Gláucio Ari Dillon Soares*
A violência impera nas prisões brasileiras. Não há um fator único que a explique. Claro, muitos presos são pessoas violentas. A violência que chega com eles encontra campo fértil e se multiplica. A superlotação conta. Em Pernambuco, por exemplo, um artigo disponível na internet informa que o Presídio Aníbal Bruno, com capacidade para menos de 1.500 presos, tem mais de 3.500; o Centro de Triagem (Cotel), que deveria abrigar perto de 300 presos, estava com quase 1.700 na época; em Igarassu, o número de presos é quatro vezes maior do que a capacidade; a Agroindustrial São João abriga o dobro da capacidade. E assim por diante. A superlotação não é fenômeno pernambucano, é fenômeno brasileiro.
Tumultos, motins e rebeliões são comuns nas prisões brasileiras e, com certa frequência, aparecem na mídia. Em Pernambuco houve, nos últimos dois anos, sete rebeliões, 19 motins e nove tumultos nas unidades prisionais do estado. Em alguns estados, os números são mais altos.
A segurança dos presos tem que ser preocupação constante da direção. Nos últimos dois anos, houve 92 homicídios e sete suicídios nas unidades prisionais (UPs) do estado de Pernambuco, mas nenhum na Penitenciária Juiz Plácido de Souza. Em verdade, ali, desde 1996, não há rebeliões, tumultos, nem homicídios. Houve duas fugas em 2007 — tendo os dois fugitivos sido recapturados.
Por que essa penitenciária é uma exceção? Porque é uma penitenciária com pouca violência e muitas reformas. As reformas começaram em 1996, com duas principais diretrizes: humanização e ressocialização. São dois termos desacreditados porque não são levados a sério. Quando funcionam, o preso entra criminoso e sai cidadão.
Explicação para a baixa violência é a ausência de facções, em contraste com a organização dos criminosos e a luta entre facções que marcam o Rio de Janeiro e outros estados. Em parte, isso se deve às políticas de controle e de exclusão das facções. Membros de facções criminosas são separados e, se possível, enviados para outras penitenciárias. Uma penitenciária em que todos circulam livremente e se relacionam com todos os demais é muito diferente, para melhor, daquelas nas quais os membros de facções em guerra são mantidos separados uns dos outros.
Nas penitenciárias dominadas por uma só facção, o problema é outro. Há menos mortes, mas a facção passa a ter muito poder e controle sobre os presos, formando redes cujos privilégios atuam como incentivos para uma ampla filiação. Desmantelar as facções é precondição para que qualquer estado controle e administre as penitenciárias. O pior cenário se encontra nos estados com várias facções em luta.
As informações relevantes para a boa administração penitenciária não são, apenas, as levadas pela polícia e pela Justiça. Essas se referem ao que aconteceu antes do ingresso na prisão. Interessa o que acontece depois, dentro da prisão. As informações internas são essenciais. Uma diferença relevante entre a penitenciária estudada e o padrão nacional refere-se ao fluxo de informações. Na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, a diretora circula livremente entre os presos. Ela, brincando, afirma que sua segurança é feita por presos.
Em seu escritório encontrei, muitas vezes, presos. Há diálogo, sem perda de autoridade. Em muitas penitenciárias, o diretor se protege, se sente mais vulnerável, e se isola. Cria níveis administrativos que o separam dos presos. Em cada nível, o fluxo de informações é filtrado, como é natural. O que chega à direção pode diferir, e muito, da informação original. Cada nível cria as próprias redes, em que as opiniões de uns contam mais do que a de outros. O que chega à direção chega muito distorcido.
Outro fator cujo poder de explicação não deve ser minimizado é a rede institucional daquela penitenciária com empresas e com o setor privado, num sentido amplo. Muitas se comprometem e efetivamente absorvem ex-presos. Seus benefícios foram captados nas entrevistas com os apenados. Quase todos mencionaram que tinham trabalho esperando por eles nessas empresas ou, às vezes, por oferta de um ex-companheiro que abriu um negócio com base em especialização obtida na prisão.
Nós, cientistas políticos e sociais, temos obrigações com a sociedade que nos paga. Não adianta refugiar-nos na leitura de autores clássicos, de outras realidades e outros tempos. A violência mancha o nosso país. Temos que pesquisar as prisões que não funcionam e as poucas que funcionam e gerar conhecimento para diminuir a violência, dentro e fora das prisões.
*Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
Fonte: Correio Braziliense online, 22/12/2009
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