ROSELY SAYÃO*
Caro leitor, essa é a nossa última conversa do ano. Por isso, gostaria de propor uma reflexão importante.
Temos dado importância exagerada à vida escolar das crianças. Os pais sofrem muita pressão para acompanhar "pari passu" o aprendizado dos filhos: as tarefas de casa, as notas que vêm no boletim e as reuniões com o pessoal da escola para avaliar o desenvolvimento dos filhos e o que eles chamam de dificuldades de aprendizagem. Temos, inclusive, campanhas com depoimentos de artistas famosos para incentivar os pais a ocuparem esses papéis estreitamente ligados aos estudos dos filhos.
Quando as avaliações do filho não são as esperadas, os pais se sentem na obrigação de procurar, por iniciativa própria ou por recomendação da escola, professores particulares, psicopedagogos ou especialistas diversos para checar algum eventual problema que atrapalhe o aprendizado ou explique o baixo aproveitamento.
Essa situação tem criado outra que considero bem delicada: cada vez mais as crianças ocupam o lugar de aluno dentro da família e, consequentemente, o lugar de filho tem se esvaziado. E esse papel é muito mais importante do que o de estudante para a formação das crianças.
É como filho, por exemplo, que a criança aprende o penoso processo da convivência, chamado de socialização. Sim, é difícil para a criança aprender a conter suas reações, inclusive corporais, que manifestam desagrado, frustração ou mesmo sofrimento ao perceber que ela não é o centro do universo, que existem outras pessoas ao seu redor que merecem respeito. E isso, caro leitor, se aprende em casa, sem ligação nenhuma com os estudos, e exige trabalho árduo da parte dos pais.
É também como filho que a criança aprende o princípio da obediência, como já disse. Isso significa aprender a distinguir situações e principalmente pessoas a quem precisa, necessariamente, atender. É também a educação familiar que ensina a criança a proteger os que são menores ou mais frágeis que ela.
É com os pais que os filhos devem aprender o que é certo e o que é errado na comunidade em que vivem, a compartilhar suas coisas com os outros, a respeitar regras e princípios do grupo. É responsabilidade dos pais a formação da consciência social e moral dos filhos.
Como o destino das crianças é o de crescer, os pais precisam, amorosamente, colocar aos filhos a imperiosa necessidade de restringir suas vontades, adiar prazeres e satisfações imediatas em função de objetivos importantes para o crescimento. Cabe aos pais a tarefa de introduzir aos filhos a realidade da vida.
Tudo isso já é trabalho árduo e exige dos pais um relacionamento com os filhos baseado na autoridade e na afetividade e, para tanto, é preciso muita disponibilidade. Ao acrescentarmos a responsabilidade com a vida escolar das crianças, oneramos em demasia a função deles. E isso gera deficits nas suas responsabilidades originais e mais importantes.
Por isso, um de meus votos para o próximo ano é o de que as crianças ocupem, no interior da família, o lugar de filhos, e não de estudantes. Os professores, certamente, dão conta do papel do aluno.
Boas festas a todos e muito obrigada pela companhia em mais este ano.
*ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
FONTE: Folha online, 17/12/2009
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