancha: “em sendo redonda a bola, tudo pode acontecer”.
Como o senhor está vendo a indicação do vice na chapa da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff ?
Também está cedo. O caso de um candidato de um partido, seja ele qual for, pressupõe uma aliança nacional e, aí, é preciso consultar o interesse em todos os estados. Porque há determinados lugares em que os líderes são contra a aliança. Não porque sejam contra o candidato, mas é que a aliança não o ajuda nas eleições de seu estado. É hora de paciência.
Outra candidata à Presidência, a senadora Marina Silva (PV-AC), está tentando fazer uma aliança com empresários, assim como o presidente Lula fez. O que o senhor acha desta chapa a ser formada ?
Sou suspeito para falar da Marina porque fomos colegas no Senado e ela sempre me prestigiou muito nas minhas colocações e vice-versa. Nós somos amigos e tenho o maior apreço por ela, que é uma mulher muito séria e de uma origem muito humilde. Cresceu, estudou e é uma moça preparada, dedicada, um colosso. Acho que o Brasil está de parabéns. Desta vez, tem muitos bons candidatos.
Como fica o quadro dos aliados do presidente Lula em Minas ?
O palanque tem que ser inteligível, para que as pessoas entendam. As alianças que estão ali têm que ter sentido. O ruim numa campanha é quando o eleitor não entende. Havendo uma aliança do PMDB com o PT, alcançará Minas.
O presidente Lula vai cuidar disso pessoalmente?
Vai. Quem preside a eleição é ele. Não é nem o candidato. E se você puder ter um cenário parecido no nacional e nos estados, ajuda muito. Há estados com muita complicação. Em outros, essas alianças são naturais porque as pessoas que participam das eleições são aliadas.
Qual o quadro em Minas ?
Há possibilidade de um acordo porque há uma amizade grande de todos. Você pode ter dois candidatos apoiando a mesma candidatura na esfera nacional ou um só. Mas tem que haver desprendimento. Há lugar para todo mundo. O que não pode é todo mundo querer ser governador, por exemplo, porque aí só tem um.
Não podemos terminar a entrevista sem falar de economia. Será o grande cabo eleitoral da ministra Dilma ?
A economia vai muito bem. Então, será sim. Mas não graças à política monetária. Vai bem graças à responsabilidade fiscal, aos investimentos que são objeto de estímulo e às políticas anticíclicas para combater a crise. A economia vai bem apesar da política monetária. A rubrica mais pesada é relativa aos juros com que rolamos nossa dívida, e eles provocaram um desequilíbrio no nosso Orçamento. O grande vilão foram as taxas altas de juros. Me refiro à Selic, que vai levar R$ 1,2 trilhão dos cofres públicos. É um abuso. Não precisava disso.
Qual o desafio do próximo presidente ?
Dar prosseguimento ao trabalho do presidente Lula no concerto internacional. Hoje, o país não tem nada a ver com aquele (do passado). Pode separar antes e depois do Lula. Em toda parte que você vai, a pergunta não é mais sobre o Pelé, de quem temos orgulho. O Brasil é conhecido como um país que dá exemplo. Lula surpreendeu em quase tudo. A mim, nesse trabalho admirável que ele faz lá fora. É um colosso. A liderança e a personalidade dele são admiráveis. Para conversar com a Rainha, no Palácio de Buckingham, ele conversa de igual para igual. Eu falei: “Lula, você fez mal. Na hora que cumprimentou a rainha, você bateu na barriga dela”. E ele fala assim : “ela é minha chapa”. Eles gostam demais dele. Outra coisa, ele não tem complexo. Fala em português mesmo e eles que se danem. Tem um tradutor que explica. Sujeito pegou uma parte, não pegou, ele sai. Não fala nenhuma palavra em inglês e também não entende. Fala o português desembaraçado e eles se viram para traduzir.
REPORTAGEM de ALANA RIZZO e BAPTISTA CHAGAS DE ALMEIDA
FONTE; Correio Braziliense online, 24/12/2009
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