segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A maldição da publicidade

Sam Tanenhaus
Ensaio


Talvez tenha chegado a hora de se aposentar —ou pelo menos repensar— o adágio “Não existe publicidade ruim”. É verdade, sempre haverá pessoas que procuram atenção de algum tipo, como Richard e Mayumi Heene, os pais do “menino do balão” que ganhou as manchetes em outubro, ou Tareq and Michaele Salahi, que invadiram um jantar oficial de Barack Obama, em novembro. Mas, para aqueles cujo destaque se baseia na antiga tradição do renome justamente conquistado —os verdadeiramente dotados, autenticamente realizados—, a publicidade tem tanta probabilidade de prejudicar quanto de exaltar. A prova principal, é claro, é Tiger Woods, cuja proeza no campo de golfe foi obscurecida por uma série de reportagens em tabloides sobre infidelidade e depois por sua declaração de que vai “dar uma pausa indefinida no golfe profissional”.

É apropriado que os custos ocultos da fama devam ser cobrados de Woods quase exatamente 50 anos depois da publicação de um livro, “Celebrity Register” (Registro de celebridades), que apresentou uma nova imagem da posição social nos EUA modernos, na qual o talento e a realização haviam sido subordinados à publicidade. Para registrar essa transformação, o editor-chefe do projeto, Cleveland Amory, colocou uma equipe de 20 pesquisadores e redatores para trabalhar, e quatro anos depois eles produziram um volume colossal; suas 864 páginas em grande formato foram divididas em duas colunas de nomes, cada qual com uma foto e um endereço (geralmente residencial) —2.240 celebridades ao todo, começando com o jogador de beisebol Hank Aaron e terminando com a bailarina Vera Zorina. “A palavra ‘celebridade’ em nossa atual ‘sociedade das celebridades’ cobre um grande número de pecados”, escreveu Amory em uma nota de prefácio. “Não significa, por exemplo, realização no sentido de valor verdadeiro ou duradouro —sobretudo muitas vezes significa simplesmente realização no sentido do sucesso passageiro, popular ou altamente divulgado.”

O físico Neils Bohr foi contemplado, mas também as socialites e atrizes irmãs Gabor.

Para alguns, incluindo o próprio Amory, o “Registro de Celebridades” mostra um declínio acentuado nos valores americanos. O livro está cheio de julgamentos agudos e às vezes esnobes. Mas sua mensagem também pode ser interpretada de maneira diferente —como evidência da natureza cada vez mais democrática da vida americana. O que a celebridade havia substituído era o mundo não da conquista individual, mas a posição social herdada. De fato, folhear o livro hoje é se surpreender com quantos dos nomes ali mantêm o que Amory chamou de “o toque de decibéis” da fama.

“O herói criava a si mesmo;
a celebridade é criada pela mídia.
 O herói era um grande homem;
a celebridade é um grande nome.” [Historiador Daniel Boorstin]

De qualquer modo, “Celebrity Register” havia revelado uma fria verdade sobre a ideia de sucesso dos americanos, que deixou mesmo aqueles no topo da sociedade vulneráveis à mudança dos apetites públicos. “É um dos mais simbólicos documentos de nossa era”, escreveu o historiador Daniel Boorstin sobre o livro de Amory. “É um índice das novas categorias da sociedade americana” —as categorias, ele quis dizer, que foram formadas pela mídia, que havia degradado o herói em uma mera celebridade. “O herói se distinguia por sua conquista; a celebridade, por sua imagem e marca registrada”, observou Boorstin. “O herói criava a si mesmo; a celebridade é criada pela mídia. O herói era um grande homem; a celebridade é um grande nome.”

Atualize algumas palavras e a fórmula se aplica igualmente a 2009, embora os termos sejam ainda mais duros. A “imagem ou marca registrada” de 1961 tornou-se a “marca” de hoje, com muitos milhões de dólares em jogo em patrocínios e apoios. Mais do que nunca, a celebridade, especialmente a celebridade esportiva, está presa em um relacionamento transacional com seus fãs, que o veem menos como uma pessoa do que como uma mercadoria —um competidor talentoso em campo, mas fora dele apenas mais um jogador que se vende na TV e em cartazes luminosos nos terminais de aeroportos.

É em parte essa desconexão entre Woods e seu público que o faz parecer tão isolado hoje, enquanto continua em reclusão.

Um verdadeiro prodígio, ele revolucionou o mais conservador dos esportes com seu poder titânico e sua técnica. Ao mesmo tempo exótico e totalmente americano, ele ajudou a afastar a antiga aura, ou mancha, do golfe de privilégio só para os brancos do clube de campo, em uma época em que as palavras-chave do público eram “diversidade” e “multiculturalismo”.

Mas, como Boorstin escreveu em 1961, “o próprio agente que primeiro faz a celebridade em longo prazo inevitavelmente a destrói. Ele será destruído, assim como foi feito pela publicidade. Os jornais o fazem e o desfazem”.
FONTE: Folha de São Paulo The New York Times, 21/12/2009

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