LUIZ FELIPE PONDÉ*
Quanto mais rápido entendermos que nosso cadáver é "lixo", melhor, diz o idiota
O QUE a arte tem a ver com o concílio climático de Copenhague? Ao que parece, há algo de ridículo na relação. Vejamos.
Mas, antes, um reparo. Nunca soube desenhar nem uma casinha sequer. Sou um zero à esquerda em arte figurativa. Essa minha incapacidade se transformou num critério (às avessas) para minha avaliação não profissional das artes plásticas: quando olho para um quadro e percebo que conseguiria fazer igual, assumo que aquilo não é arte, mas sim oportunismo estético.
Sim, sei que não sou especialista em história da arte, mas suspeito que muita gente que não sabe desenhar ou pintar nada usa bem a tal "desconstrução das artes plásticas" de gente como Picasso ou Kandinsky para dizer que faz "arte conceitual", mas que, no fundo, se pedirem a ele pra desenhar uma casinha, desenhará uma casinha tão horrível quanto a minha.
Exemplo? Lembro-me bem de uma bienal na qual uma grande tela branca constava como importante exemplo de arte contemporânea. Um "manual de instruções" acompanhava a peça a fim de explicar a nós, "mortais", porque aquilo era arte. Papo-furado.
Mas, e daí? A coisa fica pior quando o artista se faz militante político. E aí chegamos à relação entre arte e Copenhague. E como quase todo artista quer ser mais famoso do que é, uma militanciazinha qualquer ajuda a aparecer. E aí as causas abundam porque o mundo é precário mesmo. Não sei se foi Oscar Wilde quem disse, mas alguém disse que toda poesia sincera é ruim. Faço uso dessas sábias palavras para dizer que toda arte política sincera é péssima.
E por quê? Porque o artista-ativista quer mesmo é aparecer.
Recentemente, lendo a Ilustrada (15/12), topei com uma intrigante matéria sobre o concílio bizantino de Copenhague e a participação de artistas-ativistas (em jejum) contra o aquecimento global. Vale esclarecer para o leitor desavisado que "concílios bizantinos", afora o fato que, em muitos concílios, se discutiu coisa séria acerca dos fundamentos do cristianismo, passaram para a história como símbolos de discussões intermináveis sobre "o sexo dos anjos" e o impacto em nossa vida terrena e eterna caso os anjos tivessem ou não sexo.
Também discutiam, podemos deduzir, se havia apenas anjos ou também anjas, e se gemiam no orgasmo. Se fosse hoje em dia, discutir-se-ia também se há anjos gays e anjas lésbicas.
Repito, sou um herege, não acredito que nós, humanos, aqueçamos o planeta. Mas, em breve, estaremos enterrados em impostos e fiscais por conta dessa nova fé e pagando "carbonos" pra respirar.
Pior: se a coisa pegar (e tudo que significa mais controle pega porque vivemos em épocas totalitárias), teremos fiscais ecológicos em nossos enterros, além, é claro, do "ecocadáver". E aí chegamos aos artistas-ativistas a favor de cadáveres verdes.
O que vem a ser um "ecocadáver" ou um cadáver verde? Um "ecocadáver" é um cadáver que, em vez de ser enterrado ou cremado, deverá ser "congelado em nitrogênio líquido, pulverizado em bilhões de partículas e reintegrado ao solo numa nuvem de poeira orgânica".
O método teria sido desenvolvido por uma sueca. Tá vendo, cara leitora irritada, quando digo que o mundo vai começar a acabar pela Escandinávia? O tédio desses caras nos matará a todos... E se os cientistas-sacerdotes da nova fé descobrirem que será melhor para combater o aquecimento global comermos essas partículas orgânicas? Essa gente entediada costuma comer tudo em que aparece na bula a palavra "orgânico".
Sempre pode ficar pior: para a alegria desses artistas em jejum, essa ecopreocupação com os enterros demonstraria nosso avanço em relação ao "conceito" de restos mortais! Quanto mais rápido entendermos que nossos cadáveres são "lixo" poluente, melhor, diz o idiota ativista.
E assim caminha a humanidade. Nem nossos cadáveres estarão a salvo do tédio e da mania de controle. Na democracia, a opressão é invisível e a repressão cai sobre o detalhe. Tudo bem que Nelson Rodrigues já avisava que os idiotas iriam herdar a Terra, mas será que ele imaginou que nem nossos cadáveres ficariam em paz em seu repouso no pó? Nem o pó será livre.
Não, a civilização não é um bem evidente quando se torna excessiva em suas normas. Logo viveremos na paz dos idiotas, e eles gargalharão. Os comedores de rúcula terão enfim vencido a batalha pelo fim do mundo. Sei lá, só posso imaginar que essa gente está de jejum é de sexo.
*Filósofo. Escritor. Colunista da Folha
FONTE: FOLHA online, 21/12/2009
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