Francisco Isolino de Siqueira*
Surpreendo-me ao vê-los brincar, ali, perto dos canteiros floridos, ao pensar naquelas pequeninas figuras de calças compridas, como adultos, apressados, esquecidos da tartaruga liliputiana que se esconde na grama alta. Meus netos poderiam ficar mais algum tempo à espera do próprio tempo, sem buscá-lo ainda um pouco, dispostos às tropelias, às miúdas disputas pelos brinquedos coloridos, amorosos e responsáveis. As crianças são responsáveis. Todo aquele que ama verdadeiramente é responsável. O amor de marcada pureza é enorme, sem limites, quase líquido, esparrama, por isso é capaz de todas as respostas. E prontas, rápidas — quase sem pensar e por isso mesmo muito mais ricas e definitivas. E as crianças não precisam ser sérias porque responsáveis — o sorriso é convencimento. Sorrir é alimentar a certeza. É gostoso ser alegre. A paz faz cócegas na alma. E no bolso das roupas infantis há carretéis, cacos de vidro, caixas-de-fósforo, parafusos inúteis, um besouro seco, as notas álacres da própria vida. As crianças têm sempre as mãos vazias porque é preciso continuar com urgência o processo da criação. No barro, na terra, na água, quando conseguem, transformar o quintal nos sete primeiros dias do Gênesis.
Meus netos têm imensos canteiros floridos à sua disposição — quase o próprio instante genesíaco dos primeiros dias do mundo. A sua Pátria. É preciso continuar o esplêndido processo da criação. Dar-lhes forma. Separar as águas, cobrir a terra de flores e frutos. Edificar cidades que tenham feição e se movimentem como gestos qualificadores e harmônicos — que tenham jeito de gente. Que não emparedem os homens e seus amores. E que as casas deixem a afeição à janela, como roupa a corar, ao sol de todos os entendimentos. É preciso unir as cidades e as pessoas. As ruas e as estradas, as escolas e as igrejas devem formar cirandas sem fim, de mãos dadas, e as criaturas podem dançar se quiserem e cantar, porque faz bem à oxigenação da própria consciência. Podem os cidadãos à semelhança dos meus netos levar coisas nos bolsos. Que sejam todas inúteis. As coisas aproveitáveis que fiquem à disposição de todos. Por isso é importante ter as mãos vazias para continuar gostosamente o processo da criação. E para os abraços.
Vocês, meus netos, percebem que para amar a terra imensa, este esplêndido canteiro ao qual chamamos Pátria, é preciso continuar criança. É preciso sentir por ela, pela Pátria, cócegas na alma. E para isso é importante ser cada vez menos sério, desvestir a pompa dos carnavais telúricos e burocráticos, para correr atrás do trio elétrico, descalço, pelas ladeiras em ascensão, sem cansaço, amorosamente. E ser menos sério significa ser mais alegre, e quanto mais alegre menos fantasia e adereços, porque essa alegria necessária é fruto permanente do amor convencido, enorme, esparramado e, por isso responsável. E, basta por ela, pela Pátria, ser responsável. E se se mantiver a alma criança, por isso amorosa, alegre, responsável é fácil manter os bolsos apenas cheios de quinquilharias, fiapos da memória, lembranças de êxitos ou fracassos. Porque não é preciso pela Pátria senão cumprir o direito de amá-la como nosso grande e colorido brinquedo e disputá-lo também, na ciranda de todos os amores. E por ela, pela Pátria, fazer força para não crescer. Porque é urgente iluminar a paisagem cabocla com sorrisos infantis, que por isso mesmo não sabem ser cínicos.
*Francisco Isolino de Siqueira é jornalista, ex-diretor de Redação do Correio Popular (1963 a 1965)
Fonte: Correio Popular online, 17/12/2009
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