quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Primeiro Jesus, depois o Papai Noel

Deonísio da Silva*


A concepção de Jesus foi fixada em março para que o nascimento pudesse ser comemorado em 25 de dezembro (nove meses depois), coincidindo com a festa pagã instituída pelo imperador Aureliano (214-275) para comemorar o solstício de inverno, que homenageava o Sol.
Até o século IV, porém, o Natal foi comemorado, ora a 20 de março, ora a 28 de maio.
O Evangelho de São Lucas diz que Jesus nasceu em Belém porque Maria, nos últimos dias da gravidez, estava em viagem, acompanhando o marido no recenseamento ordenado pelo imperador Caio Júlio César Otaviano Augusto (63 a.C.-14 d.C.), segundo o qual as informações deveriam ser prestadas em Belém, cidade onde tinha nascido o declarante, José. Belém fica a 150 km de Nazaré.
Na época, a distância era percorrida em quatro ou cinco dias, provavelmente em caravana de camelos.
A gravidez de Maria é anunciada pelo anjo Gabriel em meio a uma luz muito brilhante. Outro anjo, este anônimo, aparece a pastores que pernoitavam no campo guardando os rebanhos. Eles sentem medo, mas o anjo os acalma: “Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria”. E a seguir um coro de anjos proclama duas das frases mais emblemáticas do Natal: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”.
O cenário, a iluminação, os personagens e a coreografia, segundo o Evangelho de São Lucas, estavam impecáveis na celebração de um acontecimento que iria mudar a civilização, a ponto de dividir a história entre antes e depois de Cristo (a.C. e d.C.).
Os três reis magos que aparecem no presépio tiveram seus nomes formados a partir das iniciais de pedido de bênção que católicos alemães punham à entrada das casas: Christus Mansionem Benedicat (Cristo abençoe a casa). As iniciais C, M e B resultaram em Gaspar, em alemão, Caspar; Melquior e Baltazar.
Os restos mortais dos três foram trazidos de Milão, em 1164, para a famosa catedral de Colônia, na Alemanha, ao lado do altar principal, onde estão até hoje. Ninguém sabe de quem são aqueles ossos, mas eles compõem uma das mais sólidas lendas cristãs que o povo consagrou.
A partir do século IV, quando o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, consolidase a realeza de Jesus. Há diversas transformações nos relatos e os próprios Evangelhos são adaptados ao novo conceito.
Os magos tornam-se reis magos, e não apenas magos, como registra o Evangelho de São Mateus. Como deram ouro, incenso e mirra a Jesus, esses três presentes passaram a indicar também o número de magos que o visitaram. A tradição consagrará, então, as figuras de três reis magos que aparecem no presépio. Foi simbologia criada para reiterar que tinha nascido o rei dos reis. Logo eles serão representados como dignos exemplares das raças branca, negra e amarela.
Quando nasceu Jesus, temeroso de perder o poder, o rei Herodes, o Grande (40-4 a.C.) teria ordenado a matança de todos os meninos com menos de 2 anos, nascidos em Belém, que nessa época tinha cerca de 2 mil habitantes. Pesquisadores bíblicos calculam que foram assassinadas cerca de 40 crianças.
Jesus teve pálidos registros nos escritos do Império Romano. Mas sua existência está aí firme, há mais de 2 mil anos! Já Papai Noel é personagem lendário, entretanto amparado na existência real de São Nicolau, arcebispo na Turquia, que viveu no século IV. Ele ajudava anonimamente a quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado na chaminé das casas.
Foi transformado em personagem símbolo do Natal, alguns séculos depois, na Alemanha, de onde ganhou o mundo inteiro.
Mas o Papai Noel, tal como o conhecemos, deve muito ao conto Uma visita de São Nicolau, escrito pelo americano Clement Clark Moore, em 1822. Foi ele quem fixou a residência de Papai Noel na Lapônia, na Finlândia, e é dele também a invenção de que o bom velhinho viaja numa carruagem puxada por renas.
Como diz o cineasta John Huston, “quando a lenda supera a realidade, imprima-se a lenda”.
É o que vem acontecendo com o Natal há milhares de anos!

Deonísio da Silva é escritor e professor da Universidade Estácio de Sá, doutor em letras pela USP e autor de 30 livros, alguns dos quais publicados em diversas línguas.
Fonte: Jornal do Brasil online, 24/12/2009

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