MARCELO COELHO*
Poderia ser elaborada uma lista com defeitos de quem está chegando à terceira idade
ADOLESCENTES? SINÔNIMO de problema. Os jovens? A cada ano eles pioram. No singular, o caso ainda é mais grave: "O jovem". Sobre esse nem vale a pena dizer alguma coisa. Drogados, alienados, desorganizados, perdidos. Reúnem-se em tribos.
Vivem na balada. Só pensam em consumo. Ou melhor, não pensam. Não estudam. Não leem. Não conversam. Não ouvem. Não falam.
Acho que todo dia topamos com frases desse tipo, que podem ter boa dose de verdade. A verdade, muito relativa, de qualquer generalização.
Foi bom encontrar, na coluna de Lya Luft para a "Veja" desta semana, um pouco de água fria nessa permanente ebulição discursiva a respeito do "jovem".
Não sei se os adolescentes conversam pouco. Sei que nós, os velhos, falamos demais a respeito deles.
"Tenho muita empatia com a juventude", escreve Lya Luft, "exposta a tanto descalabro, cuidada muitas vezes por pais sem informação, força nem vontade de exercer a mais básica autoridade, sem a qual a família se desintegra (...)"
A articulista continua: "Quem são, quem podem ser, os ídolos desses jovens, e que possibilidades lhes oferecemos? Então, refugiam-se na tribo, com atitudes tribais: o piercing, a tatuagem, a dança ao som de música tribal, na qual se sobrepõe a música dos tantãs."
A culpa, sugere Lya Luft, afinal é dos mais velhos. E há exceções: "Não acho que todos os jovens sejam arrogantes, todas as crianças mal-educadas, todas as famílias disfuncionais".
Seja como for, se os adolescentes e as crianças são isso e aquilo, "nós, os adultos, somos seus grandes devedores, pelo mundo que lhes estamos legando".
A escritora Lya Luft está certa, mas eu gostaria de avançar um pouco nesse raciocínio. O problema, em tudo o que se diz e escreve sobre "jovens", é que sempre há um "nós" falando a respeito "deles".
Não sei se existe algum pedagogo especializado em "terceira idade" ou se já inventaram palestrantes dedicados a explicar aos adolescentes como cuidar dos pais, dos avós e dos professores.
Haveria muito a dizer, sem dúvida, sobre "os velhos". Ou sobre "o velho" nos dias de hoje. Uma lista de defeitos ou, para dourar a pílula, de "problemas" pode ser rapidamente elaborada. O velho, ou o adulto em geral, reúne-se apenas em restaurantes e, na maior parte do tempo, só fala de comida.
Assiste a televisão demais e costuma ler pouco. Raras vezes admite ter algum problema com excesso de trabalho, de sedentarismo, de bebida. Não costuma, aliás, falar de seus problemas com os mais jovens.
Ignora qualquer conselho dos filhos. É arrogante o tempo todo. Não tem um décimo da consciência ecológica de uma criança do pré-primário. É individualista, consumista, frustrado e ressentido. Perdeu qualquer senso de aventura e novidade na vida. Sua indisposição para o aprendizado é alarmante, e não só em frente a um computador.
Acredita ter todo tipo de direitos -perante o Estado, a comunidade, os empregados, os vizinhos- e reage mal se lhe disserem que não retribui o bastante quando se entrega a um trabalho rotineiro, sonega impostos e prefere ficar em casa a participar de qualquer movimento pela melhoria da situação.
O velho é chato. Não escuta. Não tem imaginação. Não conversa. Não ri. Não presta atenção em nada.
Claro, existe o declínio natural da idade. Antes mesmo de chegar à senectude, o adulto já fareja as vantagens que pode auferir desse estado terminal. Relativamente cedo, passa a exigir respeito e tolerância pelos defeitos que sempre teve.
Pode até orgulhar-se quando diz: "Já não tenho paciência para esse tipo de coisa...". Ou repetir o mesmo tipo de frase que condenaria no filho ou neto adolescente: "Não me interesso minimamente por isso, ora bolas".
Reconheço as exceções. Há velhos que se reinventam, adultos que admitem seus erros, pais que não se refugiam na mesmice. Pessoalmente, não posso dar exemplos muito edificantes.
Sou muito aferrado à minha rotina, aos meus gostos, aos meus autores preferidos. Não me convidem para descobertas e aventuras. Nem como turista cinco estrelas tenho vontade de conhecer a China ou uma aldeia de índios. Para dizer a verdade, desde pequeno eu era meio velho e rabugento.
Por isso mesmo não perdi a vontade de falar sobre os problemas do jovem e do adolescente. Eram os mesmos, e bem visíveis, quando eu tinha 40 anos a menos do que agora. Passei da fase; não tenho mais paciência para isso. Ora bolas.
*Jornalista. Escritor. Graduado em ciências sociais com mestrado em sociologia. Colunista da Folha.
coelhofsp@uol.com.br
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Fonte: Folha online, 16/12/2009
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