sábado, 19 de dezembro de 2009

Linguagem múltipla

Vencedor de um dos mais importantes prêmios para autores de língua portuguesa,
Nuno ramos fala de sua trajetória


Nuno Ramos foi revelado como artista plástico ao lado de outros pintores paulistanos que formavam o ateliê Casa 7. De lá, saíram, nos anos 1980, nomes como Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro. Participou de diversas bienais e mostras de arte ao redor do mundo, tem obras em importantes acervos e acaba de ser consagrado também como escritor ao vencer o prêmio Portugal Telecom pelo livro Ó.

A pintura apareceu primeiro na sua vida. Como encontrou a palavra?
Comecei pela poesia, no início da adolescência. Foi uma crise com a palavra e seu caráter abstrato o que me levou às artes plásticas. Logo me identifiquei com o peso, o corpo dos materiais como artista plástico, em contraposição ao sopro abstrato da linguagem. Acho que pude voltar a escrever uns cinco anos depois, então com certa concreção das palavras, sentimento de peso e fisicalidade vocabular. Gostaria de escrever como quem marreta, pisa, dobra, fura, corta.

Como você distingue as duas linguagens?
Ser artista plástico, em suas diversas linguagens, é sempre referir-se a um outro – matéria e corpo. Não acho escrever mais intelectual, talvez mais abstrato, menos comprometido com as leis da física. Por outro lado, há um movimento contrário nesta comparação – o escritor que senta no computador usa a mesma matéria de seu cotidiano. Ele deve purificar a linguagem, libertá-la deste visgo mundano. Para o artista plástico, a separação já está feita. Poucos andam com um pedaço de parafina no bolso. Neste sentido, a literatura é mais concreta. Meu trabalho como artista plástico tenta produzir certo impacto na recepção – tende à grande escala e ao apelo físico. Como escritor, meu tom é menor, talvez em um misto de empatia e estranheza.

E o dia a dia para a realização de um livro e de uma obra de arte?
Escrevo de manhã, com a casa mais quieta, quando “baixa” certa inspiração (dá até vergonha de falar). Tenho muitas vezes a sensação de perder oportunidades de escrever no metrô. Por isso mesmo, nem sempre venço a tela branca. O fluxo, às vezes, simplesmente some. Com as artes plásticas, nada disso ocorre – trabalho com outras pessoas, desenvolvo uma ideia, mas preciso friccioná-la com o corpo que elejo para ela. Há sempre uma operação fora de mim me esperando, uma matéria, com seus limites e características, que preciso entender e com os quais devo negociar. O lado mais neutro e cotidiano de escrever talvez seja o segundo momento, o de reler, cortar, cortar. Esse é, de alguma forma, mais técnico, depende menos de impulso.

Que artistas e escritores o influenciaram e o inspiram?
Fora daqui, Jackson Pollock e Joseph Beuys. No Brasil, Hélio Oiticica. Mas muitos outros artistas me influenciaram pontualmente. Se tivesse que eleger um só livro, diria o Em busca do tempo perdido, do Proust [Marcel], e, nas narrativas curtas, Tchekhov [Anton] e Kafka [Franz]. Outra grande influência veio do Molloy, do Beckett [Samuel], que li mais de uma vez. No Brasil, adoro Drummond, especialmente entre José e Lição de coisas. Acho que A paixão segundo G.H. e contos como O crime do professor de matemática, da Clarice [Lispector], são importantes para mim. Li os japoneses recentemente: Tanizaki [Junichiro], Kawabata [Yasunari], Oe [Kenzaburo]. Ando relendo Emily Dickinson. Adorei o Sebald [Winfried]. Gostei também do Bolaño [Roberto], os contos, especialmente. Tenho um gosto especial pelo Herzog, do Bellow [Saul], e pelo Teatro de Sabat, do Roth [Phillip]. E sempre dou uma olhada nas peças curtas, do fim da vida, do Beckett [Samuel].

Já tem planos para um novo livro?
Devo publicar um livro de narrativas, pensamentos e dispersos, chamado O mau vidraceiro – título tirado de Pequenos poemas em prosa,
do Baudelaire [Charles] – no começo do ano que vem. ©

Fonte: Revista da Cultura - 12/2009 - por SÉRGIO MIGUEZ
- http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/rc29/index2.asp?page=literatura

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