Rubem Alves*
Futebol faz bem à saúde? É duvidoso. De vez em quando um jogador cai morto no meio do campo. E de vez em quando um torcedor morre assentado em sua poltrona diante da televisão.
“Esporte faz mal à saúde”: é o que afirmava um professor português da Faculdade de Educação Física da Unicamp. “Nunca vi atleta longevo. Quem vive muito são aquelas velhinhas que se reúnem para tomar chá às cinco da tarde, com bolo coberto de glacê...” Ele está certo. O esporte é uma violência ao corpo. Ele procura levar o corpo ao seu limite. E tudo o que é levado ao seu limite corre o perigo de se desmanchar. Não acredita? Pegue uma bexiga e vá soprando, soprando, soprando... Chega um momento, o momento do limite, em que ela explode. Lembra-se daquela atleta suíça, ao fim da maratona, toda entortada pelo esforço absurdo a que seu corpo fora submetido? E aquela velocista norte-americana, recordista mundial dos 100 metros rasos – foi vapt-vupt. Foi assim que morreu meu primo Nilo. Quando o Botafogo ganhava ele enchia a cara por alegria. Quando o Botafogo perdia ele enchia a cara por tristeza. Seu corpo não aguentou tanta tristeza e tanta alegria misturadas aos domingos.
Na juventude fui torcedor do glorioso time da estrela solitária, o Botafogo do Rio. Lembro-me da sua escalação, ano de 1949: Ari, Gerson e Sarno. Linha média eu esqueci. Ataque: Rogério, Tovar, Heleno, Geninho e Ponce de Leon. O primeiro jogo do Botafogo a que assisti no defunto estádio da rua General Severiano foi um massacre: 9 x 0 no Bonsucesso.
"Pois se ele (Deus) não atende às incessantes orações do Papa pela paz,
que é infinitamente mais importante que o futebol,
seria indigno que ele atendesse as minhas rezas
pela vitória do meu time."
Faz tempo. Final de Brasil e Alemanha. Pocinhos do Rio Verde, Pousada Tambasco. Todos acomodados na sala de televisão. Eu não. Não sou torcedor de futebol, exceto quando o Brasil joga. Quando o Brasil joga desaparecem os timecos que brigam entre si no campeonato. Todo mundo é verde amarelo. Todo mundo torce pelo Brasil. Todo mundo sofre pelo Brasil. Eu também. Acontece que não gosto de sofrer. Pedi então licença ao dono da pousada para preparar um frango com quiabo, prato mineiro meu favorito, com angu e pimenta. Artifício covarde para não sofrer... Da cozinha eu ouvia a gritaria. Largava o frango na panela e ia ver o que estava acontecendo na sala da televisão.
Fiquei fazendo o meu frango com quiabo e rezando reza de ateu. Porque só ateu pode rezar com consciência limpa por uma vitória no futebol. Imagine que Deus existe. Imagine mais, que ele atende as minhas rezas por uma vitória no jogo. Como poderei respeitá-lo? Pois se ele não atende às incessantes orações do Papa pela paz, que é infinitamente mais importante que o futebol, seria indigno que ele atendesse as minhas rezas pela vitória do meu time.
Por isso rezo como ateu. E quando o Brasil ganha é como se Deus também torcesse pelo Brasil – tudo de mentirinha... Mas o meu frango com quiabo depois da vitória do Brasil sobre a Alemanha não foi de mentirinha... Só lamento uma coisa: que, ao invés da Alemanha não tivesse sido a Argentina. Aí eu colocaria mais pimenta no meu frango com quiabo...
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*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
Fonte: Correio Popular online, 04/07/2010
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