domingo, 13 de dezembro de 2009

O que esperar em 2010

Jaime Pinsky*

Dezembro é o mês das previsões. Cartomantes, economistas, místicos, políticos, especialistas (?) em clima, cientistas políticos, astrólogos e administradores de fundos não resistem à tentação de dar os seus pitacos sobre o que vai acontecer no próximo ano, quem vai ganhar as eleições, quanto vai ser a inflação, que fundos devem subir, quantas pessoas vão morrer em inundações, etc. Como os jornais e revistas são generosos e não colocam, no final do ano, o nome dos adivinhos de plantão e suas previsões lado a lado com o que de fato aconteceu, em nosso país o chute, assim como a grande corrupção, é livre e impune.

Não, caro leitor, não fiz essa introdução para apresentar as minhas previsões. Confesso não ter ideia sobre quem vai ser o candidato do PSDB a presidente, nem se Dilma vai vencer as eleições. Também não sei de qual partido será o próximo mensalão (mensalão, segundo definição de um político cínico, é um sistema de propinas destinado a enriquecer os membros dos partidos adversários e apenas a fazer a necessária caixa de campanha do partido dele). Não sei sequer se as ações da Petrobras e da Vale vão subir ou baixar, nem se o Flamengo vai continuar contando com a colaboração de todos (Corinthians, Grêmio, tribunais esportivos e até adversários) e se tornar bicampeão brasileiro de futebol. O que sei é que, pelo andar da carruagem, algumas coisas de 2009 continuarão a acontecer em 2010. E isso não é necessariamente bom.

Todos já sabem que o ensino fundamental público, que já foi de qualidade quando não era universal, decaiu muito. Todos sabem que o baixo nível (salvo as famosas exceções, que, como se diz, confirmam a regra) contagiou o ensino médio e até o superior. Jornalistas saem da faculdade sem saber escrever; professores, incapazes de ensinar; advogados, sem condições de advogar; administradores, sem noção de sua atividade; psicólogos, sem capacidade de perceber o outro. Colegas da USP, da Unicamp e de várias federais contam que a maioria de seus alunos, mesmo tendo passado pelo vestibular, são quase analfabetos, sem condição de ler e entender um simples texto escrito em nossa língua.

E estamos falando de migalhas de conhecimento, pois a maior parte dos universitários abriu mão de ler livros inteiros. Aliás, os poucos leitores de livros que ainda restam no Brasil preferem obras que lhes apresentem fórmulas prontas, como as listas dos mais vendidos comprovam. Como nada de substancial tem sido feito para alterar essa situação (não me apresentem programinhas mixurucos como sendo a salvação da lavoura. Sabemos todos que não são), a previsão fácil de se fazer é a de que o processo de emburrecimento vai continuar.

Quase todas as cidades brasileiras, além de feias e sem planejamento, são malcuidadas. São Paulo, supostamente a cidade mais rica do país, para completamente quando chove. Mas não é só. A cidade está que é só buracos, o asfalto, rachado, gasto, acabado, em todos os bairros, da periferia ao centro. Num trajeto de exatos quatro quilômetros que faço diariamente, na zona oeste da cidade, contei oito buracos grandes, quinze médios e o leito carroçável destruído em toda a extensão. Não adianta as prefeituras exigirem áreas verdes: prédios continuam sendo projetados e construídos com falsos jardins erguidos sobre garagens de concreto: o solo fica cada vez mais impermeabilizado; a água, não tendo como se infiltrar nele, escorre em direção a bueiros e rios, estes não suportam o volume de água, etc.

O país, os estados e as cidades não têm política habitacional séria, consequente. Os pobres continuam construindo à beira dos rios, em vales secos que inundam com qualquer chuvinha, e nas encostas, que deslizam, matando gente e desalojando milhares. Às vezes casebres são construídos em reservas florestais, como a Cantareira e a Serra do Mar, quando não junto às reservas de água, poluindo-a e exigindo um custo muito maior para torná-la potável. A economia burra que se faz não tendo um projeto de habitação popular maciço se transforma em gastos sem retorno quando as tragédias supostamente naturais provocam desabrigados e mortos. Não é difícil prever que isso vai continuar em 2010.

Em nome do pragmatismo, o compromisso com o próximo deixa de existir. Governos buscam amigos ricos, poderosos, mesmo que antidemocráticos e mentirosos. O importante é gravitar em volta do poder para não perder as oportunidades. Num ano eleitoral, então, adivinhem se a relação entre sociedade e Estado vai ser determinada pela ética...

*Historiador, doutor pela USP, professor titular da Unicamp, diretor editorial da Editora Contexto (http://www.jaimepinsky.com.br/)
FONTE: Correio Braziliense online, 13/12/2009

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