quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Sobre a escola para gays

Tiago Duque*


Nos últimos dias, soubemos da iniciativa do governo Estadual e federal em apoiar o projeto do Grupo E-jovem de criar a primeira escola gay em Campinas, na qual, conforme e-mail divulgado em várias listas de militantes LGBT do País, as atividades terão sempre “foco no jeito de ser e agir das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros”. Através da matéria jornalística do Correio Popular do último dia 22/12, também soubemos que “o objetivo da instituição (...) é valorizar e difundir a Cultura LGBT”.

É sabido que o Grupo E-jovem vem lutando corajosamente contra o preconceito que envolve adolescência e sexualidade subalterna. Através dessa ONG, vários adolescentes conseguiram ajuda para ser mais fortes diante do preconceito de familiares, professores e amigos. As iniciativas de visibilizar a intersecção dessas temáticas ou de criar espaços de sociabilidades mais acolhedores são fundamentais na luta por uma sociedade justa. Porém, há um perigo que devemos considerar na proposta da tal escola. Ela em si não é o que deveríamos atentar, inclusive, não deixa de ser louvável por ser voltada à questão da diversidade sexual, mas o que deveria ser objeto de crítica é o que ela vai ensinar. A mesma postura deveríamos ter em relação aos outros espaços de formação, oficiais ou não. A questão não é onde e nem quem educa, mas o que se aprende.

Não é possível ensinarmos um “jeito de ser” gay, sem criarmos distinções que levarão a mais preconceito, afinal, sobre qual jeito gay será ensinado? Sobre aquele mais discreto e “cidadão” ou sobre aquele, não menos importante, da confusão e da polêmica? Sobre o jeito hetero de ser gay ou sobre o jeito gay de ser como os heretos? Por exemplo, as pesquisas nas áreas das ciências sociais já afirmam que o desejo homo-erótico vivenciado por muitos gays é homofóbico e sexista, afinal, valoriza homens másculos que em nada podem parecem com o feminino.

A homossexualidade é vivida de múltiplas e inclassificáveis formas, assim como a heterossexualidade, e, apesar das insistências identitárias de ambos os lados que afirma o contrário, são inseparáveis, não existe uma sem a outra e, em cada uma destas categorias, há aquelas mais ou menos valorizadas e respeitadas.

Nestes termos, não é possível falar em uma “cultura gay ou hetero”, mas em expressões de gênero e sexualidade que se fundem ou se borram uma na outra e que nunca se dão em oposição, a não ser nas normas que são cotidianamente reiteradas para nos fazer crer que uma coisa está separada “naturalmente” da outra. Todo ensinamento de um modo de ser é frágil, cria-se falsos modelos do jeito de ser gay ou ser hetero, que no fundo são impossíveis de serem vivenciados em sua totalidade.

Além disso, os modelos são comumente perigosos, porque, se aceitos socialmente, replicarão em outras tantas experiências que serão alocadas como alvo de violências, por serem diversas, distintas e diferentes.

O maior desafio da escola gay é não ser ela mesma homofóbica, por isso, deve fazer com que os seus alunos e professores entendam que não existe apenas uma “cultura gay”, à base de maquiagem ou ao som da Madona, mas que a sociedade é mais complexa do que as divisões binárias e fixas.

Nesse aprendizado de fugirmos das ciladas das divisões identitárias e simplistas em prol do reconhecimento, todos somos alunos.

Que o Grupo E-jovem continue corajoso na luta contra o preconceito e crítico o suficiente para não reproduzir as lógicas identitárias, separatistas e preconceituosas da nossa cultura. Não basta ter hetero nas escolas dos gays, como não é o suficiente ter gays assumidos nas escolas da maioria heterossexual. As estruturas de opressões estão para além da visibilidade de nossas identidades, que muitas vezes nascem calcadas em valores a serem transformados em busca de uma sociedade mais acolhedora.

*Tiago Duque é mestre em Sociologia pela UFSCar e militante do Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual de Campinas
FONTE: Correio Popular online, 31/12/2009

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