Ross Douthat*
"Avatar' é uma longa apologia ao panteísmo,
uma fé que equaciona Deus com a Natureza e
convida a humanidade à comunhão religiosa com
o mundo natural."
É apropriado que o filme "Avatar" de James Cameron tenha chegado aos cinemas no tempo do Natal. Como a própria época de feriados, o épico da ficção científica é uma encarnação crassa do excesso capitalista envolvida em uma sensível mensagem religiosa. É, ao mesmo tempo, o sucesso de bilheterias para acabar com todos os sucessos de bilheterias – e com o evangelho segundo Tomé.
Mas não com o evangelho cristão. Pelo contrário, "Avatar" é a longa apologia ao panteísmo de Cameron – uma fé que equaciona Deus com a Natureza e convida a humanidade à comunhão religiosa com o mundo natural.
No universo de ficção científica de Cameron, essa comunhão é encarnada pelos esbeltos e invejáveis seres de pele azul Na'Vi, uma raça alienígena cuja existência idílica no planeta Pandora é ameaçada pelos vorazes invasores humanos. Os Na'Vi são salvos pelo herói do filme, um marine vira-casaca, mas eles também são salvos pela sua fé em Eywa, a "Mãe de todos", descrita de várias formas, como a rede de energia e a soma total de todas as coisas vivas.
Se essa narrativa parece familiar, é porque o panteísmo tem sido a religião de escolha de Hollywood durante toda uma geração. É a verdade que Kevin Costner descobriu quando ele foi dançar com os lobos. É a trama metafísica dos desenhos da Disney, como "O Rei Leão" e "Pocahontas". E é o dogma dos Jedi de George Lucas, cuja Força mística "nos rodeia, nos penetra e une toda a galáxia".
Hollywood continua voltando a esses temas porque milhões de norte-americanos respondem favoravelmente a eles. De Deepak Chopra a Eckhart Tolle, o setor de "religião e inspiração" em sua livraria local está cheia de títulos empurrando uma mensagem panteísta. Um recente relatório do Pew Forum sobre como os norte-americanos misturam e combinam teologias descobriu que muitos que se confessaram cristãos mantêm crenças na "energia espiritual" das árvores e das montanhas, que se encaixariam perfeitamente entre os Na'Vi de cor azul índigo.
Como de costume, Alexis de Tocqueville viu isso surgindo. A crença norte-americana na unidade essencial de todo o gênero humano, Tocqueville escreveu na década de 1830, nos leva a distinções conflitantes em cada nível da criação. "Descontentes com a descoberta de que não há nada no mundo a não ser uma criação e um Criador", afirmou, o homem democrático "busca expandir e simplificar sua concepção incluindo Deus e o universo em um grande 'tudo'".
Hoje, há outras forças que expandem o apelo norte-americano do panteísmo. Nós lamentamos por aquilo que deixamos para trás, e divinizar o mundo natural é uma forma óbvia de expressar mal-estar com a nossa sociedade hipertecnológica. A ameaça do aquecimento global, enquanto isso, emprestou ao culto da Natureza as qualidades que toda religião de sucesso precisa – um espírito de cruzada, um conjunto rigoroso de "nãos" e um apocalipse fervente.
Ao mesmo tempo, o panteísmo abre um caminho para experiências numinosas para pessoas desconfortáveis com o prosaísmo das religiões monoteístas – com suas deidades que fazem milagres e livros sagrados, seus nascimentos virgens e corpos ressuscitados. Como o filósofo polonês Leszek Kolakowski indicou, atribuir divindade ao mundo natural ajuda a "trazer Deus para mais perto da experiência humana", ao mesmo tempo que se "priva-o de traços pessoais reconhecíveis". Para qualquer pessoa que anseia por transcendência mas recua diante da ideia de um Todo-Poderoso exigente que intefere nos assuntos humanos, essa é uma combinação ideal.
De fato, ela representa uma forma de religião que até os ateístas podem sustentar. Richard Dawkins chamou o panteísmo de um "ateísmo enfeitado" (ele diz isso como um elogio). Sam Harris conclui seu polêmico "A morte da fé" (Ed. Companhia das Letras, 2009) homenageando as experiências místicas oferecidas pela imersão no "agitado mistério do mundo". Citando a expressão de terror religioso de Albert Einstein diante da "beleza e sublimidade" do universo, Dawkins assume que, "nesse sentido, eu também sou religioso".
A questão é se a Natureza verdadeiramente merece uma resposta religiosa. O teísmo tradicional deve lutar com o problema do mal: se Deus é mal, por que ele permite o sofrimento e a morte? Mas a Natureza é sofrimento e morte. Sua harmonia exige violência. Seu "ciclo da vida" é realmente um ciclo de mortalidade. E as sociedades humanas que chegaram o mais perto possível da ordem natural não são os brilhantes Édens das ternas imagens de James Cameron. Elas são lugares onde a existência tende a ser sórdida, animalesca e curta.
As religiões existem, em parte, exatamente porque os humanas não se sentem confortáveis em meio a esses ritmos cruéis. Permanecemos metade dentro do mundo natural e metade fora dele. Somos animais com autoconsciência, predadores com ética, criaturas mortais que anseiam por imortalidade.
Essa é uma posição agonizante e, se não há saída lá em cima – ou nenhum Deus para se tornar carne e vir para o meio de nós, como a história cristã tem –, uma posição profundamente trágica.
O panteísmo oferece uma espécie diferente de solução: uma saída aqui em baixo, um abandonamento de nossa trágica autoconsciência, uma refusão com o mundo natural do qual nossos ancestrais escaparam pela metade milênios atrás.
Mas, exceto como pó e cinzas, a Natureza não pode nos levar de volta.
http://graphics8.nytimes.com/images/2009/04/23/opinion/douthat-profile.jpg
*Ross Douthat, escritor e crítico de cinema, em artigo publicado no jornal The New York Times, 20-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto PARA IHU online, 22/12/2009
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