sábado, 19 de dezembro de 2009

Porque a razão do planeta são as pessoas

José Otavio Menten*


Especialistas de vários países se reuniram, no mês passado, em Roma, para a Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, convocada pela ONU. Mais do que debater ideias, o fórum pretendeu convencer líderes de governos para a necessidade de um maior engajamento no combate à fome. Pois no encontro faltaram justamente os líderes dos países do Primeiro Mundo, exceto Itália — anfitriã do evento. Talvez também por isso, lamentavelmente, o fórum teve repercussão tímida na mídia e junto à opinião pública no Brasil e no mundo. Por sua vez, vale notar a presença maciça no noticiário da 15ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, COP-15, que acaba de ser realizada em Copenhague, Dinamarca.
Também promovido pelas Nações Unidas, esse encontro, sim, tem monopolizado as articulações de líderes de governos, como o recente périplo de Barack Obama pela China e países industrializados da Ásia. Certamente não é esse caso, mas as preocupações sinceras com o meio ambiente se justificam.
A população mundial, de 6,8 bilhões de pessoas, disputa recursos naturais cada vez mais escassos — independentemente dos efeitos de mudanças climáticas. Porém, não faz sentido insistir no falso dilema “preservar ou desenvolver”. Este leva a outro equívoco, cujas consequências se desenham trágicas: o empenho tépido, pouco decidido, das lideranças mundiais diante do drama da fome.
Preservar o meio ambiente e gerar alimentos não são tarefas excludentes — ocorre exatamente o oposto: integram-se, em sua essência, na própria existência da humanidade. Porque a razão do planeta são as pessoas, os desafios colocados a ambos exigem agenda positiva que compreenda e valorize a missão crucial da agricultura.
No Brasil, há cerca de duas décadas, os arranjos estratégicos envolvendo entidades do setor, comunidade científica, institutos de pesquisa, órgãos de governos e empresas elevaram a agricultura brasileira ao status de uma das mais competitivas do mundo. Em âmbito mundial, louve-se o esforço mobilizador da FAO. Também com alcance internacional, acaba de ser lançada iniciativa liderada por pesquisadores, acadêmicos e profissionais dos segmentos produtivos: o programa Farming First — no Brasil, traduzido pelas entidades apoiadoras como Agricultura em Primeiro Lugar (www.farmingfirst.org). Seu elenco de propostas se destaca por ter sido formulado sob a égide da sustentabilidade que marca o século 21; as diversas ações sugeridas se apoiam em seis pilares: preservar os recursos naturais; partilhar a ciência e o conhecimento com os agricultores; criar acesso e meios de gestão dos insumos de proteção e recursos financeiros; proteger as culturas de danos climáticos, pragas e má conservação dos alimentos; facilitar o acesso ao mercado; priorizar a pesquisa.
Dos planos às ações. Não é recente o apelo de lideranças para que o país estabeleça uma política agrícola clara, abrangente e factível. Hoje, no entanto, os desafios impostos pela segurança alimentar sugerem à sociedade como um todo ampliar sua visão ambiental.
Os agricultores, principalmente os pequenos, nos países pobres e em desenvolvimento, serão as primeiras vítimas das alterações climáticas, de acordo com os especialistas. Para poupar recursos naturais — terra, água e energia — o aumento deverá ocorrer com o rendimento das lavouras, através das inovações tecnológicas. Cite-se como exemplo: de acordo com um estudo da FAO, sem a tecnologia de defesa vegetal, as pragas devoram cerca de 38% dos alimentos nas lavouras. Ainda segundo o órgão, para que um terço a mais da população atual tenha alimentos no ano de 2050, a produção agrícola deverá aumentar em 70%. Portanto, se do campo vêm alimentos, fibras e matérias-primas vegetais renováveis para produção de energia para o mundo, a agricultura é o centro das soluções sustentáveis.

*Mestre em fitopatologia, doutor em agronomia e diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Ande)
FONTE: Correio Braziliense online, 19/12/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário