Paulo Nogueira*
“Todos os homens podem voar, mas infelizmente numa única direção.” É uma das melhores frases do presidente americano John Kennedy, assassinado em 1963. Não só os homens podem fazer o percurso descrito por Kennedy. Também os países podem, se acreditarem que são capazes de voar. O intelectual americano Peter Beinart utilizou essa metáfora em seu livro recém-lançado sob intensa controvérsia. O título é autoexplicativo: Síndrome de Ícaro: como o triunfo americano produz a tragédia americana. Beinart usa o mito de Ícaro em sua tentativa de explicar o declínio americano. Ícaro, como sabemos, achou que era capaz de voar com suas asas de cera e, derretidas elas pelo sol, terminou na direção citada por Kennedy. Também os Estados Unidos, essa a tese de Beinart, acreditaram que eram capazes de voar depois que viraram superpotência no início do século XX.
Beinart pega três gerações de líderes americanos. A primeira é a do presidente Woodrow Wilson, um progressista que comandou o país na Primeira Guerra Mundial. O “wilsonismo”, como se consagraria a doutrina internacionalista de Wilson, pregava que os Estados Unidos deveriam entrar na arena global para lutar pela democracia. Foi o que fez a segunda geração estudada por Beinart, a de Kennedy. A Guerra do Vietnã foi fruto de um idealismo ingênuo e afinal destrutivo dos herdeiros espirituais de Wilson – um quadro magistralmente descrito pelo romancista inglês Graham Greene em O americano tranquilo.
Os EUA acharam que eram capazes de voar depois que viraram
superpotência, no início do século XX
O Vietnã acabaria por se tornar o grande marco sangrento da “tragédia americana”, segundo Beinart. Os Estados Unidos jamais se recuperaram dos danos de variada natureza provocados pelo Vietnã: uma guerra que se arrastou muito além do previsto e que colocou o país na posição inédita de derrotado e, pior ainda, vilão.
O trauma do Vietnã parecia ter enfim sido superado quando o presidente George W. Bush – a terceira geração estudada por Beinart, esta conservadora, ao contrário das duas outras – derrubou Saddam Hussein no Iraque com o que parecia ser uma facilidade extraordinária. Ícaro podia, sim, voar e, mais ainda, levar sua visão de mundo para outras partes.
Ou não?
A aparição dos insurgentes no Iraque, dispostos a morrer para expulsar os americanos, logo desfez a euforia inicial. Beinart diz que a saída para os Estados Unidos reside em desistir de suas pretensões hegemônicas militares e se concentrar no que sempre foi sua força: a economia. É um desafio duríssimo. Primeiro, historicamente nenhum império desistiu de seu papel de senhor do universo voluntariamente, a começar por Roma. Depois, uma vez Ícaro estatelado, se reerguer é algo que nem a mitologia grega ousou imaginar.
____________________________________________*Paulo Nogueira (foto), correspondente de ÉPOCA em Londres, mantém o blog Diário do Centro do Mundo em epoca.com.br E-mail: pnogueira@edglobo.com.br
Fonte: Revista ÉPOCA online, 03/07/2010
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