“A desglobalização já começou”, assegura o sociólogo Richard Sennett (Chicago, 1943). A saída da crise será lenta, e de jeito nenhum voltaremos ao “ancient régime”, à espumosa paisagens das duas últimas décadas, nas quais o sistema estava criando seu próprio colapso porque tinha “abandonado a economia real, que se nutre de trabalhadores qualificados, de artesãos”.
“El artesano” [O artesão] (Ed. Anagrama) é justamente o título de seu último livro, o primeiro volume de uma trilogia dedicada, segundo suas palavras, à “cultura material”. Para esse discípulo de Hannah Arendt que esteve nesta segunda-feira em Barcelona, “fazer é pensar”, e a palavra artesanato (craftmanship) designa “um impulso humano, duradouro e básico, o desejo de realizar bem uma tarefa, sem mais”.
Isso supõe, explica, dedicação para aprender e para desenvolver as habilidades, para crescer como um trabalhador competente, um conceito que se destacou por sua ausência nestes últimos 20 anos, nos quais não se investiu nos trabalhadores; o que se fazia, ao invés, era comprar o mais barato que havia. O resultado, conclui, é que, quando chegou o colapso, “a economia real não tinha nenhum tipo de resistência para enfrentar a explosão financeira”.
Mas quando fala de artesãos, Sennett não se refere só ao estereótipo do trabalhador altamente qualificado de uma empresa tecnológica, mas sim aos conhecimentos adquiridos, por mais simples ou banais que pareçam, que formam a própria textura da sociedade e da economia. Um dos efeitos do sistema imperante nestas últimas décadas, denuncia, foi “a cegueira” diante das habilidades das pessoas que denominamos como pouco qualificadas, mas de cujas capacidades somos “socialmente dependentes”.
“Se você é cuidador em um hospital ou trabalha na limpeza, sua ficha laboral lhe definirá como não qualificado, mas não está certo. Trata-se de pessoas com muitas habilidades: conhecem o hospital, sabem a quem chamar quando há uma emergência, sabem como conservar o lugar limpo, inclusive detectam se alguém piorou subitamente e chamam o médico ou a enfermeira. Há muitos trabalhadores assim. Parece muito simples, mas isso vai sendo adquirido com tempo e dedicação, e não é valorizado. A visão neoliberal consistia basicamente em que o trabalho era uma série de tarefas sem relação. As qualidades podem ser simples, mas as instituições são complexas. A quem chamar quando alguma coisa quebra? Isso é artesanato. Esquecer isso é esquecer que a vida tem uma narração, que a competência em algo é uma narração, não só para o indivíduo, mas também para a sociedade”.
Homem de esquerda, desencantado com a prática política dos partidos socialistas europeus e concretamente do trabalhismo britânico pelo qual deixou de militar, Sennett considera que em nossas sociedades existe uma profunda desconfiança com relação às classes dirigentes. No trabalho de campo que ele está realizando para o segundo livro dessa trilogia, ele entrevistou trabalhadores de níveis médios da Wall Street em greve. “Os chefes não têm nenhuma autoridade”, descobriu, “são muito ricos, mas aqueles que trabalham para eles na sala de máquinas acreditam que são muito incompetentes, que não sabiam o que estavam fazendo e também não lhes importava, contanto que continuasse entrando dinheiro”.
No entanto, o poder político, incluindo a esquerda, denuncia ele, continua pensando “que tudo continua igual aos anos loucos do boom, e que o mais importante é salvar o setor financeiro, porque é aquele que faz a economia real funcionar. Há uma ironia em tudo isso. Acredito que a esquerda deve se centrar muito mais nas empresas locais, é preciso desglobalizar, focalizar-se nos pequenos negócios. Vamos entrar em um longo período de atividade econômica deprimida, e essa história de que uma vez que os banqueiros recuperem seus bônus a economia se reativará é uma fantasia que é vendida às pessoas”.
A reportagem é de J. M. Martí Font, publicada no jornal El País, 22-12-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
FONTE: (IHU-On line)
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