sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O crepúsculo da superpotência

Mark Sommer*


Há poucas semanas, o vigésimo aniversário da queda do Muro de Berlim fez os norte-americanos recordarem o quanto se sentiram orgulhosos quando um triunfante Estados Unidos colocaram canga sobre um império soviético que desmoronava. Duas décadas depois, os norte-americanos se encontram desconcertados, perplexos e ressentidos pela situação de sua nação, embora na realidade a decadência de sua supremacia mundial já venha de muito tempo.
Inclusive na cúpula do poder dos Estados Unidos, certas tendências cruciais estavam minando a saúde futura da sociedade norte-americana. Uma derrota humilhante no Vietnã, uma extenuante guerra no Iraque, uma classe política cada vez mais dependente dos cofres das grandes corporações, o desmoronamento dos setores da educação, saúde e de infraestruturas públicas, uma economia imersa na dívida e dominada por perigosas especulações financeiras à custa da atividade produtiva, e muitas coisas mais enfraqueceram as fontes essenciais da fortaleza nacional.
Agora, na medida em que os norte-americanos contemplam as ruínas de seus sonhos, suas respostas são marcadamente diversas e até contraditórias. O colapso financeiro de 2008/2009 deixou a maioria sem ânimo e despojada de boa parte do que tinham antes. Alguns se inclinam a simplificar suas vidas e muitos estão dispostos, inclusive, a aceitar uma mudança que inclua o retorno aos simples ritmos de outros tempos e a saborear os prazeres íntimos da família, dos amigos e da natureza em lugar de entrar em uma louca corrida para o consumismo.
Os ricos, apesar do desafio ético que devem enfrentar, não puseram fim aos seus desperdícios, mas o escândalo público causado pelas gratificações recordes concedidas aos bancos resgatados com o dinheiro dos contribuintes os coloca diante de um delicado problema de relações públicas, obrigando-os a calar seus impulsos de alardear sua riqueza por medo de provocar a ira pública e gerar a aprovação de medidas de regulamentação de suas atividades.
O colapso financeiro ocorreu bem a tempo de deixar uma bomba relógio para Barack Obama. Documentos divulgados recentemente revelam que o desastre já estava em curso durante os últimos dias do governo de George W. Bush e que tudo estava pronto para dar aos bancos e às firmas de investimento norte-americanas um cheque em branco para cobrir seus desmandos e saírem da situação não apenas ilesos, como também com um papel ainda mais dominante na economia do país. Foi passado ao governo Obama um cálice com veneno e o obrigaram a bebê-lo.
E Obama agravou a situação com notórios erros próprios que deixaram seus partidários profundamente desanimados. Em lugar de defender os norte-americanos comuns dos estragos de um desavergonhado setor financeiro, passou o timão aos banqueiros. Por sua vez, os amargos republicanos destes dias alimentam de cólera e ressentimento os remanescentes da cultura “rebelde”, dos que foram os confederados sulinos, para os quais a Guerra Civil ainda continua hoje em dia. Eles praticam a estratégia de terra arrasada para negar a Obama, e ao país, todo recurso essencial para o sucesso.
O resultado disso é que quase um ano depois de uma maré de esperança progressista, o “momento liberal” já está desaparecendo. Em seu lugar emerge um populismo muito mais ameaçador que explora habilmente os temores dos que foram deixados para trás pela nova economia e atiça medos e ódios com venenosas afirmações lançadas por incendiários apresentadores de programas de televisão.
Esse populismo retrógrado se orgulha de sua própria ignorância. Durante as últimas décadas, os republicanos encontraram uma fórmula ganhadora ao apresentar candidatos presidenciais manifestamente sem a classificação necessária para o cargo, como maneira de atrair um apoio significativo da população que não se sente cômoda quando quem os dirige sabe mais do que eles. Como Sarah Palin, a encarnação e a quintessência da “esperteza” e da ignorância carismáticas, que disse, com uma linguagem cuidadosamente cifrada, sobre o de pele morena e educado em Harvard Barack Obama: “Ele não é um dos nossos”.
O populismo de extrema direita é alimentado por fantasias sobre conspirações e o mau-humorado desdém pelos fatos e pelo debate bem argumentado. Como um vírus político letal, habitualmente irrompe durante os períodos de dificuldades econômicas e de transtornos sociais.
Tudo isso soa familiar, com evocadores ecos da ascensão do fascismo na Europa duas gerações atrás. A acelerada decadência do poder dos Estados Unidos, depois de décadas de práticas equivocadas e mau governo, coloca a questão de como seus cidadãos verão o fato de seu país não ser mais o Número Um no mundo. Os opostos populismos de direita e de esquerda proporcionam respostas radicalmente diferentes. Na esquerda está emergindo em movimentos pós-políticos um novo localismo que busca a autossuficiência, a simplicidade e um renovado espírito de comunidade interdependente. Muitos desejam que seu país seja liberado das cargas do império, bem como seja dada ênfase na reconstrução de um “sonho americano” mais equitativo e sustentável.
Enfrentando as mesmas inquietantes tendências, o retropopulismo compartilha o impulso de retornar à família e à comunidade. Por outro lado, expressa em seu aborrecido rechaço aos imigrantes, às minorias e às elites culturais, por considerar que minam os valores tradicionais norte-americanos. E, com toda energia, rejeita a perspectiva de um futuro em que os Estados Unidos não sejam vistos como “a maior nação da Terra”.
Os progressistas há tempos estão advertindo para o perigo de um fascismo norte-americano. Porém, a natureza de autoequilíbrio de seu governo e o lastro de sua sociedade de classe média sempre evitaram que o país caísse em seus piores excessos. Contudo, agora, a decadência de seu status de superpotência, sua maciça insegurança econômica, sua orquestrada cólera e seu pobremente informado e instruído público poderiam se combinar com os efeitos amplificadores das mídias partidárias para transtornar a história norte-americana.
(*) Mark Sommer é jornalista e colunista norte-americano, dirige o programa de rádio internacional A World of Possibilities. (www.aworldofpossibilities.com).
(IPS/Envolverde)
FONTE: Mercado Ético, 17/12/2009

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